terça-feira, 10 de dezembro de 2013

as aulas de italiano

                              
         Era mais ou menos no começo do terceiro ano do ginásio, quando um belo dia, entrou na classe o Dr. Maniglia!, Supremo Diretor, acompanhado de uma jovem senhora com um certo ar sofredor. Dr. Maniglia! era, ou pelo menos se considerava, uma Autoridade Suprema, sua frase predileta era:
         - O Diretor! sempre tem razão, mesmo que esteja errado!!!!
         Nesse dia, nos informou que, num gesto Maravilhoso e Supremo, o Colégio iria oferecer um curso de italiano aos alunos que quisessem ter a dádiva suprema de ter aula com a Senhorita Anna Carvalho. Dr. Maniglia! enfatizou dizendo que as aulas eram opcionais, e os alunos que tirassem boas notas poderiam incluí-las no boletim. - Além disso, esse curso não vai ser cobrado de nossos alunos!!! -  Examinou um papelzinho e colocou na lousa o horário da aula. - Os senhores tem alguns dias para colocar seus nomes na lista que vai ficar ali!!!
         Rolou aquele zumzum na classe com uma boa parte já resmungando baixinho... porra, agora vai ter mais coisa ainda pra gente estudar... Quem vai, quem não vai... A turma que sentava nas carteiras da frente achando  uma maravilha. Mas o pessoal menos cedê-éfe, eu no meio, se entusiasmou. Achamos que ficaríamos no pátio em vez de assistir a tal aula, por que era justamente a primeira depois do recreio.
         Passado o prazo para completar a lista, a grande maioria da classe preferiu ficar zanzando no recreio, e só uns dez alunos se inscreveram.
         Finalmente Dr. Maniglia! anuncia que as aulas com a Senhorita Carvalho iriam começar na semana que vem, e recita as regras para os energúmenos que não quiseram aceitar esse fabuloso brinde.
         A presença na classe durante a aula era obrigatória para todos. Teríamos que ficar no fundo da classe no mais absoluto silêncio sem fazer nada! Era proibido ler. Era proibido fazer lição de casa. Era proibido estudar para prova. Ou seja. Dr. Maniglia! resolveu colocar a gente de castigo! Os castigos eram comuns... ficar sem fazer nada embaixo da escada, em pé. Ou então no canto da classe virado para a parede. Teríamos que ficar lá na classe sem fazer nada o tempo todo!!!
         A frustração e revolta dos maus elementos que não optaram pelo curso foi enorme, e ainda por cima éramos alvo de gozação dos meninos bonzinhos. Saco!!!       
         E a tal aula de italiano virou queda de braço entre o Supremo Dr. Maniglia! e os alunos. As aulas eram uma bagunça... a coitada da Senhorita Carvalho ficava desesperada, mas o Supremo sempre entrava intempestivamente na classe para flagar algum deslise de um dos malfeitores.
         Ao meu lado sentava um menino magro um tanto calado, da turma dos menores. Era o Ennio Syulas Fernandes. Esse menino, virou líder universitário, e depois “terrorista”. Sua foto apareceu nos cartazes “procura-se”, na época da ditadura, mas  conseguiu  fugir e escapar vivo. Com a anistia, voltou, se elegeu deputado, passou para o outro lado da política, foi ministro e senador... quem diria?! Tão magrinho, meio mirradinho.
          Um dia o Ennio me perguntou – Escuta aqui, teu pai é médico, arruma um remédio bem fedorento para a gente  espalhar  na classe!! Planejara tudo direitinho, com mais uma meia dúzia de garotos e todo dia vinha me pedir o tal remédio. O plano era ninguém dizer quem tinha sido o autor da proeza e então a classe ganharia uma suspensão coletiva e ficaríamos dois dias de folga.
         Acontece que minha mãe tomava um remédio para o fígado dotado de um cheiro absolutamente nauseabundo, que revoltava as vísceras dos pressentes toda vez que ela abria o vidro. Bem, depois de tanta pressão, eu surrupiei um vidro e levei para a escola...  Mas nunca imaginei o que iria se passar.
         A turma exultou, um deles agarrou o remédio, deu uma cheirada e ficou verde. - Nossa!!! É isso aí!!! - Assim que acabou a aula antes do recreio, liderados pelo magriço Ennio, demoramos para sair e esmagamos um monte de pílulas lá na frente, no estrado,  na mesa do professor, no apagador, no quadro negro... e saímos sorrateiramente.
         Eu nunca tinha imaginado que os carinhas iam realmente espalhar o remédio, e logo que chegamos ao recreio já comecei a ficar apavorado. Com certeza a culpa ia cair na minha cabeça, afinal eu levei a arma do crime...
         Para encurtar a estória, a Senhorita Carvalho chegou, abriu a porta, entrou... e parou estarrecida. O cheiro realmente havia contaminado a classe de uma forma infernal! A coitada, que já tinha um arzinho desamparado, desatou num choro compulsivo, quase entrando em choque.  E saiu acompanhada por dois ou três puxa-sacos, que foram com ela até a diretoria. Daí a pouco chega o Supremo! Dr. Maniglia!, furioso, acompanhado de um vigilante e nos obriga a entrar na classe que mais parecia uma tubulação de esgoto, ou um caminhão de lixo. Deixou a gente esperando naquela fedentina e saiu juntamente com a professorinha Senhorita Carvalho. Hoje eu me pergunto se eles não tinham alguma relação um pouco, digamos...  mais íntima. Abriram todas as janelas e o zum zum começou, com todo mundo olhando para mim, que a essas alturas estava querendo sumir, afundar dentro do chão. 
         Quando o Ennio me falou - Calma, calma! Ninguém vai te acusar de nada! – percebi que a culpa já estava definida. Eu era o causador da desgraça toda! Aí que me apavorei mesmo.
         Ficamos na classe, com um vigilante mal humorado na porta, nos olhando furiosamente. Aquele burburinho percorrendo a classe e eu...? Eu já  havia me transformado na personificação do mal.
         O Supremo Diretor voltou, abriu o diário da classe e começou a perguntar aluno por aluno – Fulano de Tal, foi o senhor? Um por um. Ele olhava nos olhos do garoto e fazia a pergunta. Todos que vieram antes de mim responderam rapidamente. Não senhor! Não fui eu! Não fui eu, nem sei quem foi! E eu, cada vez mais apavorado. Quando chegou a minha vez eu estava absolutamente paralisado!
         - Foi o senhor???!!!!
         Engoli em seco um monte de vezes, suava frio, tentei balbuciar a resposta, mas a voz não saia. Finalmente...
         - N..  n.. nã.. não... SSee... Não  sSe.. sSeee nhor... !
         - JÁ PARA A DIRETORIA!!!!!  
         Fui submetido a um interrogatório pelo Terrível e Avassalador Supremo! Dr. Maniglia!, juntamente com o Vice-Supremo, Dr. Mazzaneta. Acabei confessando que trouxera o remédio, mas resisti heroicamente e não falei o nome de nenhum dos outros facínoras.
         Chamaram meus pais para uma reunião e ao final desistiram de saber quem eram os outros, já que tinha aparecido o bode expiatório, o monstro delinquente que quase matou a coitada da Senhorita Carvalho!
         E foi assim que fui convidado a não me matricular no próximo ano letivo!!!
        


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