Como lá no facebook, por causa do dia da criança, todos estavam colocando suas fotos de criança, eu, só para ser diferente, resolvi contar uma história de minha infância perdida.
O ENTUSIASMO DA VOVÓ
Vovó Mama morava num apartamento...
escuro, na minha tênue memória. Tudo lá tinha um leve cheiro de naftalina e
sabonete de benjoim. Eu era muito pequeno, cinco ou seis aninhos. Depois que
vovô Papa morreu, ela saiu do velho sobradão onde moravam perto da aclimação e
foi morar nesse apartamento onde sempre havia uma panela com uns bolinhos
deliciosos, que ela deixava estrategicamente num banquinho ou no chão para eu me servir na hora que bem entendesse.
Mamãe falava russo com meus avós, e os
chamava de papa e mama, por isso eles ficaram sendo vovô Papa e vovó Mama. E minha mãe, que ainda tinha um pouco de
sotaque, se confundia toda com as vogais abertas e fechadas do português,
porque em russo a letra "O" é uó, e a letra "E" é ié, ou iô... Ela confundia
avô e avó... E para a alegria dos ouvintes mamãe sempre dizia que não conseguia
perceber a diferença entre avuó e avuó...
Bem, mas como eu ia dizendo... vovó morava sozinha e provavelmente eu enchia a paciência de meus pais, que de vez em quando me deixavam lá, para passar um
ou dois dias com a vovó Mama no apartamento que ficava na frente do Jardim da Luz. De algum
ponto especial, acho que era da área de serviço, a gente conseguia ver a sala
onde papai trabalhava no prédio da Caixa de pensões de uma ferrovia.
O jardim da Luz era um parque muito
grande mas, que eu me lembre, um tanto malcheiroso. E no fim da tarde vovó Mama
me levava para dar uma voltinha lá, para ver uns bichos.
Além do cheiro só ficou na minha memória o
que aconteceu numa dessas tardes, quando estávamos voltando para casa. Um prédio cinza, como usavam
antigamente, acho que chamava Conde Prates. O acabamento era um tipo de cimento
com areia grossa de grãos brilhantes. Quando parávamos para ela abrir a porta,
numa pequena entrada recuada, eu ficava arrancando os grãozinhos mais
brilhantes com a unha.
Mas nessa tarde, ao chegarmos perto do
prédio, que ficava no meio do quarteirão, havia um montão de gente na frente do bar da esquina.
- O que será, vovó? Vamos lá?! Vamos lá,
quero ver!! Vamos, vai!!
Eu insisti com ela, que estava receosa, porque era
muita gente... só homens de chapéu.
Mas diante de minha insistência ela
acabou concordando de ir até lá e me disse... - Olha você fica paradinho aqui
que eu vou lá ver. Não saia daí, quero ver. Se não for coisa ruim eu venho te
buscar.
Lá fiquei eu metade pra dentro e
metade pra fora da entradinha, mas olhando ansiosamente para onde vovó Mama tinha
ido.
E de repente vejo a vovó vindo correndo.
É uma das poucas imagens que me sobraram dela... era gordinha e corria desajeitada balançando
quase gritando...
- Vem ver!! Vem ver!! É a televisão! É
a televisão!! e já me pegou pelo braço e foi me puxando...
Havia uma televisão, grandona, colocada
bem alto numa prateleira e todo aquele pessoal estava lá, admiradíssimos,
realmente embasbacados, vendo a grande novidade.
Foi a primeira vez que vi uma televisão
em minha vida.
Sensacional, Dario!
ResponderExcluirOi Dario
ResponderExcluirGostei muito da historia.
Manda ver na continuação!
Bonita, a história.
ResponderExcluirInteressante como os cheiros, ou na ausência atual de similares, a lembrança dos cheiros ficam entre as lembranças mais fortes. Me lembro de sua vovó Mama, menos do vovô Papa. Muito branca, cabelo armado muito branco (era crespo, lembra carapinha, não?, um jeito um tanto reservado, nunca troquei palavra com ela, pena.
OI Cláudio... o vovô Papa morreu quando nós tínhamos pouco mais de quatro aninhos...
ExcluirVovó Mama tinha cabelo levemente amarelado, que usava preso sobre a cabeça. Eu a vi algumas vezes se penteando. Seu cabelo era compridíssimo!!!
ResponderExcluirA última lembrança da vovó é muito triste... talvez eu conte.
ResponderExcluirA descrição do visto, ouvido e sentido pelo menino, na prosa do adulto. Belo texto!
ResponderExcluirObrigado pelo comentário, prezado Unknown.
ResponderExcluir