quarta-feira, 26 de outubro de 2016

QUEM BEBE É O VINHO....

        





            Outro dia estava conversando  com meu querido filho Tomás sobre degustação de vinhos.  Ele me contou que vários vinhos nacionais ganharam prêmios ou foram muito bem classificados em degustações feitas às cegas, isto é com os rótulos cobertos, um deles é um vinho dos mais baratos, que se acha facilmente nos mercados. Comentei que participei de um grupo de donos de restaurante que se reunia aos domingos depois do exaustivo fim de semana, para degustarmos vinhos. Cada noite a reunião era feita num restaurante, e os participantes deveriam levar um tipo de vinho, com alguma característica interessante. Mas percebemos que os julgamentos eram fortemente influenciados pelo rótulo, país de origem e principalmente pelo preço.  E na reunião seguinte trouxemos os vinhos com papelotes e fitas crepes em tudo o que pudesse identificá-los, e não deu outra.... o vinho mais apreciado foi um nacional muito despretencioso...
         Hoje, apesar da estreiteza financeira na qual me encontro, resolvi comprar uma garrafa do vinho citado pelo Tomás, o tal quinto colocado,  para acompanhar meu almocinho dominical, quando mesmo estando solitário, faço questão de dar uma caprichadinha.           .          Preparei um drinquezinho com uma velha vodka russa, e caprichei num salmão com um molho de ervas frescas do meu canteiro. Gosto da combinação peixe com vinho tinto, justamente pelo fato do peixe ter um paladar mais delicado do que uma macarronada, ou um assado cheio de temperos.
         Êta drinque gostoso!!!... Acho que vou fazer mais um... só meia dose...
         Então pra compensar a ausência de alguma companhia interessante resolvi caprichar...
         Arrumei a mesa com uma velha toalha bordada, e uma linda taça de cristal, relíquias dos bons tempos, e para começar o almoço acabei com o finzinho de um chileno bastante razoável, trazido por um amigo, que estava na geladeira (quem estava na geladeira era o vinho!!!). Ora ora... upsz!!
        Ôba chegou a hora do quinto colocado...
         Quando sorvi o primeiro gole desse  cabernet, senti aquela explosão na boca que só um bom vinho oferece. Mas foi uma explosão chuááá... não foi pôu!
         Agora que estou no fim do segundo copo percebi hic o seguinte hic...
         Há um termo que os enólogos usam para um vinho muito suave... é o vinho chato... o vinho sem acidez, sem amargos, gostosinho, levinho... um vinho diminutivo. Acho que é chato no sentido de ser algo plano, sem arestas  nem contornos.... Hic...
         Então resolvi atribuir aspectos geomorfológicos a essa bebida  hic... amazing feita de suco uvas estragado.Um caldo preparado com requintes absurdos e que adquire sabores que tem literalmente enebriado a humanidade durante séculos... milênios... É a turma pisava com os pês sujos e depois esperava tudo aquilo apodrecer.  Mas o resultado é muuuiiito bom!
       O vinho tem que ter presença, corpo, sabores fortes e intensos que lhe dão personalidade, que o diferencie de bebidas vulgares. Tem que nos desafiar pelas suas qualidades, pelos seus sabores acentuados e marcantes... até desafiadores como os ácidos e os amargos, fundamentais para a soma sensorial...
            Mas tem que ser harmonioso, interessante, belo e prazeroso.
           Poesia?!  Não sou poeta, mas... 
         Podemos imaginar uma paisagem e tentar compará-la com o  vinho que sorvermos e saboreamos. Imagine uma planície com pequenas elevações, sem quase nenhum obstáculo, apenas alguns morrinhos... muito fácil de percorrê-la, sem surpresas, nem canseiras... plana, chata!        
           Nunca pratiquei o alpinismo, mas parece que quanto maior o obstáculo, maior o prazer de desfrutá-lo.
         O bom vinho tem picos, vales, crateras, vertentes e ao assimilá-lo teremos uma paisagem deslumbrante.
        
         Então viajei mesmo e fiquei pensando.... e resolvi sentar no compuuutador.... hiiii, sentar no computador não. Olha vc entendeu, não? Então...  
            Hic... ufff... ainda consigo dijitar... digitar...
         Talvez as mulheres poderiam entrar nesse contexto... numa comparação um tanto absurda, mas como já estou acabando o segundo  começando o terceiro, copo, taça. Não bebo vinho em copo. Peço paciência às minhas elegantes leitoras, e não.. por favor não me julguem apressadamente.
         Trata-se de uma meeta... metáfora, como a do outro poeta um tanto alcoolizado que disse que a mulher é uma rosa. Hiiic...
         
            Esse teclado se mexe muito, fica virando. Pára! pô!

              Ó você aí que está me lendo, pensa comigo ó...
         É o zzzzeguinte... imagina uma mulher plana, insosa, suave, gostozinha, lindinha, levinha... uma mulher diminutiva. Talvez faça muito sucesso no balcão dos mercadinhos e cardápios de restaurantes... os restaurantes da vida... por quilo. Padronizados, tudo como mesmo sabor. Uma planície...ou  uma praia sem montanhas, sem matas... nem vento, nem ondas, nem sustos nem surpresas.
         Plana... chata?!
         Eeee puzzzeram pouco vinho nessa garrafa, meu, Acabou!!
        Peraí... tem mais uma... o duro é segurar o sacarrolha e virar a garrafa, quer dizer segurar a garrafa e torcer a rolha.... ah... você entende. O barulhinho que faz o vinho quando a gente põe o primeiro copo... junto com o cheirinho... 
         
          O que eu estou querendo...  bem...  a grande mulher...  é como o  grande vinho.
         
          Tem que ter presença, corpo, opiniões fortes e fundamentadas. Tem que nos desafiar pelas suas qualidades, pelos seus sabores acentuados e marcantes... Até desafiadores como os ácidos e os amargos, fundamentais para a soma sensorial.
         Mas aí... Hiii!!! zzzzzzóoo tem um pequeno detalhe...
         O bom vinho, o vinho excepcional... eu vou lá, compro bebo e fim.

         Mas essa grande mulher... ufa! Tenho que conquistá-la, merecê-la, e.... infelizmente é o zzzzzeguinte ó... a maravilhosaaa  a... a...   sonhei com ela a vida inteiraaaa...  zzzz
         
           A grande... aquela... é ela que escooolhe quem vai beber....!!!

         
           Oôôôopaa o teclado eeezzzztá ezzzgorregando.


        Quando acordei, estava debruçado sobre a velha escrivaninha de tampo de embuia, cheio de marcas do tempo. Antes de apagar  devo ter empurrado meu enésimo notebuk de modo que foi uma certa surpresa deparar com esse texto.  
            Então... agora, nem vou pensar muito...     Quer saber??... vou publicar (tornar público) no meu portentoso blogghh.



          


sábado, 15 de outubro de 2016

GOOGLESADA

A primeira postagem que fiz neste portentoso blog foi em agosto de 2013.

        Com minhas atividades de "restauranteur" afundando, resolvi me dedicar mais a atividades de fotógrafo e escrevinhador.  O problema era mostrar  minhas produções.  O ideal seria publicar um livro, mas...
        Surgiu então a ideia de aproveitar as maravilhas da tecnologia moderna que possibilitaram mais de sete mil momentos nos quiais consegui provocar uma sensação em outro ser humano.  Foi muito agradável receber alguns comentários elogiosos de alguns simpáticos e simpáticas leitoras.


          
       Percorrendo os meandros deste espaço gentilmente oferecido por este estranho ser Google, descobri a possibilidade de colocar anúncios nas minhas tão trabalhosas páginas e postagens. Porém, achei que isso talvez fosse indelicado com as mentes brilhantes que vem aqui para usufruir de meus lampejos de criatividade.
           Mas, como andei fazendo uma série de negócios que não deram certo, estou um tanto quanto limitadíssimo economicamente, resolvi aceitar os convites da sociedade capitalista, e entrar nos meandros bloguísticos, lá onde há um convite para ganhar dinheiro colocando anúncios.
           Segui obedientemente as etapas que levam a opções um tanto quanto obscuras e clic. Disparei a coleção de informações esperando a aprovação, com um certo receio, porque não vi nenhum dispositivo que me permitisse escolher o tipo de anuncio que seria colocado.

             Mesmo assim resolvi  arriscar... Afinal, cada vez que pego meu celular, ou entro em algum espaço virtual, vejo um quantidade um tanto quanto irritante de anúncios de tudo quanto é tipo, que tento ignorar. São como postes ou torres e linhas  de transmissão cada vez mais abundantes em nossas lindas paisagens  litorânea ou campestres.
Pois bem, imaginem vocês qual a minha surpresa ao receber um imeiu informando que infelizmente o meu pedido não poderia ser aceito. Vejam só a transcrição da notificação que recebi. 


Infelizmente, depois de analisar sua inscrição, constatamos que não podemos aceitar você no Google AdSense no momento.
Não aprovamos sua inscrição pelos motivos relacionados abaixo.

Conteúdo insuficiente: para serem aprovadas no Google AdSense e exibirem anúncios relevantes no seu site, suas páginas precisam ter texto suficiente para que nossos especialistas as revisem e para que nosso rastreador possa determinar o assunto delas.

               Conteúdo insuficiente???!!!!!              
           Foram 32 postagens de texto! É suficiente para montar um livro! Além dos textos que acompanham as páginas de fotos!
        E, na realidade está sobrando texto, ao que parece os "especialistas" e rastreadores não são capazes de ler mais do que alguns parágrafos de um texto escrito em bom português, nem  e classificar os títulos das postagens!!!
          E como classificar algo intitulado "Ideoclastia n° 3?... ou"reflexões sobre o infinito virtual", ou ainda "histórias do quase"??
            Que produto estaria ligado a um desses misteriosíssimos temas?
            O que vender com uma ideoclastia n° 3??? Talvez aparelhos ortopédicos, ou remédio contra gastrite...
             O que anunciar na página "histórias do quase"?? Hummm... talvez cinto de segurança, extintor de incêndio, seguro de vida, mapas rodoviários? Livros didáticos??
Assim, os cérebros privilegiados que estão acostumados a se deliciarem neste modestíssimo blog com meus textos magistrais e minhas maravilhosas fotos, não serão perturbados por conteúdos espúrios alimentadores do capitalismo perverso!!!
               E eu???!!!

               Acho que vou fazer um blog sobre receitas práticas para resolver problemas domésticos!!! 



segunda-feira, 11 de julho de 2016

O ALMOÇO COM O MOTORISTA

                            O TIO DO UILIÃO

       Conheci o Uilião quando ele ainda era garoto. O pai fez o encanamento da casa onde morei,  e uma irmã foi babá de meus filhos do segundo casamento. Vieram do sertão de Minas e se instalaram numa fazendinha semi abandonada. Acontece que o dono morreu e eles foram ficando por lá, construíram um barraco, depois uma casinha e ainda não tinha aparecido ninguém para revindicar a propriedade do lugar que é bem bonito. Tem até um laguinho e um insólito portal japonês no meio da mata.
         A primeira vez que apareceu na minha casa ainda chamava Uílliams, assim mesmo, com U no começo, acento no í e dois "eles". Logo que tirou seus documentos, gostava de mostrar para a gente ver como escrevia seu nome. Ia lá para acompanhar a irmã, gorducha comilona, muito sorridente, que às vezes tomava conta de meus filhos quando eu saia com minha ex mulher. Era um rapazola bonito, forte, alto, um tanto quanto acanhado, que ficava super sem graça quando minha ex aparecia toda exibida, se divertindo em provocar o garoto.
         Bem, o Uilião foi crescendo, virou homem, mas apesar de trabalhar como telhadeiro e pegar umas empreitas de construção achava bacana assumir uns ares de malandro, e passou a queimar fumo e cheirar pó. Logo ficou com fama de bandido, mas fora consumir drogas eu nunca soube que tivesse feito algo  que justificasse tal fama.
         Depois de  adulto virou um cara altão forte, que fazia sucesso com as mulheres, muito simpático e brincalhão. Quando aparecia em casa já ia pegando meus filhos nas costas e saía carregando eles para lá e para cá como se fossem uns brinquedinhos. Era um bom carpinteiro e quando queria, trabalhava bem com madeira bruta, mas muitas vezes aparecia para fazer o serviço completamente chapado e dava umas tremendas mancadas.
         Eu contratei o Uilião para reformar um barracão, que ele mesmo tinha construído na minha casa há alguns anos. Era feito com madeiras do mato e eucaliptos, e por causa de umas traves que cederam estava com problemas de goteiras  precisando de um bom trato. Num belo dia, lá estava ele e sua equipe de malucos trabalhando e quando chegou a hora do almoço o Uilião me convidou para ir numa churrascaria rodízio onde a dona gostava dele e lhe dava um bom desconto desde que, ele ficasse com ela... e aí já aproveitou para se gabar que a a dona era gamadíssima porque ele fazia isso e aquilo...     
         Eu fiquei assim na dúvida..
         - Vamos, meu... O meu tio está lá na cidade, ele está velhinho sabe, quero ver se acho ele lá no posto onde... ai aproveito para encontrar com o cara que me arruma farinha.
         - Olha Uilliams... eu estou fora dessa. Não quero saber dessa estória de dar dinheiro pra bandido traficante... eu hein!!! E essa coisa de farinha vicia.
         - Ah meu, viciado... isso é encanação tua. Pó não mata ninguém...
         - Olha, não sei se mata, mas é uma brincadeira muito perigosa e vicia sim... é aquela coisa gostosa que te joga pra cima, mas acontece que é uma viagem que vai ficando cada vez mais curtinha, com uma ressaca cada vez maior... aí você começa pegar sempre mais  e entra numa roda filha da puta... É ou não é?!
         Ele ficou calado um tempinho e perguntou... Afinal você vai ou não vai?  Olha quer saber eu vou, mas não quero ver o teu lance da farinha, tá bom???   Falou...
         Mal entramos no carro dele, um desses carrões antigos cheio de luxos, mas caindo aos pedaços, já começou a contar da fulana com quem estava transando, do marido dela que estava desconfiado e se descobrisse ia matar os dois, da viagem que tinha feito com a fulana que trepava como  louca porque o marido era meio brocha e que...
         ... e eu achando que era tudo papo dele para se mostrar, mas aí ele abre o porta-luvas e mostra um revólver embrulhado num pano.
         - Pô Uilião! O que é isso meu! Você tá ficando louco meu, assim alguém te pega mesmo! Aliás tá ficando, não... Já está completamente maluco! Andar armado!!!... Olha você sabe que cara armado acaba enfrentando coisas que não iria enfrentar e assim a  chance de se foder só aumenta! Cara! Pensa na tua família... tuas filhinhas tão gracinhas.

         - Olha meu, eu ando por umas quebradas que se não tiver um berro ninguém respeita. Entro nos piores lugares daqui! Pô meu... você sabe o que tem de bandido por essas quebradas.
         - Bem... sei lá. Mas vê se manera porque...
         - Ih, cara! Não esquenta. Você sabe que não sou de me meter em confusão.
         - Ah!! Estou vendo!!! Essa foi boa...
         Caramba, pensei... "eu me meto em cada uma. Agora vou ficar zanzando de lá pra cá, com esse maluco que parece que virou bandido mesmo. Bom o negócio é relaxar. Acho que ele vai atrás do tio... então não é hoje que ele vai se ferrar. Aí seria o maior azar..."
         Só que, para complicar mais ainda, ele acendeu um charo... -  Ó dá um pega aí meu!
         Então eu até dei um tapinha de leve, só pra dar uma onda... uma boa relaxada. No fundo eu sabia que apesar de um tanto quanto desvairado, meu amigo me respeitava muito e não ia me por numa fria. Mas as conversas dele eram de arrepiar os cabelos de um careca!!! De repente ele me sai com essa...
         - Olha.. Estou pensando em assaltar um carro forte... tem um que passa por aquela estrada super estreita perto da...
         - Agora você está tirando uma da minha cara... Um carro forte, meu!
        - É isso mesmo, pô! Tem uma curva bem fechada, ao lado de um barranco cheio de mato. É só deixar um tronco bem grosso de eucalipto amarrado em cima, e quando ele passar a gente corta a corda e Plam! Cai bem em cima... quero ver se abre ou não abre a porta daquela porra!!!

         - Sim  sim... E os caras vão abrir a porta e dizer entre por favor, a gente não vai fazer nada. Pô meu!!!... se fosse tão fácil...
         - ... mas lá dentro tem uma puta grana, que dá pra viver o resto da vida com ela.      
         - é... provavelmente as notas estão numeradas, marcadas.. olha Uílliams, se você quiser ganhar dinheiro roubando, tem que roubar de pobre porque rico sabe se defender muito bem.! Você só vai se ferrar... entra em cana na primeira...
         - Pô meu, mas aí é sacanagem... roubar de pobre é muita sacanagem... Qual é?!
         - É mesmo... mas  é assim que as coisas funcionam. E é assim que os caras ficam ricos! Não é como os bancos fazem?! Usam o dinheiro de todo o mundo pagando uma merreca, e quando emprestam metem um juro lá em cima!
         - Ih cacete! Lá vem você com essas ideias meu... e, porra! Você acha que eu vou entrar numa dessas? Assaltar um carro forte... Tenha dó. Precisa de um canhão!! E.. Pô, qual é? Você leva tudo a sério cara!...
         A nossa conversa era sempre assim, meio estapafúrdia, porque ele apesar do pouquíssimo estudo era um cara bem inteligente e muito ativo, sempre inventando e procurando coisas novas. Gostava de perguntar... e a maioria das vezes prestava bastante atenção quando eu falava de alguma coisa que ele não sabia. Vivia viajando com esses carros arrebentados, pegava trabalho em lugares distantes e quase inacessíveis. Mas com certeza o Uilião era um sujeito que dava o maior trabalho para o seu anjo da guarda, sempre aparecia machucado. Tinha a mão toda lanhada, faltando a ponta de uns dois ou três dedos que tinha perdido nas máquinas.
         Andar de carro com ele guiando era assustadoramente surrealista... Saía na maior disparada. De repente via uma  mocinha bonita num ponto de ônibus, parava na frente e falava aquelas gracinhas idiotas para ela. E eu, no lado do passageiro ficava bem na cara da garota, sem saber o que fazer, com o cabeção dele quase esfregando no meu nariz. Acho que fazia de propósito, para me provocar ou me deixar sem graça.
         Bem, finalmente paramos junto a um quiosquezinho bem simples feito de tábuas sem pintura, que vendia refrigerantes e pacotes de salgadinhos. Nem preciso dizer que meu amigo conhecia toda a família da vendedora com carinha meio sem vergonha. Ele chegou dando risada e ia começar a chavecar a moça quando...
         - Olha lá o meu tio, olha ele lá! Perto do ponto de ônibus!
         - Onde? O que tá de bonezinho verde?
         - Não o outro, de cabelo bem branquinho. Tá vendo? Trabalhou tanto que pirou, tá meio maluco.
         Era um mulato escuro de bigodinho bem fininho, com cara de bonzinho e um ar tranquilamente cansado.
          O Uilião já chegou falando muito. Oi tio, como vão as namoradas... e o velho olhava pra ele meio espantado, parecia que não tinha reconhecido o sobrinho, que despejava um monte de bobagens na cabeça do coitado, falando de farras e se ele não queira fumar um...  O velho só olhando, mas de repente perguntou onde era a churrascaria.
         Íamos andando até o carro e num momento em que o tio se afastou um pouco, o Uilião me contou que o tio Julio era motorista de ônibus... Sabe ele comprou um terreninho, aí resolveu fazer uma casinha, aí dava montes de horas extra... trabalhou tanto para pagar que pirou. Foi ficando esquecido, e não conseguia falar, ou melhor tentava falar mas só balbuciava coisas que ninguém entendia. Os amigos e a turma do emprego ficavam caçoando dele, até que ele conseguiu uma licença e foi se tratar. Mas como era velho aposentaram ele da direção. Só ia lá na garagem e ficava à disposição para fazer o que pudesse.
         Entramos numa churrascaria rodízio na beira da estrada, tomamos aquela pinguinha e sentamos perto de uma televisão. O tio Julio desatou a falar e não parava mais. Era desdentado e ia falando enquanto comia deixando escapar um monte de perdigotos. Contava casos de pessoas que evidentemente eu não sabia quem eram e a Tv ligada atrapalhava mais ainda. Consegui entender que estava com problemas de vista. Disse que não conseguia entender os números, olhava para o jornal  e também não entendia, porque as coisas ficavam partidas horizontalmente. Repetia a mesma coisa várias vezes fazendo um gesto horizontal com a mão para explicar como via tudo pela metade. E então reclamou que era muito chato ficar na garagem bater o cartão e zanzar de um lado para o outro. Aí falou que tinha umas carteirinhas... Carteirinhas, seu Julio?... É carteirinhas aqui comigo. E abriu a carteira soltando fluxos de farofa enquanto tentava explicar procurando as carteirinhas, que eram semelhantes a cartões de crédito. Essa aqui azul é do sindicato, serve para viajar, posso tomar qualquer ônibus, para qualquer lugar do país, e posso levar outra pessoa sabe, pra cuidar de mim...  
         - Olha aí, Uilião... você que gosta de viajar pode levar o tio Julio... Vai viajar com ele, meu.        
         E os dois começara a dar muita risada, falando que iam viajar pelo Brasil inteiro e pegar tudo quanto era mulher e aquele monte de bobagens.
         E eu que nunca havia conversado mais de trinta segundos com um motorista de ônibus almoçando com tio do meu amigo! Um velho meio despirocado, que só estava por ali porque era greve dos motoristas e a garage onde ele trabalhava estava fechada para evitar confusões.
         De repente... Eu mal acreditei no que estava aparecendo na TV do restaurante...  
         Uma reportagem sobre a greve dos ônibus!! As estações vazias, congestionamentos gigantes... imagens de helicóptero que mostravam um lugar onde havia uma barreira de pneus pegando fogo como protesto que fizeram numa rodovia...!!!
              Realmente, uma coincidência incrível!

domingo, 3 de julho de 2016

CRÔNICA INTERATIVA - e os caranguejos???

e os caranguejos???
     Prezadas leitoras e leitores... reescrevi a história que inventei sobre as agruras pelas quais um deputado ambientalista passou.
     Para os que já leram fica aqui o aviso de que não mudei muito os fatos, nem os vários finais que estão à disposição de meu sábio e seleto público...



            Marco Justo Passos é um exemplo de que com bastante esforço é possível superar problemas de berço. Nasceu no litoral do sudeste  brasileiro, num quilombo bastante afastado de qualquer cidade, filho de pais pescadores. Era muito bem dotado fisicamente, e além disso, desde pequeno sempre foi super ativo. Dormia pouco, mas profundamente, e quando estava acordado, Justinho não conseguia parar quieto, tinha uma reserva de energia impressionante. Por uma questão de sobrevivência familiar era muito requisitado para ajudar nas plantações. Mas na pesca a coisa era mais complicada, sempre acabava recebendo alguns safanões porque não aguentava ficar parado no banquinho. Por outro lado remava a canoa caiçara com uma presteza remarcável.
            Devido à insistência do pai, ele se dedicou aos estudos com bastante seriedade, e aos dezoito anos foi prestar vestibular na Usp, infelizmente foi reprovado. Mas resolveu não voltar para casa. Conseguiu emprego de ajudante num hotel chique onde até lhe arrumaram um cantinho para dormir. Passou o ano trabalhando e estudando até que finalmente prestou novos exames. Não foi muito brilhante, mas beneficiado pela política das cotas, conseguiu pegar a última vaga no curso de biologia.
            Seus primeiros tempos na faculdade foram um tanto quanto complicados, mas com a graninha, que conseguira juntar pagou alguns meses por uma vaga de pensão vagabunda num bairro pobre mais ou menos perto, até conseguir vaga no conjunto residencial da cidade universitária. Era moço simpático, bonito, falava pouco, e principalmente, evitava qualquer discussão, mesmo que fosse sobre futebol, o que o tornou bastante popular.
            No decorrer do curso, Marco, como Justinho gostava de ser chamado, percebeu que tinha uma afinidade maior com as disciplinas mais voltadas à natureza, do que com os aspectos mais ligados à tecnologia de ponta, talvez por ter passado sua infância quase como um índiozinho, andando descalço e semi-nu, correndo no meio do mato, lidando com animais domésticos, pescando. Percebeu com espanto que muitos de seus colegas, futuros biólogos, nunca tinham visto algum bicho que não fosse gato ou cachorro e se horrorizavam ao manusear um sapo, ou um inseto, mesmo que estivesse conservado em álcool ou formol.  Foi assim que se identificou com as pessoas ligadas ao estudo do ambiente, e trabalho de campo... os ecologistas, os botânicos, os zoólogos e viu que o ambientalismo seria bom campo para se desenvolver profissionalmente.
            Logo que se formou, conseguiu estágios e bolsa de estudos num instituto ligado à área de biologia marinha, oceanografia e pesca, que ficava relativamente próximo de onde tinha nascido.
            Para encurtar a história, Marcos já contratado como funcionário concursado, passou realizar estudos numa área de mangue, muito pouco conhecida, onde havia se aventurado algumas e raras vezes com sua canoa, quando ainda morava no quilombo. Percebeu que o fato do lugar ser inexplorado poderia fornecer muito material para produzir e publicar inúmeros trabalhos científicos. Com apoio da instituição onde trabalhava, fez mestrado e doutorado acabando por se tornar um especialista conhecido até no exterior... o Ilmo e Exmo. Prof. Dr. Marco Justo Passos.
Dr. Passos havia descoberto e identificado algumas espécies de animais marinhos que,  ao que parece, só habitavam nessa área, uma das últimas realmente bem preservadas de toda costa brasileira. É um lugar de acesso extremamente difícil, longe da rodovia, numa região muito acidentada cujo acesso é bastante complicado mesmo por barco .
O Saco do Escuro é uma pequena baia cercada de dois penhascos rochosos, numa espécie de península que sai da Serra do Mar. Imagine, minha caríssima leitora e meu simpático leitor, um gigantesco dedo rochoso de uns quatro quilômetros de comprimento, apontando para o oceano Atlântico, com mais ou menos um quilômetro de largura, e uma altura de uns trezentos metros, entrando mar a dentro. Na parte lateral desse dedo uma enorme fenda, formando uma  pequena enseada limitada pelos penhascos, com esse o nome nada convidativo... 
Saco do Escuro! 
Quem vem pelo mar, encontra na frente do Saco do Escuro uma formação de rochedos formando uma intricada barreira composta de recifes recobertos de corais, ostras e cracas, que complica bastante a passagem para a praia das Ripas. O lugar é incrível... realmente tenebroso. A chegada de barco após navegar paralelamente a esse gigantesco dedo... esse sinistro costão... é assustadora.  O intrépido marinheiro se depara com uma espécie de falésia, onde a rebentação forma uma linha branca em contínuo movimento,  e além do fluxo e refluxo das ondas existe uma correnteza violentíssima e traiçoeira. O Saco do Escuro fica dentro da fenda, limitada por dois morros com encostas rochosas quase verticais e o intrépido mal consegue divisar além dos rochedos espumantes a linda e mítica Praia das Ripas, cercada pela Mata Atlântica.
No meio desses dois montes íngremes, existe um vale onde deságua um riacho, que por um capricho da natureza nasce nas encostas da Serra do Mar, e após serpentear por cima do dedo acaba se despejando em forma de uma cachoeira, no fundo dessa fenda. Na época das grandes chuvas de verão, a água que vem da Serra aumenta muito, carrega grandes quantidades de material que sedimentou no inverno, e o deposita na baia. Esse material ajuda na formação e manutenção de um mangue de características únicas, daí a existência de espécies tão diferentes.
A espécie que ficou mais famosa foi um pequeno caranguejo que tem um estranho comportamento. Os caranguejinhos ficam fazendo bolotas de detritos e lama que atiram uns para os outros. Um faz uma bolinha, atira para o outro que pega a bolinha no ar, e aparentemente a reconstrói passando na boca. Rola a bolinha por um tempo e a atira para algum outro caranguejo que se aproximou e esperou atentamente a atividade do companheiro..
Dr. Marco Justo Passos descreveu a espécie e a denominou de Gilmarius taffarelicus em homenagem a grandes goleiros de seus tempos de juventude. Essa piadinha o tornou bastante conhecido, com entrevistas em Tvs, rádios, jornais e revistas. E como Marco se tornou um ferrenho ambientalista e preservacionista acabou sendo eleito deputado estadual, apoiado por os setores ligados aos ideais de respeito à natureza, e defesa do ambiente.
       Mas o Saco do Escuro começou a ficar famoso pela sua beleza estonteante, sua fauna e flora excepcionais passando a atrair aventureiros por terra e por mar. Fizeram uma trilha que desce ao lado da cachoeira. Trata-se de uma trilha muito perigosa onde se torna necessário o uso até de equipamentos para alpinismo, cujo final termina num brejo, um mangue pantanoso enorme e traiçoeiro, que faz o acesso a à praia das Ripas quase impossível por terra. Contam até que já morreram alguns aventureiros imprudentes... 
A insólita e misteriosa Praia das Ripas é cortada, perpendicularmente ao litoral, por faixas de rochas, e em cada um dos espaços entre as faixas a areia tem cor e textura diferente.
            Bem, um lugar como esse não poderia deixar de atrair turistas estrangeiros, que de tempos em tempos arriscam seus iates mirabolantes, ancorando-os próximo aos recifes e tentam chegar até essa estranha praia com seus botes infláveis.
Mas então, surgiu no cenário a International  Society pela Preservação do Saco do Escuro (IS-PSE), uma associação internacional com esse estranho nome, que conseguiu ser indicada tutora de todo o lado sul da península, onde se encontra a baia do Saco do Escuro, por um organismo ligado à ONU. Num gesto surpreendente o governo brasileiro apoiou a decisão, aceitando a IS-PSE como sendo de utilidade pública. Imediatamente a coisa foi parar no congresso e começou uma grande discussão nas redes sociais, com uma boa dose de noticias falsas e alarmantes...
Como era mais ou menos esperado, o deputado Dr. Marco Justo Passos, imediatamente colocou em dúvida a constitucionalidade de se permitir uma associação internacional tutelar uma área do litoral brasileiro. Pediu uma investigação ao Ministério Público e veio à tona que essa associação pretendia instalar um deslumbrante hotel e alguns pequenos e luxuosíssimos condomínios que seriam vendidos a preços descomunais, acessíveis apenas para pouquíssimos megamilionários. O projeto era caríssimo moderníssimo superlativíssimo. Realmente a ideia básica era de preservar ao máximo para o deleite de pouquíssimas pessoas, mas com certeza a construção, utilização e manutenção dos edifícios traria uma grande perturbação a um lugar considerado santuário ecológico, por toda a comunidade científica internacional.
 Pretendiam abrir um canal entre os recifes e criar uma marina ampliando as espantosas e misteriosas cavernas existentes na base de um dos paredões rochosos que despencavam sobre o mar, onde estacionariam seus barcos. Para a construção de tal paraíso seriam utilizados desde raios laser até estruturas de fibra de carbono, conversores solares e outras maravilhas desenvolvidas especialmente para o projeto, que desta forma também se apresentava como uma espécie de ambiente de pesquisas tecnológicas.
            Assim que soube do projeto, o deputado Dr. Marco Justo Passos colocou-se contra e levou o caso até o Congresso Nacional liderando uma campanha para impedir qualquer mudança na legislação ambiental da área do Saco do Escuro feita no intuito de permitir a realização de tal empreendimento.
            Marco se elegera entrando num partido de pequena expressão, que sempre fazia parte da “base aliada” do governo, fosse ele de direita, esquerda ou centro. Usava com alguma parcimônia as mordomias que o cargo e a fama lhe proporcionavam, e era visto como um tipo mais ou menos estranho, com ideias fantasiosas e utópicas. Era um político mais ou menos folclórico como foram o homem da barba enorme, ou o do trem flutuante, o esportista e até o palhaço ou outras figuras que vendiam a imagem do cara que é diferente dos políticos, mas após eleitos faziam o pior tipo de política possível... Votava sempre com a maioria e quando se manifestava era para falar sobre algum passarinho, peixe, ou macaco em perigo. Seus discursos eram recheados de poesias e lendas sobre os bichos e plantas, que eram colocadas na grande midia como algo muito especial, muito pitoresco e simpático.
            Porém após sua oposição ao IS-PSE algo muda na vida do Dr. Marco Justo Passos. Aos poucos passa a ser o deputado Marco Passos que apesar sempre ter sido apresentado como um político renovador, progressista e simpático passa a ter sua atuação criticada pelos grandes meios de comunicação. Grandes redes de Tv e redes de compartilhamento e de notícias da net passam a apresentá-lo como arrivista, aproveitador, suspeito de receber propinas, que se apresentava defensor da natureza e do ambiente em campanhas ridículas, retrógradas e sem sentido e agora para aparecer na mídia, ficava emperrando algo tão moderno e revolucionário.

Bem... então... então... 

... O que vai acontecer com o nosso deputado????

O grupo internacional vai conseguir estabelecer-se? 
Será que vão construir o que pretendem???

Bem, caro leitor e elegante leitora.... eu  tenho  uma ideia na minha vetusta cachola. Na realidade quando comecei escrever esta mirabolante crônica já tinha um final para ela, mas resolvi  consultar meus sábio público.
Vejam que coisa moderna... a crônica interativa!!!

Assim peço a você  que usa seus momentos de lazer para enriquecer o seu intelecto aqui neste portentoso blog...   escreva aqui mesmo, ou mande uma mensagem por email, ou no facebook, dizendo como eu devo terminar esta eletrizante estória.

sábado, 4 de junho de 2016

HISTÓRIAS DO BENE

         o Bene...


           O Sr. Aricleiton Pinto Benedito, mais conhecido como Bene, Bene sem acento,  era um cara um tanto quanto estranho. Grandão sempre com um ar preocupado, ou melhor, um ar angustiado, com um jeito de falar meio afeminado. Dizia ser formado em arquitetura, mas nunca havia trabalhado na área. Aliás ao que parece nunca tinha trabalhado na vida, era de uma família  mineira muito rica, que possuía o jornal mais importante da região. Aos poucos descobri que na realidade a ex mulher do pai, que comandava os negócios, dava-lhe uma bela mesada, justamente para ele não ir lá atrapalhar os negócios. Aparecia em casa de tempos em tempos, e como gostava de cinema e de artes plásticas às vezes batíamos bons papos. Na realidade ele se interessava mais pela vida do grandes artistas do que pelas obras, e muitas vezes eu ficava ouvindo ele contar alguma fofoca sobre a vida sexual de algum grande pintor ou escultor.


         Acontece que o Bene  apesar de sexagenário, era obcecado por sexo, adorava me contar suas aventuras sexuais, com detalhes que chegavam às raias da obscenidade. Às vezes repetia a mesma estória, e cada vez adicionava algum lance mais obsceno ainda. Acho que era uma atitude provocativa, pelo fato de eu estar vivendo sozinho. Então resolvi aproveitar os casos mais interessantes que transformei num conjunto de crônicas ou pequenos contos. Algumas delas  eram apenas grandes porcarias, como a da velha desdentada que fazia um boquete delicioso...  Contou essa estória, num almoço... era a primeira vez que via meu filho, que na época aparecia bastante em casa. Essa pelo menos é um pouco engraçada, mas às vezes ele se punha a descrever situações realmente intragáveis, descrevendo detalhadamente as partes íntimas das companheiras de suas aventuras.

              Das estórias que o Bene me contou a mais engraçada é essa. Dei uma boa arranjada nela e a intitulei de...
                       
                                      


                                     O ATROPELAMENTO

         As coxas morenas da Sílvia atraiam meu olhar de ma­neira irresistível. Minha vontade era de parar o carro no acos­tamento e enfiar a cabeça por baixo de sua saia curtíssima. Pernas lindas pele lisinha lisinha, nem uma celulite, tudo esticadinho, bem desenhadas cobertas por uma penugenzinha aloirada... que pernas!
         Eu havia bebido um pouco a mais e minha vista confundia os re­flexos provocados pela chuva na estrada mal iluminada. Lá atrás, Claudinha e o Gilberto estavam de mal, um em cada canto do banco. Chegaram mesmo a trocar palavras um tanto ásperas no barzinho onde havíamos jantado e dançado. Mas em compensação, a Sílvia... ah! A Sílvia estava ótima, demais. Passou a noite me alisando e me apertando nas músicas um pouco mais lentas, seus olhos verdes... transparentes...
         Eu tentava prestar mais atenção na estrada, mas cada vez que o carro passava embaixo de uma luz, as pernas, os olhos verdes, a boca, a blusa aberta  mostrando... Hoje, quando me lembro, tudo se mistura com as imagens impressionantes que vieram depois. Quando pus a mão na sua perna, ela afundou na poltrona e puxou minha mão para baixo de sua calcinha. Apoiou a cabeça no meu om­bro, e também começou a passar a mão na minha barriga, su­bindo e descendo, e descendo...
         - Hei vocês aí na frente!... Querem parar com essa sacana­gem, estão pensando o que?
         - Você está com inveja porque a Claudinha está  aborrecida...
         - Ôô Cláudia, fica numa boa! No fundo, bem no fundo o Gilberto é bom sujeito - falei brincando.
         - Vamos dar uma bola?! Vai Gil, acende aquele que está escondido aí atrás! Quem sabe a Cláudia esquece o que você andou fazendo... 
         Diminuí bem a velocidade do carro enquanto o charo ia passando.
         - Esse é dos bons...
        - É sim! Mas vê se presta atenção nessa porra de estrada! - respondeu a Cláudia que estava mal humorada demais.
         - Puxa, hoje ela está mesmo arrevesada. Agarra ela, Gil, acho que é isso, ela quer ser violentada!
         A chuva, a bebida, e agora o fumo... guiar estava cada vez mais difícil. O asfalto havia adquirido um brilho sobrenatural e as unhas de Sílvia roçavam meu pau levemente por cima da bermuda acompanhando as curvas da estrada.  Eu era inteiro tesão... os ruídos, as luzes, a água... tudo saía de lá, do meu pinto, querendo explodir e molhar toda a estrada e os dedos espalhavam a chuva na cabeça dele... mais um pouco...
          - O que é isso? – o Gil gritou, justamente num dos mo­mentos em que eu estava tentando afastar a Sílvia. Até hoje ouço os dois gritos toda vez que conto essa estória, porque  a Cláudia deu um tremendo berro.         
         - Beneee!!!!!!
         Foi tudo muito rápido, não deu para desviar. Eu estava indo devagar, mas era uma curva, o corpo no chão... apareceu de repente. Parecia uma mulher de cabe­los compridos, uma cabeça estranha, vestida de capa plástica preta, brilhante. Que horror! Brequei ten­tando evitar que o carro derrapasse e fosse direto no barranco, mas não consegui evitar de passar sobre aquela estranha figura jogada na estrada. O carro deu um solavanco e o corpo foi batendo no fundo fazendo um barulho meio surdo. Parecia rolar, sendo espatifado pelo assoalho do carro.
         Me veio uma sensação desagradável, de nojo, direto na minha barriga. Parei naquela faixinha de asfalto mais esbura­cado que servia de acostamento.
         Apoiei a cabeça na direção, enquanto subia uma tremenda vontade de vomitar e chorar.
         - Puta, que merda! Que merda! É o que dá, porra! – a Cláu­dia ia começar a reclamar, mas o Gil deu uns gritos com ela, que se calou...
         - Temos que ir lá! – disse o Gil.
          - Mas ela já estava morta! Tenho certeza, estava meio... sei lá parecia torta.
         - Morta! Será que morreu?! Ah, caralho...
         - Peraí, gente!!! – o Gil falou – temos que ver o que foi que...
       A Silvia começou a chorar, se lamentando. -  Ai meu Deus! Foi culpa minha, eu estava muito louca. Ai meu Deus... aquele barulho... era do corpo no fundo do carro? –
         E todos começamos a falar juntos...
         – Vamos em­bora, ninguém viu! Vamos! Vamos vai!, a Sílvia insistia.
         - O que é isso, Silvia?! Não se pode deixar um ferido sem socorro. Temos que ir lá, quem sabe ela ainda esteja viva! Mas era mulher? Não sei, acho que sim, pelo menos me deu essa im­pressão por causa dos cabelos compridos... mas era tão esqui­sita. Ela estava meio torta. Será que... Vai ver que já tinha sido atropelada e largaram o corpo aí no meio. Então, vamos embora, vamos embora! A gente vai levar a culpa e não fizemos nada! Porra! Ah, não fizemos?...  Só passamos com o carro em cima dela, cacête!! Mas alguém atropelou ela antes da gente, se mandou e nós vamos levar a culpa! Não. Não, ela podia estar bêbada... vai ver que caiu ou desmaiou. Sei lá, mas devemos ir ver. De repente a gente ainda possa fazer alguma coisa. 
         - Vem vindo um carro, e agora? Talvez eles possam nos ajudar. Desce Dá, vai logo. Manda eles pararem. Vai, meu!!
         Eu estava paralisado, aterrorizado demais para tomar qualquer atitude mais ou menos lógica. O carro, uma caminhonete, vinha no sen­tido contrário, com os faróis muito altos. Diminuiu um pouco de velocidade ao passar ao lado do corpo da mulher e se mandou.
         - Pô, nem ligou.! Vocês viram!?
         - Nem parou. Parece que passou em cima dela também!!... que filho da puta...
         Passaram mais dois carros, e nenhum deles parou e tive a impressão de que um deles passou em cima do que parecia ser a perna da coitada. Eu, vendo aquele espetáculo horroroso, falei:
         - Gil, vamos lá, temos que fazer alguma coisa, senão a mulher vai virar uma gosma no asfalto molhado.
         - Não! Vamos embora... vamos embora.. - a Sílvia repetia, chorando. - Vai dar a maior confusão. Vão te fazer o teste do bafômetro, vão descobrir que a gente deu uma bola, e aí quero ver!! Para que? Aquela mulher já era. Não fomos nós que atropelamos ela ... ela já estava morta! Vamos!! Você não acha Claudinha?
         A Cláudia estava com a cabeça apoiada no vidro de trás, resmungando baixinho. Devia estar me acusando de tudo quanto era coisa, e ela até que tinha razão.
         - Olha... Cláudia... Eu... foi culpa minha. Bem... eu estava namorando enquanto guava... é, mas eu estava bem devagar, só que me distraí. Mas agora não podemos ficar discutindo. E... Quer saber? Vou lá! Assumo tudo...  seja o que Deus quiser. Vem comigo, Gil?
         - Tá bom, tá bom... Acho que também vou - Sílvia disse baixinho.
         Saímos todos e fomos nos dirigindo len­tamente para o corpo que estava a uns trinta metros, brilhando naquela quase escuridão quebrada pelas luzes fra­quíssimas dos postes de madeira da estradinha. Estávamos em silêncio. Gil ia na frente, muito depressa. Era o mais frio e ponderado de nós. A Cláudia vinha lá atrás, bem devagar, andando quase sem sair do lugar.
         De repente quase perdi a respiração.
         - Meu Deus! Ela está partida em dois!!! Que horror. Ah, eu vou ficar por aqui. Olhe só aquela perna separada do corpo!!... está toda despedaçada por todos esses carros que passaram por cima.
         Paramos todos, menos o Gil que ao contrário apertou o passo e correu mostrando uma curiosidade mórbida e uma frieza que nos chocava. Eu até fiquei meio revoltado com ele.
         - Nossa! – falei – o Gil não tem estômago Como ele pode ficar tão  ansioso para ver um corpo nesse es­tado e sabendo que nós...
         Fomos interrompidos por uma espantosa e absurda gar­galhada do Gil.
         - Ainda por cima essa!!... o cara endoidou de vez!!
         - É demais! Venham ver isso!! - gritou o Gil ainda rindo muito.
         - Venham até aqui! Venham ver a mulher que a gente atropelou! - gritava o Gil enquanto ria.
         Deixei as moças mais atrás e me aproximei lentamente do insólito quadro que era meu amigo rindo diante do... aí percebi que os cabelos da coitada eram realmente muito estranhos e suas pernas muito brancas. Além disso não tinha sangue e...
         - ... e as pernas são tubos de pvc! – gritava o Gil, morrendo de rir – pernas de pvc de quatro polegadas!!! Vejam! Sacos de lixo!!!
         Quando cheguei mais perto o Gil ria ria, mas ria até dobrar a barriga. Eram dois ou três sacos pretos de lixo. De um deles saia o tufo desgrenhado de um espanador sem cabo e do outro dois pedaços de cano de esgoto. Para completar o quadro dantesco criado na nossa imagina­ção descompensada pelo fumo, uns panos enrolados formavam os braços esmigalhados da defunta, e restos de comida misturados com pó de café pareciam sangue espalhado no asfalto. Fiquei aparvalhado sem saber o que dizer, rindo meio sem graça, como um bobo olhando aquele lixo espalhado na estrada.
         Voltamos para o carro e continuamos em silêncio até chegar na casinha alugada. Mesmo assim, nessa noite nem consegui transar com minha namorada, a morena Sílvia de olhos verdes e suaves como um rio cristalino.