Era mais ou menos no começo do terceiro
ano do ginásio, quando um belo dia, entrou na classe o Dr. Maniglia!, Supremo
Diretor, acompanhado de uma jovem senhora com um certo ar sofredor.
Dr. Maniglia! era, ou pelo menos se considerava, uma Autoridade Suprema, sua
frase predileta era:
- O Diretor! sempre tem razão, mesmo que
esteja errado!!!!
Nesse dia, nos informou que, num gesto
Maravilhoso e Supremo, o Colégio iria oferecer um curso de italiano aos alunos
que quisessem ter a dádiva suprema de ter aula com a Senhorita Anna Carvalho. Dr.
Maniglia! enfatizou dizendo que as aulas eram opcionais, e os alunos que
tirassem boas notas poderiam incluí-las no boletim. - Além disso, esse curso
não vai ser cobrado de nossos alunos!!! - Examinou
um papelzinho e colocou na lousa o horário da aula. - Os senhores tem alguns
dias para colocar seus nomes na lista que vai ficar ali!!!
Rolou aquele zumzum na classe com uma
boa parte já resmungando baixinho... porra, agora vai ter mais coisa ainda pra
gente estudar... Quem vai, quem não vai... A turma que sentava nas carteiras da
frente achando uma maravilha. Mas o
pessoal menos cedê-éfe, eu no meio, se entusiasmou. Achamos que ficaríamos no pátio
em vez de assistir a tal aula, por que era justamente a primeira depois do
recreio.
Passado o prazo para completar a lista,
a grande maioria da classe preferiu ficar zanzando no recreio, e só uns dez
alunos se inscreveram.
Finalmente Dr. Maniglia! anuncia que as
aulas com a Senhorita Carvalho iriam começar na semana que vem, e recita as
regras para os energúmenos que não quiseram aceitar esse fabuloso brinde.
A presença na classe durante a aula era
obrigatória para todos. Teríamos que ficar no fundo da classe no mais absoluto
silêncio sem fazer nada! Era proibido ler. Era proibido fazer lição de casa.
Era proibido estudar para prova. Ou seja. Dr. Maniglia! resolveu colocar a gente
de castigo! Os castigos eram comuns... ficar sem fazer nada embaixo da escada,
em pé. Ou então no canto da classe virado para a parede. Teríamos que ficar lá
na classe sem fazer nada o tempo todo!!!
A frustração e revolta dos maus elementos que
não optaram pelo curso foi enorme, e ainda por cima éramos alvo de gozação dos
meninos bonzinhos. Saco!!!
E a tal aula de italiano virou queda de
braço entre o Supremo Dr. Maniglia! e os alunos. As aulas eram uma bagunça... a
coitada da Senhorita Carvalho ficava desesperada, mas o Supremo sempre entrava
intempestivamente na classe para flagar algum deslise de um dos malfeitores.
Ao meu lado sentava um menino magro um
tanto calado, da turma dos menores. Era o Ennio Syulas Fernandes. Esse menino, virou líder
universitário, e depois “terrorista”. Sua foto apareceu nos cartazes “procura-se”,
na época da ditadura, mas conseguiu fugir e escapar vivo. Com a anistia, voltou,
se elegeu deputado, passou para o outro lado da política, foi ministro e
senador... quem diria?! Tão magrinho, meio mirradinho.
Um
dia o Ennio me perguntou – Escuta aqui, teu pai é médico, arruma um
remédio bem fedorento para a gente
espalhar na classe!! Planejara tudo direitinho, com mais uma meia
dúzia de garotos e todo dia vinha me pedir o tal remédio. O plano era ninguém dizer quem tinha sido o autor da proeza e então a classe ganharia uma
suspensão coletiva e ficaríamos dois dias de folga.
Acontece que minha mãe tomava um
remédio para o fígado dotado de um cheiro absolutamente nauseabundo, que
revoltava as vísceras dos pressentes toda vez que ela abria o vidro. Bem, depois
de tanta pressão, eu surrupiei um vidro
e levei para a escola... Mas nunca
imaginei o que iria se passar.
A turma exultou, um deles agarrou o
remédio, deu uma cheirada e ficou verde. - Nossa!!! É isso aí!!! - Assim que acabou a aula antes do
recreio, liderados pelo magriço Ennio, demoramos para sair e esmagamos um monte
de pílulas lá na frente, no estrado, na
mesa do professor, no apagador, no quadro negro... e saímos sorrateiramente.
Eu nunca tinha imaginado que os
carinhas iam realmente espalhar o remédio, e logo que chegamos ao recreio já comecei a
ficar apavorado. Com certeza a culpa ia cair na minha cabeça, afinal eu levei a
arma do crime...
Para encurtar a estória, a Senhorita Carvalho
chegou, abriu a porta, entrou... e parou estarrecida. O cheiro realmente havia
contaminado a classe de uma forma infernal! A coitada, que já tinha um arzinho
desamparado, desatou num choro compulsivo, quase entrando em choque. E saiu acompanhada por dois ou três puxa-sacos,
que foram com ela até a diretoria. Daí a pouco chega o Supremo! Dr. Maniglia!,
furioso, acompanhado de um vigilante e nos obriga a entrar na classe que mais
parecia uma tubulação de esgoto, ou um caminhão de lixo. Deixou a gente esperando naquela fedentina e saiu
juntamente com a professorinha Senhorita Carvalho. Hoje eu me pergunto se eles
não tinham alguma relação um pouco, digamos...
mais íntima. Abriram todas as janelas e o zum zum começou, com todo
mundo olhando para mim, que a essas alturas estava querendo sumir, afundar
dentro do chão.
Quando o Ennio me falou - Calma, calma! Ninguém
vai te acusar de nada! – percebi que a culpa já estava definida. Eu era o
causador da desgraça toda! Aí que me apavorei mesmo.
Ficamos na classe, com um vigilante mal
humorado na porta, nos olhando furiosamente. Aquele burburinho percorrendo a
classe e eu...? Eu já havia me transformado na personificação do mal.
O Supremo Diretor voltou, abriu o
diário da classe e começou a perguntar aluno por aluno – Fulano de Tal, foi o
senhor? Um por um. Ele olhava nos olhos do garoto e fazia a pergunta. Todos que
vieram antes de mim responderam rapidamente. Não senhor! Não fui eu! Não fui
eu, nem sei quem foi! E eu, cada vez mais apavorado. Quando chegou a minha vez
eu estava absolutamente paralisado!
- Foi o senhor???!!!!
Engoli em seco um monte de vezes, suava
frio, tentei balbuciar a resposta, mas a voz não saia. Finalmente...
- N..
n.. nã.. não... SSee... Não sSe..
sSeee nhor... !
- JÁ PARA A DIRETORIA!!!!!
Fui submetido a um interrogatório pelo
Terrível e Avassalador Supremo! Dr. Maniglia!, juntamente com o
Vice-Supremo, Dr. Mazzaneta. Acabei confessando que trouxera o remédio, mas
resisti heroicamente e não falei o nome de nenhum dos outros facínoras.
Chamaram meus pais para uma reunião e
ao final desistiram de saber quem eram os outros, já que tinha aparecido o bode
expiatório, o monstro delinquente que quase matou a coitada da Senhorita
Carvalho!
E foi assim que fui convidado a não me
matricular no próximo ano letivo!!!
Suas histórias são deliciosas!
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