terça-feira, 24 de dezembro de 2013

HISTÓRIAS DO QUASE (mais uma)

                                          A VIZINHA SURFISTA


         Eu morava numa casa de esquina, de uma arquitetura um tanto quanto estranha, cujo charme era o andar de cima, um amplo espaço onde coloquei minha oficina, o cavalete de pintura, e minha escrivaninha.
          O lugar era quase bom....
         Quase, porque, no outro lado da rua, um  vizinho imbecil, mantinha doze cachorros num corredor de uns vinte metros quadrados, que latiam freneticamente, principalmente durante as noites. Fato que tornou minha vida um inferno, porque o sujeito começou achar ruim das minhas reclamações. Acabei processando o cara, porque ainda por cima ele me xingou de tudo quanto foi nome, numa das vezes que reclamei. Mas como a justiça anda muito devagar, mudei de lá antes do juiz mandar o cidadão me indenizar e se livrar dos cachorros.
         Mas, o lugar era bem gostoso... quando os cachorros não latiam.  Eu passava praticamente todo tempo no agradabilíssimo terraço que cercava parte desse andar superior, preparando as aulas para os cursos que estava dando, lendo, pintando, ou simplesmente contemplando a maravilhosa Serra do Mar com sua fabulosa mata atlântica, uma paisagem realmente linda. Quando a zoeira canina apaziguava, o ruido do mar aumentava o meu deslumbramento.
         A casa ficava na esquina de uma rua larga dividida por um canteiro central, com outra que levava até a praia, a um quarteirão de distância. E era justamente nessa esquina, onde raramente passava algum carro, que alguns garotos da vizinhança vinham brincar... tentavam empinar pipa, jogar bola... eram alguns meninos e menidas de cinco a uns doze anos de idade. No jardimzinho da frente havia dois coqueiros, sempre com frutos maduros, e às vezes eu levava algum para a garotada. Bem... e no meio da história apareciam as mães, e tinha uma mãezinha que era demais.
         Era a Renata...     A RENATA... !!!!
         Ela era uma moça de uns trinta anos linda linda linda. Esse tipo mestiço mistura de tudo, branco negro índio...  muito comum no nosso litoral, olhos amendoados, boca carnuda, um corpo esguio e esse jeito muio sensual das mulheres do pedaço.
         Renata era surfista, e sempre que ia à praia passava por lá. Quando a via, eu dava um jeito de falar alguma coisinha, sei lá, do filho, do tempo, do mar, e às vezes tentava contar alguma história interessante. 
Infelizmente, além da grande barreira etária e cultural, a deslumbrante Renata tinha um namorado. Um cara meio feio, baixinho, atarracado, branquelo e com cara de mal humorado. Um disparate, eu pensava, como é possível uma mulher linda como essa ficar com um ser tão sem graça. E tinha também duas irmãs, meio feias de cara, mas uma delas era gostosíssima, sempre com umas roupas um tanto quanto mínimas, e um arzinho meio oferecido. Às vezes até achava que a Zuleica poderia estar interessada em mim, ou talvez apenas me achava um velho engraçadinho... muito provavelmente.

         Um dia, uma tampa de ferro da galeria de esgotos, bem no meio da esquina, começou a expelir uma água fétida. Eu liguei reclamando, e quando o caminhão de serviço apareceu, os funcionários contaram que a rede de esgoto do bairro não estava ligada a lugar nenhum, e devido às ligações clandestinas, os canos ficavam tão cheios que a coisa extravasava. Pouco tempo depois, caiu a maior chuvarada e a água escura voltou a fluir pelos buracos daquela tampa, mas os meninos foram lá  empinar suas pipas, como se nada houvesse. Fui lá conversar com eles disse para eles não deixarem a linha cair naquelas poças... Foi uma pena. Por causa disso a garotada parou quase completamente de frequentar minha esquina, que perdeu sua graça. Fiquei morando lá pouco tempo, e acabei vendendo a casa por que as noites caninas eram um tormento.
         Voltei morar na casinha esquisitinha e feia, lá no fim da cidade, ao lado de uma reserva cheia de passarinhos. Um lugar também gostoso, mas era reduto de receptadores de bicicletas roubadas, pequenos traficantes, putas de várias modalidades e outras figuras com as quais as tentativas de socialização eram um tanto quanto dificultosas.
         Mas minha vidinha tranquila começou a se complicar devido a uma irritante hérnia, cada vez mais insuportável. Consultei o único cirurgião gástrico da cidadezinha, que recomentou uma cirurgia. E ele mesmo sugeriu que seria bom operar em São Paulo, já que eu tinha um bom seguro, além de existir a possibilidade de eu ficar na casa de minha ex-esposa.
         Quase deu certo.
         Combinei tudo, arranjei um cirurgião bam bam bam e lá fui me instalar na casa de minha ex mulher e de nossos filhos.
         Infelizmente o seguro começou a criar dificuldades, o médico de Sampa era um sujeito arrogante, metido e desagradavelmente desatencioso. Então a perspectiva de passar quase um mês perturbando a existência de minha convictamente ex, com certeza iria atrapalhar a relação amistosa que conseguimos manter e que eu prezo bastante.
         O fato é que renunciei ao maior cirurgião do mundo (na modestíssima opinião dele) e à segurança e conforto de um grande hospital coberto pelo seguro, e resignei-me a ser atendido na prosaica Santa Casa que tem uma ala para conveniados.
         Escalei um dos meus queridos filhos que se dispôs a vir para a nada agradável tarefa de ver seu pai balbuciando palavras desconexas ao voltar do efeito dos medicamentos que acompanham a tal raquidiana.
         Lembro vagamente que a anestesia e seus complementos me deixaram num estado semi-onírico, onde eu entrava e saia num estranho ambiente sonoro nada hospitalar, com pessoas fazendo fofoca, dando risada, ao som da única rádio comercial da cidade, que tem a preocupação de selecionar tudo o que existe de ruim.
         Finalmente me vi no apartamento de hospital, simples, mas razoavelmente equipado, acompanhado de meu filho, com uma cara pouco feliz... talvez ele preferisse estar nos braços de sua namorada.
         Acontece que devido ao soro, que enche a bexiga, a vontade de urinar era fortíssima, tão forte que levantei bem devagar, e fui empurrando tropegamente a árvore de metal com sua coleção de garrafinhas até o banheiro.
         E nada...  Quase... ai agora vai... quase... Nada.
         Apareceu uma enfermeira... me deu uma bronca dizendo que eu não podia levantar e me  trouxe um papagaio.
         Ótimo. Deitado na cama com uma certa dificuldade pra ficar de lado, me concentrei e... bom, agora é só relaxar. Mas nada. A pressão, os efeitos residuais da anestesia, ficava sempre no quase. Ai, agora vai... Quase.
         A situação ficou tão desagradável que chamei novamente a enfermeira e pedi uma sonda.
         Pouco depois entraram duas moças e uma delas, que parecia ser bem bonita, pegou, com sua delicada mãozinha, meu heróico porém assustado pintinho, e foi atenciosamente enfiando um caninho de plástico. Olhei para a linda moça, e percebi um rosto conhecido sob o disfarce de enfermeira.
           - Puxa, você não é a Renata?! Lá da rua...
         - É, sou sim...
         - Desculpe não ter te reconhecido.
         - É eu sei. O senhor está meio dormente, é assim mesmo.
         E a Renata, tão linda e atenciosa, ia manipulando delicadamente o meu nobre...
         - Essa não!!! - pensei... quase falei...
         - Olha, Renata...  Não era bem assim que eu queria ver você mexendo no meu brinquedinho!!!
         - só pensei...
         Quase falei...    


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

quase erótica...

                                      QUASE NAMOREI A ANGÉLICA

Mais uma adaptação das aventuras eróticas do Duda, devidamente depurada dos detalhes obscenos...

         Conheci a Angélica faz um bom tempo, num restaurante relativamente bom, onde se reuniam alguns poucos boêmios. Passei por lá numa noite em que havia uma comemoração com muita gente aproveitando os drinques vagabundos de graça, aquela algazarra toda. Lá estavam alguns conhecidos com os quais tentei conversar, mas a gritaria tornava qualquer diálogo uma tarefa mais ou menos impossível. Peguei uma bebida meio adocicada bem forte, que me deixou meio atordoado, e fiquei zanzando de um lado para o outro.
         De repente, percebi uma moça razoavelmente interessante olhando insistentemente na minha direção. Fiquei meio sem saber o que fazer por que ela me era completamente desconhecida, até olhei pra trás pra ver se era comigo ou não. Todos falavam muito alto dando risada, fazendo piadas sobre tudo e toda hora os olhos da moça pareciam estar grudados em mim. Olhos grandes, cabelos muito negros, um rosto bonito, mas havia alguma coisa meio fora de lugar, as distâncias, as proporções, atacavam a beleza produzindo um ar às vezes misterioso, às vezes mau. Falava e ria bastante, comentando sua paixão pelo Palmeiras e pela beleza de um jogador cujo nome não lembro mais. Pelo comportamento, não era do tipo de mulher que me atrai, mas ela olhava tanto que me aproximei desse grupo, onde alguém me perguntou, Você que também é palmeirense acha esse cara assim tão bonito? Brinquei fazendo alguma piadinha sobre não ser muito especialista em beleza masculina, e qualquer coisa sobre a beleza feminina, o já levou a moça achar que era com ela. Chegou ao meu lado, jogou olhares sedutores, afastou seus longos cabelos repartidos assimetricamente, em movimentos suaves, e disparou um monte de perguntas, sempre repetindo esses movimentos, assim, digamos insinuantes... Como você se chama, onde mora, vem sempre aqui, já tinha te visto... Mas alguém me puxou para um outro grupo que falava sobre degustação de vinho, e lá veio mais um monte de disparates. Eu mais ou menos atordoado... de repente a Angélica, passou perto de mim, me afastou dos outros e me disse, Olha achei você um cara interessante, mas aqui não dá pra conversar, vou até o restaurante ao lado e te espero, passa lá daqui uma hora, Bem eu posso sair agora, Não, não quero que vejam a gente sair junto. Sabe como é... Está bem, onze e meia mais ou menos, Isso.    
         E lá eu fiquei andando de um lado para o outro, mais perdido ainda, até que fui abordado por um sujeito metido a folclorista, mas muito chato, daqueles que gosta de fazer perguntas e quando você cai na dele e responde, passa a demonstrar que sabe muito mais do que você, e despeja um monte de baboseiras. Lá pelas tantas o cara me falou que ele tinha a solução para o lixo... Sabe qual é? E insistia, desafiando, e quando respondi que a coisa é complicada, sapecou, Complicado nada, é muito simples, basta pegar o lixo colocar nos aviões cargueiros e jogar nas florestas! Fiquei meio boquiaberto... até hoje não sei se o cara estava tirando uma da minha cara, concordei e pedi licença para pegar sei lá o que... e caí fora, atrás da perua.     
         -   Olá, pensei que tinha esquecido de mim – ela falou. 
         - Ora, o que é isso... é que lá ainda tinha um monte de gente. Você tem que sair logo, ou podemos tomar mais alguma coisinha, bater um papo?
         O local estava bem mais vazio, então escolhemos uma mesa mais discreta e lá ficamos desenrolando uma conversa tipo paquera inicial, onde tudo é agradável. Angélica bem oferecida, se esmerava nas poses olhares gestos pegadinhas na mão e outras artimanhas. É claro que eu estava gostando, mas ela tinha algo estranho, ao mesmo tempo que imaginava o que poderia rolar, havia um certo certo desconforto, talvez preconceito, ou medo de trepar com uma desconhecida. (Agora o que mais gosto de fazer é muita sacanagem logo no começo. Sabe o que é você pegar...) Bem... os delírios eróticos do Duda ficam entre parêntesis para despertar a imaginação dos meus leitores mais... malandrinhos. 
           Bom, quando saímos do bar, apesar de tudo, eu estava um tanto quanto excitado e evidentemente levei a moça para casa. Quando chegamos, ela pediu para parar um pouco adiante, para não ficar na frente do portão, e o que seria um beijinho de despedida, se transformou rapidamente num suceder de beijos e carinhos muito intensos.  E de repente, Angélica abre o zíper de minha calça e mergulha gulosamente até minha mais completa satisfação. (Bem, aí o Duda se divertiu contando tudo nos mais mínimos detalhes, mas em respeito à moral e bons costumes...)
         Quando consegui me  recuperar do espanto e prazer comecei rir, o que a deixou um pouco desconcertada. - Por que você está rindo, ela perguntou. - Ora, você me chupa desse jeito e queria que eu não ficasse feliz, acho que é alegria.  
         Mas não era alegria, era um misto de resto de prazer com um vazio e uma certa dose de repulsa, e como já era tarde eu realmente estava bem cansado. Ela se despediu desceu do carro lentamente e assim que entrou portão a dentro respirei aliviado  e fui embora.
         Foi assim que a Angélica entrou na minha vida, numa passagem bastante curta mas um tanto significativa.
         Mas apesar da Angélica ser uma mulher bem bonita tanto de cara como de corpo, não me sentia atraído. Sei lá, emanava algo que não me inspirava... acho que o ataque inicial me levou à logica conclusão que ela deveria ser bastante promíscua, afinal eu não era um homem assim tão irresistível. Eu realmente não me entusiasmava com a ideia de compartilhar minha possível namorada com uma boa parte da cidade. Não queria começar algo que com certeza não ia ser bem feito, e depois ter que ficar dando desculpas então sugeri que seria melhor tentarmos ficar amigos. Inventei uma estória qualquer sobre uma paixão secreta, ou qualquer coisa no gênero, que seria bom a gente se conhecer melhor antes de começar uma relação amorosa. E a reação dela foi um bem sarcástica dizendo que longe dela se envolver amorosamente com um cara assim como eu.
         Passamos a nos encontrar com bastante frequência. Mas Angélica era uma mulher bastante interesseira, e continuava me procurando, sempre pedindo algum favor, e com algum tipo de insinuação. Ao mesmo tempo me contou que gostava de  um fulano que segundo ela era muito bonito mas meio bandido, e que tentava ficar longe dele mas não conseguia.
         Um belo dia ao conferir minha conta bancária apareceu um estranho cheque que não me lembrava para quem tinha passado. Ao examinar o bloquinho dos cheques,  percebi que faltava o último canhoto do talão. Fui ao banco e lá me deram uma cópia de um cheque cuja assinatura não era a minha, e que por ser um valor relativamente baixo, não havia sido conferido. Ou seja, alguém roubara a última folha do meu talão, com o canhoto e tudo. E no verso do cheque estava um endereço, uma  rua Bahia. Então resolvi convidar Angélica para tomar umas cervejinhas, e quando estávamos conversando tirei um papel do bolso e disse que gostaria de viajar... - Anota aí pra mim os lugares! Eu anotar? É isso mesmo, esqueci os óculos.
         Pensei em lugares com as letras iniciais dos números do valor que estava na face do cheque e por fim falei Bahia. Conversamos mais um tempo, e quando cheguei em casa fui correndo comparar as letras e não havia dúvida que quem escreveu rua Bahia no cheque tinha sido ela. Isso me deixou bem aborrecido. Não sabia se deveria falar com ela ou não, levar o cheque enfiar em baixo do nariz dela ou não.
        
         Alguns dias depois ao passar no café que era frequentado por alguns conhecidos, um deles estava lá sentado lendo um jornal e me chamou.
         - Você soube que a Angélica morreu nessa madrugada?      
         - O que?! Morreu?!
         -É...cara...
         - Mas como? Onde? – eu fiquei realmente abismado... 
         - Levou um tiro... 
         - O que?!!! Um tiro!!! Que loucura... foi alguma briga?
         - Não foi briga... foi assassinada de madrugada, na frente da própria casa! Pela trajetória da bala, ela provavelmente estava ajoelhada, foi um tiro na nuca, de cima para baixo, a queima roupa!!
         Apesar de tudo, me vieram lágrimas nos olhos. Comentamos que ela andava com uns caras barra pesada. Ele achava que tinha sido o tal fulano com que ela saia de vez em quando. Parece que era bandido mesmo.
         - Caramba! Então escuta só o que vou contar... Tenho uma outra amiga que ajuda um jovem adolescente desvairadinho que morava num orfanato lá na região. E foi justamente nesse domingo, quando eu estava pensando em ligar para a Angélica, essa amiga ligou dizendo que ia passar em casa e me levar pra conhecer o orfanato. Como a visita demorou mais do que o previsto e acabei não marcando encontro com a Angélica.  Provavelmente iríamos estacionar nalgum boteco e eu a levaria para casa..                
         - Cara! Quase que você se mete na maior encrenca! Poderia até ser acusado!
             - Ou levado um tiro também!                                                                                        

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

as aulas de italiano

                              
         Era mais ou menos no começo do terceiro ano do ginásio, quando um belo dia, entrou na classe o Dr. Maniglia!, Supremo Diretor, acompanhado de uma jovem senhora com um certo ar sofredor. Dr. Maniglia! era, ou pelo menos se considerava, uma Autoridade Suprema, sua frase predileta era:
         - O Diretor! sempre tem razão, mesmo que esteja errado!!!!
         Nesse dia, nos informou que, num gesto Maravilhoso e Supremo, o Colégio iria oferecer um curso de italiano aos alunos que quisessem ter a dádiva suprema de ter aula com a Senhorita Anna Carvalho. Dr. Maniglia! enfatizou dizendo que as aulas eram opcionais, e os alunos que tirassem boas notas poderiam incluí-las no boletim. - Além disso, esse curso não vai ser cobrado de nossos alunos!!! -  Examinou um papelzinho e colocou na lousa o horário da aula. - Os senhores tem alguns dias para colocar seus nomes na lista que vai ficar ali!!!
         Rolou aquele zumzum na classe com uma boa parte já resmungando baixinho... porra, agora vai ter mais coisa ainda pra gente estudar... Quem vai, quem não vai... A turma que sentava nas carteiras da frente achando  uma maravilha. Mas o pessoal menos cedê-éfe, eu no meio, se entusiasmou. Achamos que ficaríamos no pátio em vez de assistir a tal aula, por que era justamente a primeira depois do recreio.
         Passado o prazo para completar a lista, a grande maioria da classe preferiu ficar zanzando no recreio, e só uns dez alunos se inscreveram.
         Finalmente Dr. Maniglia! anuncia que as aulas com a Senhorita Carvalho iriam começar na semana que vem, e recita as regras para os energúmenos que não quiseram aceitar esse fabuloso brinde.
         A presença na classe durante a aula era obrigatória para todos. Teríamos que ficar no fundo da classe no mais absoluto silêncio sem fazer nada! Era proibido ler. Era proibido fazer lição de casa. Era proibido estudar para prova. Ou seja. Dr. Maniglia! resolveu colocar a gente de castigo! Os castigos eram comuns... ficar sem fazer nada embaixo da escada, em pé. Ou então no canto da classe virado para a parede. Teríamos que ficar lá na classe sem fazer nada o tempo todo!!!
         A frustração e revolta dos maus elementos que não optaram pelo curso foi enorme, e ainda por cima éramos alvo de gozação dos meninos bonzinhos. Saco!!!       
         E a tal aula de italiano virou queda de braço entre o Supremo Dr. Maniglia! e os alunos. As aulas eram uma bagunça... a coitada da Senhorita Carvalho ficava desesperada, mas o Supremo sempre entrava intempestivamente na classe para flagar algum deslise de um dos malfeitores.
         Ao meu lado sentava um menino magro um tanto calado, da turma dos menores. Era o Ennio Syulas Fernandes. Esse menino, virou líder universitário, e depois “terrorista”. Sua foto apareceu nos cartazes “procura-se”, na época da ditadura, mas  conseguiu  fugir e escapar vivo. Com a anistia, voltou, se elegeu deputado, passou para o outro lado da política, foi ministro e senador... quem diria?! Tão magrinho, meio mirradinho.
          Um dia o Ennio me perguntou – Escuta aqui, teu pai é médico, arruma um remédio bem fedorento para a gente  espalhar  na classe!! Planejara tudo direitinho, com mais uma meia dúzia de garotos e todo dia vinha me pedir o tal remédio. O plano era ninguém dizer quem tinha sido o autor da proeza e então a classe ganharia uma suspensão coletiva e ficaríamos dois dias de folga.
         Acontece que minha mãe tomava um remédio para o fígado dotado de um cheiro absolutamente nauseabundo, que revoltava as vísceras dos pressentes toda vez que ela abria o vidro. Bem, depois de tanta pressão, eu surrupiei um vidro e levei para a escola...  Mas nunca imaginei o que iria se passar.
         A turma exultou, um deles agarrou o remédio, deu uma cheirada e ficou verde. - Nossa!!! É isso aí!!! - Assim que acabou a aula antes do recreio, liderados pelo magriço Ennio, demoramos para sair e esmagamos um monte de pílulas lá na frente, no estrado,  na mesa do professor, no apagador, no quadro negro... e saímos sorrateiramente.
         Eu nunca tinha imaginado que os carinhas iam realmente espalhar o remédio, e logo que chegamos ao recreio já comecei a ficar apavorado. Com certeza a culpa ia cair na minha cabeça, afinal eu levei a arma do crime...
         Para encurtar a estória, a Senhorita Carvalho chegou, abriu a porta, entrou... e parou estarrecida. O cheiro realmente havia contaminado a classe de uma forma infernal! A coitada, que já tinha um arzinho desamparado, desatou num choro compulsivo, quase entrando em choque.  E saiu acompanhada por dois ou três puxa-sacos, que foram com ela até a diretoria. Daí a pouco chega o Supremo! Dr. Maniglia!, furioso, acompanhado de um vigilante e nos obriga a entrar na classe que mais parecia uma tubulação de esgoto, ou um caminhão de lixo. Deixou a gente esperando naquela fedentina e saiu juntamente com a professorinha Senhorita Carvalho. Hoje eu me pergunto se eles não tinham alguma relação um pouco, digamos...  mais íntima. Abriram todas as janelas e o zum zum começou, com todo mundo olhando para mim, que a essas alturas estava querendo sumir, afundar dentro do chão. 
         Quando o Ennio me falou - Calma, calma! Ninguém vai te acusar de nada! – percebi que a culpa já estava definida. Eu era o causador da desgraça toda! Aí que me apavorei mesmo.
         Ficamos na classe, com um vigilante mal humorado na porta, nos olhando furiosamente. Aquele burburinho percorrendo a classe e eu...? Eu já  havia me transformado na personificação do mal.
         O Supremo Diretor voltou, abriu o diário da classe e começou a perguntar aluno por aluno – Fulano de Tal, foi o senhor? Um por um. Ele olhava nos olhos do garoto e fazia a pergunta. Todos que vieram antes de mim responderam rapidamente. Não senhor! Não fui eu! Não fui eu, nem sei quem foi! E eu, cada vez mais apavorado. Quando chegou a minha vez eu estava absolutamente paralisado!
         - Foi o senhor???!!!!
         Engoli em seco um monte de vezes, suava frio, tentei balbuciar a resposta, mas a voz não saia. Finalmente...
         - N..  n.. nã.. não... SSee... Não  sSe.. sSeee nhor... !
         - JÁ PARA A DIRETORIA!!!!!  
         Fui submetido a um interrogatório pelo Terrível e Avassalador Supremo! Dr. Maniglia!, juntamente com o Vice-Supremo, Dr. Mazzaneta. Acabei confessando que trouxera o remédio, mas resisti heroicamente e não falei o nome de nenhum dos outros facínoras.
         Chamaram meus pais para uma reunião e ao final desistiram de saber quem eram os outros, já que tinha aparecido o bode expiatório, o monstro delinquente que quase matou a coitada da Senhorita Carvalho!
         E foi assim que fui convidado a não me matricular no próximo ano letivo!!!
        


terça-feira, 26 de novembro de 2013

CARTA AO CLEMENS

                                                  

Caro Elmer C. Smaschgen
            Depois que decidi dar um tempo com minha atividade culinária, nesta encantadora e trepidante Ubatuba, resolvi elaborar este blog. Fiz uma lista dos textos que já escrevi durante minha fugaz existência, além disso estou a escrever coisas novas.
            Não lembro como, a gente se encontrou nesta fantástica net, mas foi um prazer trocar emails, com um dos mais interessantes ex colegas de faculdade. É mesmo... estou falando de você!!!
            No meio de nossas eletrizantes missivas, você disse não se lembrar de mim. Uma parte de seu passado sumiu de sua memória. Não sei em que raio de confusão e agremiação você se meteu, nos anos de chumbo, mas pelo menos está vivo e mais ou menos incólume. Mais ou menos, porque mesmo quem atuou na periferia dos movimentos universitários carrega marcas na alma até hoje.
            Não é facil a gente descobrir que antigos colegas, companheiros e até bons amigos foram trucidados, como a suave Lola, companheira do Arantes, que teve a cabeça esmagada lentamente, como conta o frei Beto no seu “Batismo de Sangue”. Usaram uma monstruosidade chamada de “Coroa de Cristo”, instrumento medieval de tortura. Trucidaram justamente alguns dos que vieram me chamar para a luta armada e de quem eu discordei, dizendo que era um completo disparate, e um veredadeiro suicídio.
            Mas quando entrei no puxadíssimo curso de Biologia na Famosíssima Faculdade de Filosofia da USP, na novíssima e belíssima cidade Universitária, com vários prédios do grandíssimo Arquiteto Artigas, era tudo um sonho superlativo.
            Um futuro maravilhoso nos esperava... era o começo de 1964.
        Talvez você lembre que fui teu calouro, na biologia. Eu era bicho... junto com Dan, Odair, Ana Clara, Eliana, Zé Maria (parece que morreu muito jovem)... a lindíssima Silvia, com quem quase casei. Ah, lembrei do japonês chamado Ideatu (se chamassem ele de Ideúta ele dava porrrada!!!!), que adorava cantar trechos de ópera, a plenos pulmões.
            No primeiro ou segundo dia de aulas, um aviso na entrada de um dos prédios, anunciava uma aula inaugural a ser proferida pelo famoso professor alemão Clemens Shrage.   
            No dia, hora, numa linda sala cheirando a tinta, que estava sendo usada pela primeira vez,  você apareceu com uma cara de cientista louco, loiro, de óculos, meio descabelado, com um forte sotaque alemão. Apesar de muito jovem, estava bravíssimo resmungando por ter que dar aula para gente que ainda não sabia nada, e que seria uma perda de tempo porque lá ninguém teria capacidade para entender o que ia explicar. E começou uma aula muito estranha...
            O prof. Clemens fez uma confusão danada com umas fórmulas de bioquímica misturadas com leis de gases. Era tudo muito sem sentido e eu que tinha estudado como um louco, achei o maior disparate. Levantei a mão para fazer uma pergunta mas quase fui destroçado por uma encarada furiosa. Caiu um silêncio mortal na sala. O professor disparou sua artilharia...
            - Antes de começarem a fazer as perguntas, que servem apenas para mostrar o vosso mais absoluto despreparo para entrar numa Instituição de Ensino como a USP, vou colocar umas equações para explicar o assunto! Exijo o mais absoluto silêncio. Isto aqui não é cursinho!!!
            Você tirou um papel do bolso e copiou umas equações matemáticas com integrais que deixou todo mundo estarrecido.
            - Façam o favor de copiar! Vocês não acham este material em nenhum livro publicado no Brasil. Está num livro alemão da lista de livros que os senhores deverão comprar! Copiem logo, porque tenho que colocar mais coisas nesta lousa.
            Mas como eu era um tanto quanto metido e conhecia alguns veteranos, já tinha te visto no meio do comitê de recepção aos calouros, desconfiei que tinha algo de errado no ar, e não copiei. Você veio brigar comigo, mas eu pus uma cara meio de troça e que quase te fiz cair na gargalhada... Percebi que esse Clemens não era professor mesmo e que estava se segurando pra não dar risada, abaixei os olhos e murmurei.      
            - Desculpe prof. Clemens, estou sem óculos de perto.
             Você resmungou um monte em alemão, virou para a lousa e perguntou em tom de desafio, apontando para uma integral.
            -  Alguém sabe o que significa este sinal?
            O silêncio foi quebrado por um tímido cochicho de uma turminha de moças lideradas por uma coroa, que depois recebeu o apelido de “Alto Comando”. Eram todas muito sérias compenetradas, esforçadas, as futuras cientistas... mas um tanto quanto mal humoradas. Mesmo elas não se atreveram abrir a boca.
           - Tem alguém aqui capaz de colocar a continuação dessas equações?
           
Aí, um colega cujo nome esqueci, um baixinho, meio narigudo, cara de italiano, levantou seriamente, foi até lá e passou a colocar um monte de integrais. A turma copiava com a maior dificuldade, evidentemente sem entender nada. Finalmente o moço disse ao professor que tinha chegado ao fim.
            - O senhor tem certeza que tudo isso aí está correto?                 .
            - Claro, professor.
            - É bom mesmo! Os senhores sabem por que é bom? Sabem?
            Desfrutou do silencio reinante, fez uma pose teatral e exclamou...
            - É por que eu não entendi nada! Bicho é burro mesmo!
            E disparou na maior gargalhada.       
           Imediatamente, um grupinho de veteranos que estavam misturados na classe começaram a gritar.
            - Bicho é burro! Bicho é burro!
            O rapaz das equações, que era calouro, tinha começado o curso de física, mas resolveu fazer biologia. A turma do trote foi lá pedir para ele ajudar nessa aula louca.

            E então, Elmer? Você, que andou levando umas pancadas mais violentas da ditadura, conseguiu lembrar desse lance?

             receba um abraço de seu velho amigo

             Suirad Verachinius

terça-feira, 19 de novembro de 2013

as histórias do quase...

                                              
                                                                     O DARDO
       

           Acho que o lance do dardo foi o primeiro quase de minha vida.
        Eu deveria estar com meus onze ou doze anos, naquela esquisitice que é a puberdade, começando me descobrir e descobrir o mundo.
         Quase me estrepei passeando no gramado do campo de futebol do colégio Dante Alighieri, um colégio super bem equipado. Tinha até um campo de futebol, gramado, com uma arquibancada onde talvez coubessem umas quinhentas pessoas. Ocupava, ou melhor, ainda ocupa, um quarteirão inteiro, só que onde era o campo de futebol fizeram umas quadras e mais uns prédios enormes. Naquela época existia apenas  um grande prédio em forma de U, todo de tijolos aparentes, com janelas enormes, cercado de belos jardins.
         Os corredores de acesso às classes eram muito largos, com pisos de pastilhinhas hexagonais, que formavam desenhos. De um lado,  grandes janelas voltadas para o pátio interno, e do outro um monte de portas duplas enormes, que davam para as classes. Eram... tudo era muito grande e muito limpo, muito iluminado pelas janelas gigantescas.
         Mas apesar do requinte e da beleza do prédio, o clima da escola era desagradável. Havia uma disciplina e um autoritarismo exacerbados, resquícios do militarismo fascista italiano e também da tradição da educação européia na base de castigos físicos e deformação da personalidade. Uma boa parte dos professores eram velhos, ferozes, dominadores e recalcados, que não demonstravam o menor carinho por seus discípulos. Estavam sempre a inventar castigos, mandando alunos para a diretoria, e a exigir suspensões. 
        Lembro de umas velhas decrépitas, solteironas, chamadas pelo sobrenome, precedido de senhorita, como a professora de inglês...  A senhorita Cock!!! Isso mesmo, senhorita Cock, de cabelos roxos e cheiro de naftalina! 
        Algumas eram especialmente furiosas, como a de latim, uma machona de bigodes que passava montanhas de lições. Mas a mais detestada era a de história, uma magriça horrorosa que nos obrigava copiar páginas e páginas do livro e passar o caderno a limpo... O professor de francês, de bigodinho bem fininho, loiro, obrigava os alunos a fazerem dezenas de cópias de páginas do livro, como castigo por qualquer bobagem.
         Entravam na classe aos gritos e os alunos tinham que ficar em pé ao lado da carteira até o mais completo silêncio. Em geral esse silêncio se prolongava por alguns minuto antes do comando  - Sentem em seus lugares!
     Evidentemente toda essa repressão gerava um descontentamento generalizado, que explodia em algazarras estrondosas assim que tocava o sino tocado pelo simpático bedel, talvez a figura mais simpática da escola. Punha um algodão nos ouvidos e mandava ver num sino de bronze que se ouvia do bairro inteiro... Assim que tocava o sino e o professor saía da classe, o mundo virava de cabeça pra baixo. As classes não eram mistas, então o intervalo entre uma aula e outra era a explosão de machismo desenfreado da puberdade masculina, gritos, palavrões, os meninos maiores atacando os menores, com obscenidades e empurrões.
         Uma vez  a loucura foi tão descontrolada, que um menino caiu da janela, para o lado de fora! Foi um pânico geral.
- O Fulaninho caiu! Quem! Nossa, deve ter morrido!!!
         Um corre corre. Só um ou dois viram que o garoto sentado no beiral perdeu o equilíbrio e despencou do segundo andar. Era um sujeitinho esquisito, afeminado e extremamente puxa-saco, queridinho das professoras. Com certeza era veado. Quem é homossexual, já nasce assim, e pronto. Na classe tinha um outro que era muito bicha louca, com trejeitos, gritinhos e tudo. Esse que caiu era mais contido, mas feminino demais, talvez por isso era tão querido pelas professoras mais velhas as solteironas um tanto quanto masculinizadas, afinal foram obrigadas a viver detestando homens.
         Bem, quando o Fulaninho caiu, foi aquela correria, todos meninos se amontoando nas outras janelas, a professora tentando controlar o pânico que estava se instalando...                     .
         Eu e mais alguns, ficamos parados, um tanto quanto aparvalhados. Não me lembro exatamente os detalhes do que se passou, mas o Fulaninho, apenas quebrou o braço e depois de uns dias o pentelhinho já estava lá sendo alvo de todas as homenagens e mais paparicado ainda. Fiquei com a maior raiva, mas não cheguei ao extremo de lamentar que ele não tivesse passado dessa para outra melhor.
         Mas voltando ao fato que me pôs a falar dos tempos do Dante... a história do dardo numa aula de educação física que eram uma esculhambação, como em todas escolas. Em geral punham a garotada para jogar bola e pronto. As classes eram muito grandes, então o resto ia jogar basquete, ou queimada. Às vezes o professor mandava a turma fazer ginástica. Ficava todo mundo em fila e íamos fazendo um pouco de barra, depois um salto em extensão, um salto em altura, argola, e logo virava a maior bagunça no lugar onde ficavam  os  equipamentos para ginástica, atrás de um dos gols do campo de futebol.
         Um desses dias, depois de ter passado por todas atividades, saí andando pelo campo, meio chateado porque, como nunca fui dado a fazer ginástica, meus resultados nos pulos, barras e flexões, eram dos piores. De repente ouço um monte de gente gritando meu nome atrás de mim e virei para olhar o que era. Assim que virei, um dardo de competição passou rente às minhas costas e se espetou no chão. Acho que se eu tivesse virado pelo outro lado ele me pegava direitinho.                      .
         O pior é que eu ainda levei a maior bronca, por que era dia de treinamento de meia dúzia de alunos que iriam participar de um campeonato de atletismo.
      E ainda por cima, o sujeito que quase me matou (e depois acabou participando de torneios importantes) talvez para escapar de levar a merecida bronca, veio brigar comigo, porque eu não deveria estar passeando lá onde ele acertava o dardo!

         Pois é, quase morri espetado, e ainda brigaram comigo...

terça-feira, 12 de novembro de 2013

QUASE ACABEI COM UM CONCERTO DE PIANO




 a foto do pianista                   


             Miriam, minha irmã quatro anos mais velha do que eu, estava fazendo o primeiro ano do curso Clássico, que era o terceiro ciclo para os jovens que queriam fazer carreira nas áreas humanas.   Um dia ela apareceu em casa toda entusiasmada contando que o professor de canto, um velho chato, perguntou se tinha alguém na classe que sabia tocar piano, aí então, um garoto foi lá e mandou ver num noturno de Chopin, que deixou o professor embasbacado.  O professor e o resto da classe...
         Minha mãe, diplomada no curso de pianista do Conservatório Dramático e Musical, passava horas e horas estudando desvairadamente, escalas, sonatas, tocatas, noturnos... Quando a Miriam contou a história, mamãe ficou muito curiosa e insistiu para ela convidá-lo para ir lá em casa. E eu... Bem, eu achava que era exagero ou invenção da minha irmã...
         Um belo dia, Miriam nos avisou que o Caio ia estudar lá, e que finalmente poderíamos ver como ele era bom. E, no meio da tarde o rapaz aparece e ao primeiro pedido sentou no banquinho nos deliciando ao tocar com perfeição e desenvoltura uma peça, dessas bem complicadas, para o meu espanto e entusiasmo de mamãe.
         - Caio!!! Você toca de verdade! você tem muito talento! você tem tudo para ser um pianista de verdade! você...
         - Ora, d. Ester... eu só toco, assim por que... sei lá. Eu gosto muito, mas...
         Bem, resumindo. Ficamos sabendo que devido à insistência dele os pais haviam arrumado aulas com uma grande professora de piano, apesar da má vontade do  o pai dele, que achava que o  Caio deveria ser advogado.
         Aos poucos minha irmã formou uma roda de amigos da escola, que frequentavam bastante nossa casa, davam festinhas, iam passear, estudavam juntos... o Caio passou a ser um dos melhores amigos dela e estava sempre em casa. Era um sujeito muito divertido, bem educado e se ligava em tudo quanto era atividade cultural.
         Durante os três anos que durou o curso clássico estudava seriamente seu piano, sempre incentivado por mamãe que sabia ser isso mesmo o que ele queria fazer na vida. Às vezes aparecia em casa, e mal falava com a Miriam ou comigo. Ficavam lá, ele e mamãe, em volta do piano, discutindo como tocar determinados trechos, ouvindo discos, e se divertindo muito com isso. Minha mãe apresentou o rapaz a alguns músicos frequentadores de nossa casa, que era uma espécie de clube de artistas e intelectuais paulistanos. Aos poucos, o Caio foi se convencendo de sua condição de pianista, e começou tocar em público, num princípio de carreira promissor, mas muito complicado. Mas.... 
         Mas quando terminou o colégio, ele chegou um dia em casa muito contrariado, porque o pai disse que ele precisava parar de pensar tanto em piano e se preparar para entrar na faculdade de direito. E naquela época, pai mandava, e fim de papo. Ele estava acabrunhadíssimo quando disse para mamãe:
         - Ah, dona Ester, vou ter que parar com o piano, porque meu pai...
         - Mas de jeito nenhum! – minha mãe nem deixou ele acabar de falar. -  Isso não tem cabimento! Vou falar com seus pais! É um absurdo...
         Não lembro bem, mas acho que realmente minha mãe falou com os pais dele, mas não havia jeito, o pai estava irredutível.
         Uma vez eu ouvi ela falando para ele, mais ou menos assim.... 
            - Olha você vai ter que se esforçar muito, fazer das tripas coração, mas não pode de jeito nenhum largar a música. Além disso, você é inteligente, gosta de ler... e também, pense que tem coisas interessantes no curso... e um diploma universitário pode significar muito na sua carreira de músico profissional....  e que um diploma pode abrir portas para você dar aulas em outras faculdades...  e que estão querendo abrir uma escola de artes na Usp... e por aí a fora.
         O fato é que ela convenceu o Caio, que realmente se esforçou e conseguiu se formar advogado. Lembro dela estimulando, insistindo e cobrando dele o empenho com a música.
         A gente foi crescendo, viramos gente grande, e o Caio ganhou um concurso internacional em São Paulo, que o consagrou definitivamente.  E assim, o menino, o simpático coleguinha de classe de minha irmã se tornou um pianista famoso no mundo inteiro.
         Nessa época eu trabalhava com fotografia, apesar de ser biólogo e quase sempre que o Caio precisava de fotos era eu que fazia, coisa que realmente me deixava muito orgulhoso. Fiz até uma fotos muito interessantes e alegres, para uma capa de disco que acabou não saindo. Mas ele usou uma delas recentemente, num CD para comemorar seu septuagésimo aniversário.
         Acontece que um belo dia, tivemos a brilhante ideia de fazermos umas fotos durante o concerto que ele ia dar no Municipal.
         Ele me arrumou uma entrada para a plateia e lá fui eu, todo engravatado, perfumado, penteado, munido de minha câmara. Era uma Exakta, alemã, com objetivas ótimas, mas a parte mecânica era bastante complicada e extremamente barulhenta.
         Esperei o público entrar e percebi um lugar vazio de onde teria um bom ângulo. Assim que ele começou tocar eu bati a primeira foto, com um tempo de exposição relativamente longo e... clec zuiiimm plac...  Esperei um pouquinho e novamente aquele disparador barulhento me incomodou muito.  Depois da terceira foto pensei... Não dá... com essa máquina barulhenta, não dá!... um sujeito já tinha olhado com cara feia. Parei.
         Após o intervalo subi para um dos os balcões apoiei a câmara na balaustrada e fiz umas poucas fotos, nos momentos onde o piano era fortíssimo, ou quando o público batia palmas.
         Terminado o concerto eu fui lá nos camarins, onde havia toda aquela tietagem, as madames perfumadas, os senhores engravatados, todo mundo lustroso e escovado. Fui me aproximando devagarinho, e quando o Caio me viu, me chamou e disse.
         - Ôô Dario!!! Que bom que você parou! Olha!!! Você não imagina como o barulho da tua máquina me desconcentrou! Se você tivesse batido mais uma foto eu ia ter que parar o concerto! Eu ia mandar você parar!!!... Ainda bem! Mas que máquina mais barulhenta é essa, cara!
         Ai demos risada e fomos comer a tradicional pizza.

         E eu pensando... Minha Nossa! Quase! Quase estraguei um concerto no municipal!! Imaginem minha graciosa leitora  e meu elegante leitor o vexame que seria levar uma bronca do pianista... em pleno Teatro Municipal, o templo da música em São Paulo... cheio de gente conhecida... imaginem só!!!

terça-feira, 5 de novembro de 2013

histórias do QUASE.... (acho que conheço esse cara....)

                           CONHEÇO ESSE CARA DE ALGUM LUGAR...

         Eu, minha mulher e nossos dois filhinhos morávamos num subúrbio de São Paulo. A região, que fizera parte do cinturão verde da cidade, estava  se transformando num lugar com qualidade de vida muito boa. Os antigos sitiantes dividiam suas propriedades em pequenas chácaras ou lotes menores, e com isso ganhavam um dinheiro que correspondia a plantar e vender montanhas de alfaces, abobrinhas e similares.
          Comprei um grande lote, parte de um sitio de japoneses, com algumas árvores frutíferas ao lado de uma área de lazer abandonada, onde aos poucos consegui construir um belo salão de festas e uma deliciosa piscina. (... piscina... oba que legal... eu passei muito mais tempo limpando do que nadando)
        O lugar era muito agradável, no meio da mata atlântica, com direito a cipós, bromélias, orquídeas, corujas, tucanos, lagartos, preás e outros seres que realmente nos encantavam.
         Curtíamos muito nossos filhos e levados por esse ambiente naturalista resolvemos não consertar a TV, vítima de uma descarga elétrica provocada por um raio que caiu nas proximidades.   “Quer saber?!...  É melhor não consertar... Aí os meninos não vão ficar vendo esse monte de porcaria” “É isso mesmo, tem razão”
         E assim passamos vários anos sem TV, para desespero de alguns amigos, viciados na máquina fantástica, que vinham passar o fim de semana no campo, e se desesperavam por não poder acompanhar a "minha" novela e assistir um daqueles filmezinhos lamentáveis.
             Mas, por outro lado, foi muito bom, porque aos poucos a turma aprendeu a se divertir, com jogos de salão, baralho, dominó, xadrez... chegamos até a fazer teatrinho de bonecos, colocando todo mundo para trabalhar.
           E como a gente se divertiu!!!!
         Nessa época, herdei um lindo piano de cauda, pequeno mas muito bom, que fazia a felicidade de alguns amigos músicos que passaram a ser presença constante nas nossas reuniões.
         Hoje eu penso que realmente a falta da TV nos levava a fazer um monte de coisas para se distrair, ao invés de ficar sentado passivamente, absorvendo o monte de lixo que é a programação dos fins de semana
         Mas quando eu vinha dar minhas aulas em Sampa, às vezes aconteciam coisas engraçadas, como não saber do tal assassinato cujo mistério seria desvendado nos próximos dias. Era o final de uma novela de grande audiência e quando perguntei a meus alunos que assassinato era esse que ocupava as manchetes dos  jornais, foi a maior caçoada.
         Bem, um belo dia, fui com um amigo músico até um estúdio de gravação, porque ele precisava combinar umas coisas com um dos diretores.
         - Vem comigo, aí vc vai conhecer fulano de tal que é muito legal...
         Fomos parar num enorme casarão nas Perdizes, no fundo de uma rua sem saída, onde funcionava o estúdio mantido por artistas meio alternativos. Depois de pequena espera, entramos na sala da diretoria, onde evidentemente havia a tradicional mesa para reuniões, com dois sujeitos muito educados que nos convidaram para sentar, bem na frente deles. Meu amigo a conversar com um deles, justamente um dos diretores, sobre os últimos detalhes de um projeto em andamento, enquanto que eu e o outro,  ficamos lá, mais ou menos sem saber porque, e sem saber o que falar.
              Mas havia algo de bastante familiar nesse moço, mas eu não estava muito a fim de puxar assunto. Enquanto isso os dois...
           - Então está tudo acertado, você vai fazer isto e aquilo... assim e assado. 
          A reunião acabou rapidamente, com a fulgurante entrada de uma secretária, daquelas, super gostosa oferecendo um lanchinho na sala ao lado. Nos despedimos dos outros dois, e ao sair do casarão perguntei para o meu amigo.
         - Conheço aquele outro cara de algum lugar. Eu ia até perguntar para ele se não tinha sido meu aluno, quando aquela secretária fabulosa entrou.
         - Pô meu! Ainda bem que você não perguntou!!! Ia fazer o maior papelão... que mico meu!!
            - Ué?!! Por quê? Qual é o problema?... Eu acho que conheço o cara!!!
         - Caramba!!! Ele é o apresentador do jornal da Band!!! Só faltava essa... aí você chega e vai perguntar pra ele se ele foi teu aluno! Se liga, cara! Vê se larga se ser pão- duro e compra uma televisão para entrar no mundo real!!!  

terça-feira, 29 de outubro de 2013

O café em Paris

                             A SURPRESA NO CAFÉ PARISIENSE

         Essa se passou no começo da década de 70, quando a ditadura brasileira mais apertava suas amarras, e eu como parte dos “inseridos no contexto”, me sentia sufocado pela repressão que chegava às raias do absurdo.
         Nessa época a maioria do pessoal mais atuante havia jogado a toalha e enfiado o rabo entre as pernas, qualquer tentativa de resistência ao golpe era reprimida com muita violência. Eu tive alguns colegas, até amigos que desapareceram ... 
         Ao chegar no último ano de meu curso na Biologia da USP, eu queria mais é esquecer de tudo, estudar, pegar meu diploma e virar algo parecido com o Dr. Livingstone, ou o menos conhecido Fritz Muller(¹), naturalista alemão radicado em Sta. Catarina por volta de 1850... ou um Indiana Jones... menos arrojado, talvez.
         Até consegui ter uma pequena amostra da atividade de naturalista, ao ajudar a organizar e participar de uma expedição aos confins do rio Araguaia realizada pelo Dr. Sergio de Almeida Rodrigues, professor do departamento de Zoologia, onde eu era bolsista da Fapesp. Essa viagem deu origem a uma amizade bastante duradoura, até que mudei para Ubatuba.  Infelizmente soube de sua morte através de sua ex-esposa, o que me deixou bastante triste, era um sujeito admirável, excelente professor, bastante culto e muito engraçado...
         Foi quando fiquei sabendo que o governo francês oferecia bolsas de estudo num programa chamado Coopération Téchnique, que apesar de ser mínima era uma oportunidade para sair do país, e depois de um ano na fila fui contemplado com essa minguadíssima bolsa, que mal daria para pagar a comida.  
         Aqui, o governo militar fazia muita propaganda e a cidade estava entupida de adesivos verde amarelo onde estava escrito “Brasil, ame-o ou deixe-o”.  Foram espalhados em todos os vidros traseiros, em todas a portas de banco, lanchonetes, parachoques e similares.
         Ao embarcar para a França, tive a coragem cortar dois deles e grudar “deixe-o” em minhas maletas de mão. A outra parte (com a bandeira e o resto da frase... Brasil, ame-o) grudei numa janela do mocozinho que consegui alugar, lá na França, perto do antigo forte da legião estrangeira, onde funcionava o instituto oceanográfico de Marseille, lugar do meu estágio.
         Lá eu era visto mais ou menos como um ser vindo de outro planeta e a primeira coisa que ouvia ao dizer  que era brasileiro, era “Oh, le Brésil, Pelê”. 
          ...e sempre algum francês engraçadinho perguntava se tinham índios ou feras andando soltos nas ruas...
         Mas a história insólita, com a qual pretendo deliciar meus simpáticos leitores, e elegantes leitoras, se passou numa visita feita a uns amigos que moravam em Paris. Na realidade era num subúrbio, no fim de uma linha de metrô, num bairro super francês, todo cinza. 
            No segundo dia, resolvemos fazer um turismo em Paris. 
           Bem, eu como leitor dos romances de Sartre & Cia não podia deixar de tomar uma cervejinha no mundialmente famoso “Café des Flores” em cujas cadeiras todos os intelectuais do planeta haviam colocado seus sofisticadíssimos bum-buns.
        Somente havia lugar na parte da calçada,  cercada por toldos que desciam até o chão, devido ao frio do inverno. Conseguimos divisar uma mesinha para a qual nos dirigimos esbarrando naquele mundaréu de gente espremida, fumando desvairadamente. 
              E ao chegar na mesa alvo, deparo-me com nada mais nada menos do que uma onça!
         Isso mesmo, uma onça de verdade! Sentada tranquilamente no chão, presa por uma coleira de cachorro, estava uma oncinha! Uma onça num café em Paris!!!
         Bem, daí pra frente, sempre que algum engraçadinho falava dos índios e das feras soltas em minha querida Sampa, eu respodia...
         - Olha, Paris é a única cidade que eu conheço onde a gente vê onça  viva sentada em restaurante...!!!
        
  


(¹) O naturalista Fritz Muller foi um sujeito bem interessante. Quem quiser se informar sobre ele pode procurar na wikipedia.  o link está no espaço entre parêntesis que fica meiotransparente... passe o mouse                                                  ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Fritz_M%C3%BCller)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O VIZINHO DO RANZINZA

                     

    Moro num simpático bairro de ruas arborizadas, quase na periferia de S. Paulo. Originalmente era um loteamento muito simples, reservado a funcionários públicos, que escapou incólume das avenidas e da sanha devoradora das imobiliárias. As casas de dois ou três dormitórios projetadas para os modestos funcionários públicos aposentados passarem uma ve­lhice respeitável, hoje parecem palácios, se comparadas com os maravi­lhosos e moderníssimos apartamentos de três dormitórios distribuídos em exíguos setenta metros quadrados e di­vididos por paredes feitas de algo semelhante a papelão. 
    Porém...
    Sempre tem um porém. E o pequeno porém levou a uma situa­ção, digamos... estressante. Imagine o desocupado leitor, que graças à invasão avassaladora do Grande Deus Automóvel, todos os moradores fizeram suas garagens, ou coberturas apertadíssimas, com os portões abrindo para fora, para preservarem seus maravilhosos veículos.
 E acontece que entre os portões para os carros da casa do meu vi­zinho e a minha sobrou um espaço de meio fio onde parece que dá, mas não dá, para estacionar. A rua é muito estreita e a manobra para enfiar o carro pelo portão a dentro fica irrealizável caso algum veículo ocupe o tal espaço.
Mas meu vizinho, Dr. Ataulfo Lagomorfa,  sempre deixava seu carro na frente de meu portão. Ele era um senhor, com finos bigodes perfeitamente aparados, de seus sessenta e poucos, muito gentil e edu­cado, sempre usando ternos impecavelmente limpos e passados, ornados por simpáticas gravatas borboleta. Gostava de usar umas palavras em francês e beijar a mão solenemente, quando encontrava com alguma representante do sexo feminino durante seus passeios.
E eu, após inúmeras tentativas de colocar o recém adquirido motivo de minha felici­dade garagem a dentro, resolvi pedir muito humildemente ao Dr. Lago­morfa que fizesse a gentileza de não deixar seu carro naquele lugar por­que...
Ele me fazia ver muito polidamente que eu devia parar de abor­recê-lo por trivialidades.
E continuava a deixar seu carro lá...
Fiz tudo para convencê-lo, mas ele sempre me provava que eu era um velho ranzinza e chato.
Tentei ser um pouco mais enfático, até quase agressivo, mas  Dr. Ataulfo Lagomorfa demonstrava-me que eu era um louco.
E... continuava obstruindo minha garagem.
Um belo dia, um tanto deprimido após o Dr. Lagomorfa me convencer quão vil eu era por aborrecê-lo com detalhes manobrísticos, num impulso de anti-consumismo, vendi meu carro.
Bem...
A partir desse dia o meu vizinho nunca mais estacionou junto ao meu portão.


terça-feira, 15 de outubro de 2013

recordações muito antigas...

Hoje não vou deliciá-los com minhas fotos maravilhosas.

Como lá no facebook, por causa do dia da criança, todos estavam  colocando suas fotos de criança, eu, só para ser diferente, resolvi contar uma história de minha infância perdida.

                            



                                                 O ENTUSIASMO DA VOVÓ


         Vovó Mama morava num apartamento... escuro, na minha tênue memória. Tudo lá tinha um leve cheiro de naftalina e sabonete de benjoim. Eu era muito pequeno, cinco ou seis aninhos. Depois que vovô Papa morreu, ela saiu do velho sobradão onde moravam perto da aclimação e foi morar nesse apartamento onde sempre havia uma panela com uns bolinhos deliciosos, que ela deixava estrategicamente num banquinho ou no chão para eu me servir na hora que bem entendesse.
         Mamãe falava russo com meus avós, e os chamava de  papa e mama, por isso eles ficaram sendo vovô Papa e vovó Mama. E minha mãe, que ainda tinha um pouco de sotaque, se confundia toda com as vogais abertas e fechadas do português, porque em russo a letra "O" é uó, e a letra "E" é ié, ou iô... Ela confundia avô e avó... E para a alegria dos ouvintes mamãe sempre dizia que não conseguia perceber a diferença entre avuó e avuó...
         Bem, mas como eu ia dizendo... vovó morava sozinha e  provavelmente eu enchia a paciência de meus pais, que de vez em quando me deixavam lá, para passar um ou dois dias com a vovó Mama no apartamento que ficava na frente do Jardim da Luz. De algum ponto especial, acho que era da área de serviço, a gente conseguia ver a sala onde papai trabalhava no prédio da Caixa de pensões de uma ferrovia.
         O jardim da Luz era um parque muito grande mas, que eu me lembre, um tanto malcheiroso. E no fim da tarde vovó Mama me levava para dar uma voltinha lá, para ver uns bichos. 
           Além do cheiro só ficou na minha memória o que aconteceu numa dessas tardes, quando estávamos voltando para casa. Um prédio cinza, como usavam antigamente, acho que chamava Conde Prates. O acabamento era um tipo de cimento com areia grossa de grãos brilhantes. Quando parávamos para ela abrir a porta, numa pequena entrada recuada, eu ficava arrancando os grãozinhos mais brilhantes com a unha.
         Mas nessa tarde, ao chegarmos perto do prédio, que ficava no meio do quarteirão, havia um montão de  gente na frente do bar da esquina.
             - O que será, vovó? Vamos lá?! Vamos lá, quero ver!! Vamos, vai!! 
            Eu insisti com ela, que estava receosa, porque era muita gente... só homens de chapéu.
         Mas diante de minha insistência ela acabou concordando de ir até lá e me disse... - Olha você fica paradinho aqui que eu vou lá ver. Não saia daí, quero ver. Se não for coisa ruim eu venho te buscar.
          Lá fiquei eu metade pra dentro e metade pra fora da entradinha, mas olhando ansiosamente para onde vovó Mama tinha ido.
         E de repente vejo a vovó vindo correndo. É uma das poucas imagens que me sobraram dela...  era gordinha e corria desajeitada balançando quase gritando...
         - Vem ver!! Vem ver!! É a televisão! É a televisão!! e já me pegou pelo braço e foi me puxando...
         Havia uma televisão, grandona, colocada bem alto numa prateleira e todo aquele pessoal estava lá, admiradíssimos, realmente embasbacados, vendo a grande novidade.
         Foi a primeira vez que vi uma televisão em minha vida.