terça-feira, 12 de novembro de 2013

QUASE ACABEI COM UM CONCERTO DE PIANO




 a foto do pianista                   


             Miriam, minha irmã quatro anos mais velha do que eu, estava fazendo o primeiro ano do curso Clássico, que era o terceiro ciclo para os jovens que queriam fazer carreira nas áreas humanas.   Um dia ela apareceu em casa toda entusiasmada contando que o professor de canto, um velho chato, perguntou se tinha alguém na classe que sabia tocar piano, aí então, um garoto foi lá e mandou ver num noturno de Chopin, que deixou o professor embasbacado.  O professor e o resto da classe...
         Minha mãe, diplomada no curso de pianista do Conservatório Dramático e Musical, passava horas e horas estudando desvairadamente, escalas, sonatas, tocatas, noturnos... Quando a Miriam contou a história, mamãe ficou muito curiosa e insistiu para ela convidá-lo para ir lá em casa. E eu... Bem, eu achava que era exagero ou invenção da minha irmã...
         Um belo dia, Miriam nos avisou que o Caio ia estudar lá, e que finalmente poderíamos ver como ele era bom. E, no meio da tarde o rapaz aparece e ao primeiro pedido sentou no banquinho nos deliciando ao tocar com perfeição e desenvoltura uma peça, dessas bem complicadas, para o meu espanto e entusiasmo de mamãe.
         - Caio!!! Você toca de verdade! você tem muito talento! você tem tudo para ser um pianista de verdade! você...
         - Ora, d. Ester... eu só toco, assim por que... sei lá. Eu gosto muito, mas...
         Bem, resumindo. Ficamos sabendo que devido à insistência dele os pais haviam arrumado aulas com uma grande professora de piano, apesar da má vontade do  o pai dele, que achava que o  Caio deveria ser advogado.
         Aos poucos minha irmã formou uma roda de amigos da escola, que frequentavam bastante nossa casa, davam festinhas, iam passear, estudavam juntos... o Caio passou a ser um dos melhores amigos dela e estava sempre em casa. Era um sujeito muito divertido, bem educado e se ligava em tudo quanto era atividade cultural.
         Durante os três anos que durou o curso clássico estudava seriamente seu piano, sempre incentivado por mamãe que sabia ser isso mesmo o que ele queria fazer na vida. Às vezes aparecia em casa, e mal falava com a Miriam ou comigo. Ficavam lá, ele e mamãe, em volta do piano, discutindo como tocar determinados trechos, ouvindo discos, e se divertindo muito com isso. Minha mãe apresentou o rapaz a alguns músicos frequentadores de nossa casa, que era uma espécie de clube de artistas e intelectuais paulistanos. Aos poucos, o Caio foi se convencendo de sua condição de pianista, e começou tocar em público, num princípio de carreira promissor, mas muito complicado. Mas.... 
         Mas quando terminou o colégio, ele chegou um dia em casa muito contrariado, porque o pai disse que ele precisava parar de pensar tanto em piano e se preparar para entrar na faculdade de direito. E naquela época, pai mandava, e fim de papo. Ele estava acabrunhadíssimo quando disse para mamãe:
         - Ah, dona Ester, vou ter que parar com o piano, porque meu pai...
         - Mas de jeito nenhum! – minha mãe nem deixou ele acabar de falar. -  Isso não tem cabimento! Vou falar com seus pais! É um absurdo...
         Não lembro bem, mas acho que realmente minha mãe falou com os pais dele, mas não havia jeito, o pai estava irredutível.
         Uma vez eu ouvi ela falando para ele, mais ou menos assim.... 
            - Olha você vai ter que se esforçar muito, fazer das tripas coração, mas não pode de jeito nenhum largar a música. Além disso, você é inteligente, gosta de ler... e também, pense que tem coisas interessantes no curso... e um diploma universitário pode significar muito na sua carreira de músico profissional....  e que um diploma pode abrir portas para você dar aulas em outras faculdades...  e que estão querendo abrir uma escola de artes na Usp... e por aí a fora.
         O fato é que ela convenceu o Caio, que realmente se esforçou e conseguiu se formar advogado. Lembro dela estimulando, insistindo e cobrando dele o empenho com a música.
         A gente foi crescendo, viramos gente grande, e o Caio ganhou um concurso internacional em São Paulo, que o consagrou definitivamente.  E assim, o menino, o simpático coleguinha de classe de minha irmã se tornou um pianista famoso no mundo inteiro.
         Nessa época eu trabalhava com fotografia, apesar de ser biólogo e quase sempre que o Caio precisava de fotos era eu que fazia, coisa que realmente me deixava muito orgulhoso. Fiz até uma fotos muito interessantes e alegres, para uma capa de disco que acabou não saindo. Mas ele usou uma delas recentemente, num CD para comemorar seu septuagésimo aniversário.
         Acontece que um belo dia, tivemos a brilhante ideia de fazermos umas fotos durante o concerto que ele ia dar no Municipal.
         Ele me arrumou uma entrada para a plateia e lá fui eu, todo engravatado, perfumado, penteado, munido de minha câmara. Era uma Exakta, alemã, com objetivas ótimas, mas a parte mecânica era bastante complicada e extremamente barulhenta.
         Esperei o público entrar e percebi um lugar vazio de onde teria um bom ângulo. Assim que ele começou tocar eu bati a primeira foto, com um tempo de exposição relativamente longo e... clec zuiiimm plac...  Esperei um pouquinho e novamente aquele disparador barulhento me incomodou muito.  Depois da terceira foto pensei... Não dá... com essa máquina barulhenta, não dá!... um sujeito já tinha olhado com cara feia. Parei.
         Após o intervalo subi para um dos os balcões apoiei a câmara na balaustrada e fiz umas poucas fotos, nos momentos onde o piano era fortíssimo, ou quando o público batia palmas.
         Terminado o concerto eu fui lá nos camarins, onde havia toda aquela tietagem, as madames perfumadas, os senhores engravatados, todo mundo lustroso e escovado. Fui me aproximando devagarinho, e quando o Caio me viu, me chamou e disse.
         - Ôô Dario!!! Que bom que você parou! Olha!!! Você não imagina como o barulho da tua máquina me desconcentrou! Se você tivesse batido mais uma foto eu ia ter que parar o concerto! Eu ia mandar você parar!!!... Ainda bem! Mas que máquina mais barulhenta é essa, cara!
         Ai demos risada e fomos comer a tradicional pizza.

         E eu pensando... Minha Nossa! Quase! Quase estraguei um concerto no municipal!! Imaginem minha graciosa leitora  e meu elegante leitor o vexame que seria levar uma bronca do pianista... em pleno Teatro Municipal, o templo da música em São Paulo... cheio de gente conhecida... imaginem só!!!

Um comentário: