terça-feira, 19 de novembro de 2013

as histórias do quase...

                                              
                                                                     O DARDO
       

           Acho que o lance do dardo foi o primeiro quase de minha vida.
        Eu deveria estar com meus onze ou doze anos, naquela esquisitice que é a puberdade, começando me descobrir e descobrir o mundo.
         Quase me estrepei passeando no gramado do campo de futebol do colégio Dante Alighieri, um colégio super bem equipado. Tinha até um campo de futebol, gramado, com uma arquibancada onde talvez coubessem umas quinhentas pessoas. Ocupava, ou melhor, ainda ocupa, um quarteirão inteiro, só que onde era o campo de futebol fizeram umas quadras e mais uns prédios enormes. Naquela época existia apenas  um grande prédio em forma de U, todo de tijolos aparentes, com janelas enormes, cercado de belos jardins.
         Os corredores de acesso às classes eram muito largos, com pisos de pastilhinhas hexagonais, que formavam desenhos. De um lado,  grandes janelas voltadas para o pátio interno, e do outro um monte de portas duplas enormes, que davam para as classes. Eram... tudo era muito grande e muito limpo, muito iluminado pelas janelas gigantescas.
         Mas apesar do requinte e da beleza do prédio, o clima da escola era desagradável. Havia uma disciplina e um autoritarismo exacerbados, resquícios do militarismo fascista italiano e também da tradição da educação européia na base de castigos físicos e deformação da personalidade. Uma boa parte dos professores eram velhos, ferozes, dominadores e recalcados, que não demonstravam o menor carinho por seus discípulos. Estavam sempre a inventar castigos, mandando alunos para a diretoria, e a exigir suspensões. 
        Lembro de umas velhas decrépitas, solteironas, chamadas pelo sobrenome, precedido de senhorita, como a professora de inglês...  A senhorita Cock!!! Isso mesmo, senhorita Cock, de cabelos roxos e cheiro de naftalina! 
        Algumas eram especialmente furiosas, como a de latim, uma machona de bigodes que passava montanhas de lições. Mas a mais detestada era a de história, uma magriça horrorosa que nos obrigava copiar páginas e páginas do livro e passar o caderno a limpo... O professor de francês, de bigodinho bem fininho, loiro, obrigava os alunos a fazerem dezenas de cópias de páginas do livro, como castigo por qualquer bobagem.
         Entravam na classe aos gritos e os alunos tinham que ficar em pé ao lado da carteira até o mais completo silêncio. Em geral esse silêncio se prolongava por alguns minuto antes do comando  - Sentem em seus lugares!
     Evidentemente toda essa repressão gerava um descontentamento generalizado, que explodia em algazarras estrondosas assim que tocava o sino tocado pelo simpático bedel, talvez a figura mais simpática da escola. Punha um algodão nos ouvidos e mandava ver num sino de bronze que se ouvia do bairro inteiro... Assim que tocava o sino e o professor saía da classe, o mundo virava de cabeça pra baixo. As classes não eram mistas, então o intervalo entre uma aula e outra era a explosão de machismo desenfreado da puberdade masculina, gritos, palavrões, os meninos maiores atacando os menores, com obscenidades e empurrões.
         Uma vez  a loucura foi tão descontrolada, que um menino caiu da janela, para o lado de fora! Foi um pânico geral.
- O Fulaninho caiu! Quem! Nossa, deve ter morrido!!!
         Um corre corre. Só um ou dois viram que o garoto sentado no beiral perdeu o equilíbrio e despencou do segundo andar. Era um sujeitinho esquisito, afeminado e extremamente puxa-saco, queridinho das professoras. Com certeza era veado. Quem é homossexual, já nasce assim, e pronto. Na classe tinha um outro que era muito bicha louca, com trejeitos, gritinhos e tudo. Esse que caiu era mais contido, mas feminino demais, talvez por isso era tão querido pelas professoras mais velhas as solteironas um tanto quanto masculinizadas, afinal foram obrigadas a viver detestando homens.
         Bem, quando o Fulaninho caiu, foi aquela correria, todos meninos se amontoando nas outras janelas, a professora tentando controlar o pânico que estava se instalando...                     .
         Eu e mais alguns, ficamos parados, um tanto quanto aparvalhados. Não me lembro exatamente os detalhes do que se passou, mas o Fulaninho, apenas quebrou o braço e depois de uns dias o pentelhinho já estava lá sendo alvo de todas as homenagens e mais paparicado ainda. Fiquei com a maior raiva, mas não cheguei ao extremo de lamentar que ele não tivesse passado dessa para outra melhor.
         Mas voltando ao fato que me pôs a falar dos tempos do Dante... a história do dardo numa aula de educação física que eram uma esculhambação, como em todas escolas. Em geral punham a garotada para jogar bola e pronto. As classes eram muito grandes, então o resto ia jogar basquete, ou queimada. Às vezes o professor mandava a turma fazer ginástica. Ficava todo mundo em fila e íamos fazendo um pouco de barra, depois um salto em extensão, um salto em altura, argola, e logo virava a maior bagunça no lugar onde ficavam  os  equipamentos para ginástica, atrás de um dos gols do campo de futebol.
         Um desses dias, depois de ter passado por todas atividades, saí andando pelo campo, meio chateado porque, como nunca fui dado a fazer ginástica, meus resultados nos pulos, barras e flexões, eram dos piores. De repente ouço um monte de gente gritando meu nome atrás de mim e virei para olhar o que era. Assim que virei, um dardo de competição passou rente às minhas costas e se espetou no chão. Acho que se eu tivesse virado pelo outro lado ele me pegava direitinho.                      .
         O pior é que eu ainda levei a maior bronca, por que era dia de treinamento de meia dúzia de alunos que iriam participar de um campeonato de atletismo.
      E ainda por cima, o sujeito que quase me matou (e depois acabou participando de torneios importantes) talvez para escapar de levar a merecida bronca, veio brigar comigo, porque eu não deveria estar passeando lá onde ele acertava o dardo!

         Pois é, quase morri espetado, e ainda brigaram comigo...

2 comentários:

  1. Essa é uma tática muito antiga e muito usada, a de brigar antes
    que briguem com a gente...rs. A tua história me fez lembrar muito
    da minha. Tbem estudei em um colégio enorme, em Curitiba. Tive
    aula de latim, porque na época era coisa comum. Havia tbem um
    campo de futebol, piscina olímpica. Os jogos estaduais eram lá
    disputados, assim como as feiras de ciência. Hoje o colégio, imenso,
    ainda está lá, jogado às traças. Iniciei o ginásio no início da ditadura
    militar e presenciei a derrocada lenta, gradual e ininterrupta. De dez
    anos para cá há um empenho muito grande para que a educação volte
    aos seus trilhos, mas isso vai demandar muito tempo porque o estrago
    foi muito grande.
    Essa foi mais uma história legal. Vai juntando prá depois editar.

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    1. Obrigado pelo incentivo.

      E... falando em educação... vamos torcer para que o ensino de música volte mesmo!!
      Tenho um texto sobre esse assunto, mas preciso adaptá-lo a este ambiente.

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