terça-feira, 28 de janeiro de 2014

UMA HISTÓRIA ANIMALESCA!


                                      UMA CUSPIDA MILIONÁRIA

         Eu tenho um primo, que é um sujeito bem interessante. Apesar de seu aspecto muito tranquilo,  andou perambulando pela Antártida, onde teve umas experiências bastante trepidantes. Trabalha com satélites artificiais, num centro de pesquisas espaciais, e é ligadissimo em novidades tecnológicas importantes. Outro dia me mandou um incrível vídeo de um raio que sobe, filmado em câmara lenta, nas proximidades do pico do Jaraguá, em Sampa. Somente relembrando meu querido leitor...  para se obter o efeito chamado “câmara lenta”, na relidade filma-se com um sistema que captura velozmente as imagens. Antigamente, quando se usava filme, o filme na máquina filmadora rodava muito depressa, e quando era projetado em velocidade normal, as coisas apareciam com movimentos mais lentos. Esse vídeo foi feito com uma velocidade correspondente a vinte mil quadros por segundo. Um sistema normal de TV usa vinte e cinco. Portanto o movimento aparece cerca de mil vezes mais lento... aí tem o link que mostra o raio subindo lentamente, com uma luzinha na ponta...

      Então, quando respondi ao meu primo, lembrei de um fato que ocorreu quando eu, recém formado, trabalhava como bolsista da Fapesp no departamento de zoologia da USP.
         Eu fazia muitas fotos de bichos. Uma vez eu e meu saudoso amigo, professor Sergio Rodrigues, resolvemos montar um aquário para um animal estranho, uma enorme minhoca com pernas e outros acessórios que vivia enterrado nas areias de nosso litoral. O Sergio fez um aquário quase bidimensional com duas placas de vidro separadas por poucos centímetros, praticamente a largura do bicho. Enchemos com areia e água do mar, mas tinha que ficar no escuro, porque a luz interferia no metabolismo do estranho animal. Para vê-lo era uma dificuldade, acendíamos uma luzinha mínima e tínhamos que esperar a vista se adaptar, para conseguir ver aquele ser gelatinoso abanando uns leques que possui na barriga. Bastava acender a luz para filmar, que ele parava. Filmamos com uma velha câmara 16 milímetros Bolex, bem difícil de ajustar, mas conseguimos alguns segundos, o suficiente pra mostrar os movimentos do... lembrei o nome!!! Chaetopterus sp. !!!
         Mas a história que eu lembrei ao receber a mensagem com o vídeo do raio, foi quando apareceu, lá na Zoologia, um francês para filmar um bicho estudado por um professor com quem eu tinha um ótimo relacionamento, também francês.
         O bicho é um Peripatus sp. Um ser parecido com centopeia, que é muito importante, pois é considerado a transição entre os vermes e os artrópodos..!  Além disso esse bichinho de alguns centímetros de comprimento, um dos mais antigos que existe em nosso fantástico Planeta Terra, é considerado um fóssil vivo. 
         Ele vive em matas úmidas de Minas Gerais, já era bem raro na época em que o "causo" se passou, e se alimenta de uma forma tão estranha, que interessou a uma das melhores equipes produtoras de filmes científicos daqueles tempos não tão remotos...
           O peripatus, para comer, faz uma coisa parecida com o que o sapo faz para pegar a coitada da mariposa (...que fica dando vorta em vorta da lâmpida pra sisquentá). O feioso batráquio desenrola uma língua enorme, cheia de baba que gruda na coitada da mariposa e glopt. Aliás, outro dia eu li um artigo falando que as pererecas só conseguem ver os insetos que se movem...
        Cada coisa que descobrem. Aliás, cada coisa que estudam!!!... Imaginem só... estudar o que as pererecas enxergam???!!!
         Voltando ao tal peripatus... Ele captura suas vítimas de forma parecida, só que em vez de desenrolar uma língua, ele dá uma cuspida gosmenta, que sai de perto de suas antenas, vai grudar no alvo e volta com uma velocidade impressionante. A gosma seca depressa e imobiliza a pobre mosquinha. Depois que captura sua vítima, o simpático perípatus faz um furo nela, despeja o suco digestivo, espera um pouco e toma com seu canudinho bucal... 
       E a turma dos franceses veio filmar esse estranho banquete animalesco.
        Tentei falar com o cinegrafista, mas o cara ficou pouquíssimo entusiasmado em ter um nativo de la bas bisbilhotando seu trabalho. Precisei de muita conversa para ele me deixar dar uma olhadinha durante uma seção de filmagem.
        Os franceses vieram super equipados... trouxeram uma filmadora super ultra high speed, acho que era Hitachi, que filmava a 1000 quadros por segundo. Era a maior maravilha em termos de câmara lenta. Mas na época estavam começando aparecer as primeiras gravações em vídeo tape, e a máquina usava filme fotográfico. Era uma verdadeira astronave plantada no meio de uma sala transformada em estúdio cinematográfico, com montanhas de caixas de equipamentos, luzes, fios, tripés, lentes e uma quantidade infinita de aparelhinhos e dispositivos, tão modernos quanto misteriosos. E assim que foi possível, lá fui eu curiosíssimo, por que já trabalhava com fotografia e estava começando a filmar.
          O problema dessas filmagens em altíssima velocidade é iluminar o que vai ser filmado, por que a duração de cada fotograma fica muito pequena, da ordem de frações de milésimos de segundo. E nosso bichinho vive meio enterrado no solo das matas, portanto lugares escuros, tem hábitos noturnos e são refratários a qualquer tipo de luz. Poucos segundos de luz eram suficentes para deixar o animal paradinho, talvez numa reação de proteção.
         Aí pegavam um peripatus com fome e alguém jogava uma mosca morta e todo mundo rezava para o bichinho dar sua super cuspida extra speed...
         O fotógrafo cinegrafista era super caprichoso, um cara muito bom, que já tinha ganhado toneladas de prêmios. Colocava um perípatus numa placa de vidro e a câmara filmava meio em contra-luz através da placa, contra um fundo escuro, para a cuspida ser retratada com todos seus charmosos detalhes. A coisa era realmente bastante complicada...  A cada tentativa,  era necessário limpar os restos da gosma da tentativa anterior e os detritos deixados pelas patinhas sujas de terra úmida...
           Aí !!! Tudo pronto?! luz, câmara, ação e...
         Acendiam aquelas montanhas de watts de luz, ligavam a câmara que emitia um zumbido furioso como se fosse um ônibus elétrico e engolia uma lata de 400 metros de filme em poucos segundos. Enquanto o especialista francês em arremesso de moscas, escolhia um ângulo para o bichinho ver direito, arremessava a mosca e...
         - Ah. Non... Merde!!! Pas possible!!!
         No dia em que fui lá assistir, eles passaram algumas horas e não conseguiram nada. Gastaram alguns quilômetros de filme!!! 
      Depois de ter assistido umas três tentativas, resolvi sair porque os caras estavam bastante irritados e aparentemente no limite da paciência... os  bichos não estavam colaborando e faziam as coisas na hora e no lugar errado!!! Qualquer comentário que eu fizesse ia sobrar pra mim... Saí sorrateiramente depois de uma das tentativas fracassadas.
         Mas fiquei sabendo que no dia seguinte conseguiram uma tomada que valeu todo o esforço. Assim que terminaram, juntaram todas suas valiosíssimas tralhas e se mandaram, caramba... nem vieram falar comigo!!!!
      Ao que parece, ficou tão espetacular que deu mais um premio para a equipe...
         Milhares, talvez dezenas de milhares de dólares por uma cuspidinha!!!

* Para a turma que não se lembra das aulas de biologia... os artrópodos são os seres mais abundantes do planeta. É o grupo dos insetos, aranhas, crustáceos, centopeias... cuja principal característica são essas patinhas parecidas com as dos camarões e das coitadas das baratas...
O grupo ao qual os Peripatus sp. pertencem se chama Onicophora. Para quem gosta de coisas interessantes esses animais são um prato cheio. Lá na wikipedia tem uma boa matéria...
O filme com o Chetopterus infelizmente se perdeu. Talvez eu tenha doado ao departamento de Zoologia, não me lembro. Aliás a ocorrência desse bicho em nossas costas foi um acontecimento importante na época. Provavelmente não existe mais por aqui...





terça-feira, 21 de janeiro de 2014

QUASE PASSAM POR CIMA DE MIM

                                               O ATOR FAMOSO

         Quando resolvi escrever as Histórias do Quase, achei que a do dardo lá no colégio, tinha sido o primeiro “Quase” importante de minha vida. Mas  lembrei de outro quase que não foi tão por pouco, mas também foi quase.   Então lá vai, uma estória que se passou em 1954... faz tempo, não?!
         Meus simpáticos e desocupados leitores devem estar imaginando que nessa época eu era bem jovem. Com certeza... eu era um menininho, só não vou contar minha idade, porque... sei lá, estou quase perdendo a conta!
         A trepidante estória que vou contar passou-se em Salvador, durante um congresso de cardiologia. Eram eventos muito badalados, patrocinados por grandes laboratórios farmacêuticos e outras entidades que davam bons descontos aos congressistas, com farta programação social para distrair as famílias dos médicos participantes.
         Meu pai já era um cardiologista bastante conhecido, e lá fui eu no mês de julho, durante as férias, com papai e mamãe, numa viagem inesquecível, cheia de surpresas e eventos inusitados.
         O primeiro lance, foi a viagem de navio, que ainda era um meio de transporte bastante utilizado na época. Os grandes aviões quadrimotores eram uma novidade, mas uma viagem num navio de passageiros era algo muito divertido e charmoso, desde que não fosse lá na terceira classe.                
            Existia uma empresa portuguesa, a Companhia Colonial de Navegação que tinha dois lindos transatlânticos, feitos na Bélgica, que faziam a Rota do Ouro - Lisboa, Rio, Santos, Buenos Ayres - . Eram o Vera Cruz que nos levou, e o Santa Maria, que nos trouxe. Anos depois, o Santa Maria ficou famoso por ter sido sequestrado por rebeldes portugueses, comandados pelo capitão Henrique Galvão, que virou herói.
         A primeira coisa engraçada ocorreu, logo após a partida. Ao que parece a classe em que viajávamos não tinha camarotes para três pessoas, e assim meus pais ficaram numa cabine e eu fui parar numa outra com um senhor bem velho. Evidentemente nem eu gostei de ter que passar três dias num quarto com um velho e provavelmente menos ainda o pobre ancião que se viu na companhia de um garotinho... Quando entrei na cabine, o velho já tinha escolhido a cama, o pedaço do armário, o lugar de tudo e eu lentamente enfiei minha malinha nalgum canto e saí para dar uma volta e ver o fabuloso navio.
         Deslumbrado pelo ambiente naval fui perambulando, entrando por corredores, abrindo portas com estranhas fechaduras e grampos para prendê-las abertas, corredores inclinados, janelas redondas, cheiro de navio por toda parte. Tombadilhos de cimento apoiados em estruturas metálicas, passarelas de madeira, escadas inclinadíssimas... Lá ia eu, com uma curiosidade infinita, passeando de lá para cá, quando finalmente cheguei no rabo do navio... a popa. O fim de tudo. Aquela esteira de espuma e a terra se afastando já distante. Nossa!... se alguém cai no mar já era... Havia mais umas pessoas apoiadas na amurada, e a voz no alto falante insistia em dizer para um garoto perdido da classe B (acho que era isso) procurar seus pais.
         Fiquei pensando... como alguém consegue se perder num navio?? é só ir pra frente, ou pro lado... sempre aparece alguém, aí é só perguntar... E lá fiquei hipnotizado por aquela montanha de água se fechando depois da passagem daquele barco gigantesco.
         Finalmente voltei para a companhia do velho, e assim que entrei na cabina ele falou num linguajar do qual mal consegui decifrar metade, algo que ser referia a eu encontrar meus pais numa sala que ele tinha anotado num papelzinho. Acho que eu era bem espertinho, por que cheguei num instante no tal lugar, parecia uma sala de leitura, ou uma pequena biblioteca e assim que minha mãe me viu, deu um grito contido de alegria.
         - Puxa! Onde você se enfiou. Não ouviu a gente avisar no rádio?
         - No rádio?!
         - É.. eles avisaram para o menino perdido vir para cá, já faz um tempão! Por que você não veio??
         - Ué!... Eu não estava perdido! Achei que não era comigo!!!
         Mas a grande surpresa mesmo foi no primeiro jantar. Ao entrarmos no chiquíssimo salão, cheio de espelhos e corrimões impecavelmente dourados, reparamos que havia algumas pessoas famosas além dos médicos conhecidos. Para entusiasmo de mamãe, na nossa mesa estava nada mais nada menos do que o popularíssimo ator Anselmo Duarte, que viajava sozinho. E minha mãe, que adorava artes, música, teatro, cinema e já naquela época conhecia um monte de artistas, entabulou o maior papo sobre... sei lá, um diretor de cinema, um autor dramático, o compositor, e a arte... E o famoso ator muito simpático e sorridente ia levando o papo numa boa. Eu achei fantástico poder conversar com um sujeito famoso como aquele, que acabara de fazer um filme que eu tinha visto no cinema.
         Bem, meu leitor com menos de 40 anos talvez não saiba, mas cinema na época era muito mais popular do que hoje. Em São Paulo havia dezenas de cinemas espalhados por todos os bairros. Eu mesmo morava numa rua onde havia um cinema a uns dois ou três quarteirões e o programa dos sábados e domingos era assistir uma fita. As mocinhas como minha irmã e minha prima, tinham as paredes dos quartos forradas de fotos de artistas e entre elas estava lá a foto do nosso companheiro de mesa! Ali!!... batendo papo com minha mãe e me perguntando coisinhas que os adultos sempre perguntam...
         E assim grudei no homem, e virei o amiguinho do famoso Anselmo Duarte na viajem de navio para Salvador!!!
         Quando chegamos em Salvador ficamos no Hotel Bahia que, nas turvas imagens que sobraram na minha memória, ficava numa praça muito grande e arborizada, mas bastante movimentada. Era um prédio de seus dez andares, com vários salões, anfiteatros e na entrada tinha algo parecido com um mezanino...  uma laje, naquele estilo de lajes curvas, usadas na época, onde as pessoas ficavam lendo seus jornais, revistas, batendo papo, esperando alguém...
         Acontece que, lá em Salvador, junto com o congresso de cardiologia estava rolando um festival de cinema nacional e um monte de atores famosos estavam hospedados lá, inclusive meu amigo Anselmo Duarte, e a atriz com quem fez par romântico num dos filmes que estreavam no festival... nada mais nada menos do que a deslumbrante Tonia Carreiro, com quem andei de elevador, absolutamente embasbacado!!!...
         Na frente do hotel, uma multidão absolutamente endoidecida, era contida a muito custo por cordões de isolamento, querendo ver de perto, mandar beijinhos, pedir autógrafo, tocar em seus ídolos, e havia  uma turma que se deixassem atacava mesmo.
         Um belo dia eu entrei no elevador para descer e encontrei com meu velho amigo Anselmo Duarte, que sempre me cumprimentava alegremente... Estávamos só nós e o ascensorista que desceu diretamente até o térreo. Acontece que ao sairmos do elevador a multidão viu seu ídolo e se arremessou insanamente saguão do hotel a dentro.
         Eu parei estarrecido com aquela avalanche que vinha em minha direção, mas o Anselmo, me agarrou pelo braço e praticamente me arrastou para dentro do elevador e gritou para o ascensorista.. Sobe! Fecha a porta!
         Mal deu tempo... ainda ouvimos murros nas portas e aquela gritaria desvairada...
         Quase que fui pisoteado pelas fãs do grande ator.
         No meu curriculum deveria constar. 1954 - Salvo por Anselmo Duarte – Salvador – Bahia!
         

       **Infelizmente, nunca mais encontrei com essa grande figura do cinema nacional, que foi ator em lindos filmes da Vera Cruz, como Tico-tico no fubá, onde foi Zequinha de Abreu. Fez também o papel de um advogado abolicionista, que contracenava com a lindíssima Eliane Lage, talvez a atriz mais bonita do nosso cinema.
       Anselmo Duarte dirigiu um filmaço -   O Pagador de Promessas -     baseado num texto do grande Dias Gomes,  ganhador do Festival de Cannes. Um filmaço mesmo! Vale a pena ver, ou rever!! Um filme muito bem feito!!!  Roteiro, edição, direção de ator, fotografia, música... é um marco da cultura brasileira!!!
         Anselmo Duarte morreu velhinho, meio esquecido... há pouco tempo.

         

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

mais um quase...

                                 OS EXTRATERRESTRES NO REVEILLON


         Era final de 2008, eu estava meio deprimido, como sempre acontece nas festas de fim de ano. Era a primeira vez na minha vida que estaria longe de todos meus filhos, e por mais que enfiasse na cabeça que era uma data como outra qualquer, estava bem chateado... Talvez devido a essa depressão temporária fui atacado por um belo resfriado, fato que levou a Laura, uma moça que fazia uns bicos no meu restaurante, dar uma passada em casa na noite de Natal . Não vou entrar em detalhes das visitas da Laura nesse fim de ano, mas o fato é que acabamos tendo “um caso”. Mas sua primeira visita, tão prestimosa, com salgadinhos e bolinhos, terminou de uma maneira um tanto insólita.
         Já era quase meia noite, quando ela saiu para a ceia de Natal com sua família.  Ao sairmos para o jardim da frente de casa havia um céu estrelado raramente observável numa cidade praiana. Uma grande árvore impedia a entrada da luz do poste da rua, e o brilho das estrelas nos deixou deslumbrados. Parei extasiado com aquela visão do infinito, e meu olhar foi atraído por umas duas ou tres estrelas bem sobre nossas cabeças, que cintilavam exageradamente, e me pareciam como se fossem duas. Perguntei para a Laura se ela estava vendo o mesmo que eu, e ela disse que sim. Nessse dia ela, querendo me agradar ao máximo, simplesmente concordou com tudo que eu perguntei.
         Fiquei tão intrigado com o  cintilar daquelas estrelas que, na falta de uma luneta, ou binóculo, coloquei uma tele-zoom, na minha portentosa Nikon D 90 recém adquirida. Fotografei, e para meu espanto, ao ampliar a foto ao máximo no próprio visor, apareceu algo semelhante a um cesto luminoso colorido. Intrigadíssimo com a imagem que a estrela produzia, despachei a coitada da Laura que saiu bem frustrada por ter sido substituida por um equipamento fotográfico.
         Bem... mesmo assim me lembro que o beijinho de despedida no rosto foi acompanhado de um abraço um tanto quanto prometedor, um tanto quanto encostado demais. Um abraço e tanto...
         Mas assim que Laura se retirou peguei meu super tripé e com a máquina solidamente apoiada refotografei melhor as tais estrelas escandalosas. E havia duas delas que produziam uma imagem estranhíssima ao serem ampliadas... uma espécie de balão pendurado por cordas luminosas, tudo muito colorido, tudo translúcido... no aumento máximo que o visor da câmara permitia antes da imagem se transformar naquele monte de quadradinhos.
         No dia 27 e principalmente no dia 28, no começo da noite o fenômeno se repetiu e mais uma vez fotografei.   As fotos de algo muito brilhante que parecia estar no lugar de Venus, mostravam essa estrutura complicadíssima, algo que parecia ser feito de tubos luminosos, mas sem uma borda definida. Apareceu uma vizinha meio desmiolada, que imediatamente começou a contar inúmeros casos de pessoas que viram estranhos objetos nos céus dessa região, e que tinha um que foi perseguido pelas luzes e ficou meio pirado, e por aí a fora...
         Nessa noite, cheguei a ligar para meu velho amigo Jorge que estava em Angra dos Reis, aqui pertinho, em baixo de um céu muito parecido, e até fiquei meio bravo com ele que deu uma olhada no céu e não viu nada.
         - Pô meu, tem uma perto do poente e outra ao lado das Tres Marias, um estrela cintilando, não é possível que vc não esteja vendo....                            
     O Jorge desligou, foi lá  procurar as tais estrelas no céu. Pouco depois retornou a ligação.
         - Olha, aqui não tem nada. Vou assistir minha novela... depois você me liga..
         - Caramba, Jorge. Aparece uma coisa dessas no céu e vc vai ficar aí vendo novela. Está bem... Não viu nada além de estrelas... Valeu... é... vai lá... Tchau.
         O tempo fechou e nunca mais apareceu um céu noturno tão brilhante, nesta cidade que tem um clima muito chuvoso e por receber ventos marítimos constantes tem céu sempre um pouco nevoento, pouco favorável para observações noturnas.
         Mas a Laura e a vizinha doidinha espalharam a notícia e várias pessoas apareceram no meu restaurante contando os maiores lances. Ouvi cada história!!!... contadas por pessoas muito sérias e aparentemente normais. Eu, que nunca acreditei em disco voador, tentava descobrir uma explicação mais ou menos razoável para o fenômeno, que nunca mais se repetiu. Poderiam ser balões meteorológicos, mas se fossem balões,  deveriam estar altíssimos por que foram fotografados por volta das vinte e três horas, ou então deveriam ter luz própria pois apareciam extremamente luminosos., coisa pouco provável, 
         Apareceu um conhecido, um físico aposentado da USP, que depois de muita conversa chegou à conclusão que realmente o que eu havia fotografado não era um objeto celeste natural.
         Coloquei as fotos no orkut, super popular na época, enviei e-mails com as fotos devidamente ampliadas para um monte de gente, amigos, conhecidos... mandei um longo email a para a FAB, e até para uma entidade que pesquisa e analisa eventos sobre o assunto. A FAB ignorou, mas os ufólogos acharam o relato interessante, porém disseram que nada havia nas fotos que provasse que aquelas imagens estavam no céu. Procurei um primo, com quem tenho pouco contato, pesquisador do centro de pesquisas espaciais, que me disse não ter havido nenhuma pesquisa com balões meteorológicos nesse período. E também nenhum fenômeno luminoso desse tipo havia sido observado...
         - Mas, é o seguinte...  Fique sabendo que existe um bom número de casos de ovnis sem explicação e tem muita gente séria achando que até poderiam ser alienígenas.
           O fato de pessoas sérias e com conhecimento científico muito bom, acharem que havia uma possibilidade de eu ter fotografado objetos vindo de outros mundos, me levou a admitir essa hipótese, mas sempre com uma certa relutância. Procurei e vi vários filmes e documentários sobre extraterrestres, a maioria um besteirol impressionante, mas no meio desse monte de loucuras haviam uns poucos casos muito bem documentados e seriamente analisados, que deixavam sem resposta a pergunta... afinal o que foi que nós filmamos?...  Nenhuma explicação científica explicava o registro das luzes, dos resíduos brilhantes e de coisas similares. Não eram produzidos por entidades ou fenômenos conhecidos neste nosso planetinha.
            Aí então....
            Aí então, montei uma bela teoria...
         Ubatuba seria um ótimo lugar para alienígenas estacionarem suas naves gigantescas, carregadas de instrumentos de pesquisa para analisar nosso mundo, porque fica entre duas das maiores aglomerações urbanas do planeta. Por outro lado seria difícil as naves serem observadas pelos terrestres, pois é um lugar pouquíssimo habitado, tem céu quase sempre encoberto durante as noites, e pouco tráfego aéreo.     
         Bem...  acontece que estávamos perto do  Réveillon, com certeza uma atividade muito intrigante para possíveis visitantes interplanetários!! Como nessa época do ano, sete dias depois do solstício, sempre ocorrem coisas estranhíssimas aqui na Terra, eles resolveram fazer uma expedição... estacionaram as naves aqui em cima para tentar entender os picos de dispersão energética que sempre ocorrem no meio dessa  noite especial, a sétima depois do solstício. Afinal as noites normalmente são o período onde os habitantes deste planeta tem suas atividades minimizadas. Porém, nessa estranha noite as populações abandonam seus casulos e se reúnem em aglomerações gigantescas para absorver grandes quantidades de energia sonora e luminosa. Ao mesmo tempo os sistemas de comunicação por ondas eletromagnéticas apresentam um enorme aumento de atividade. 
        Acho que seria mais ou menos assim que eles teriam descrito os fogos e o monte de gente grudado nos celulares, tablets, ipods, mandando toneladas de gigabites de beijinhos.
         Mas a vida continuou aqui na Terra...  Fui operado, mudei de restaurante, parei de sair com a Laura, mas a estória dos ovnis continuava na minha cabeça.
         Alguns meses depois, num belo dia, ou melhor numa bela noite, acordei quando estava quase amanhecendo, fui até o meu escritório que tem uma vista maravilhosa para toda a enseada de Ubatuba... em direção ao leste dá para ver a Ilha Grande  e  várias montanhas mais além.
         E lá estava uma daquelas estrelas cintilantes... muito brilhante, mudando de cor desvairadamente.
         Catei a máquina bati uma  foto lá da janela mesmo e dito e feito... apareceu a  tal estrutura em forma de cesta luminosa. Peguei meu imenso tripé, fui até o calçadão da praia e comecei fotografar. Mas reparei que a cestinha não aparecia quando eu fazia o foco olhando pelo visor. Só aparecia quando o foco era feito girando o anel de focalização até o limite. Apontei para luzes artificiais, de postes e casas distantes, focalizei e a estrutura não aparecia. 
          O amanhecer foi maravilhoso... fiz uma série de fotos realmente estonteantes com nuvens furta-cor, barquinhos e tudo o que um céu desses tem de lindo maravilhoso.
         E parei embevecido... era um céu... Era um céu, demais!
         Mas a astronave estava na posição de Vênus quando é chamada de estrela Dalva. A estrela da manhã... do alvorecer.
         E por que as fotos às vezes mostravam aquela coisa, e em outras era só uma bolinha de luz?... Nesse ponto do céu, nessa hora da manhã, minha astronave poderia muito bem ser Vênus, pertinho do horizonte.
         Era uma quinta feira, um dia bem trabalhoso porque de noite tinha música ao vivo no meu restaurante, e assim que o pianista João Cláudio chegou, contei para ele o que tinha visto.
         - Olha, Dario... deve ser Vênus. Acho que nessa época ela aparece ao amanhecer.
         A noite estava clara e lá onde deveria ter aparecido a astronave não havia nada.
         - Caramba, João! Ou os etês foram embora, ou aquilo era Vênus mesmo! Vou pegar a câmara e vou fotografar a estrela mais brilhante do céu.
         Coloquei a câmara no tripé ajustei tudo, chamei o João e fomos para o jardim da praia.
         - Olha Dario fotografa aquela... é a Alfa não sei das Quantas.
         - Mas.. você sabe o nome das estrelas?
         - É, até estudei um pouco... Tenho certeza que ela é a... e disse o nome da estrela.
         E não deu outra. Quando virei o anel de focalização até o fim e fiz a foto, aparecia o misterioso balãozinho no visor da câmara.
         - Caramba! Vou fotografar a mais brilhante do Cruzeiro do Sul... 
          E novamente lá estava minha astronave!!!
         - Uma distorção, João!!. Um tipo de aberração cromática que a lente produz quando o foco passa do infinito!!! Olha só, olha aqui como o anel de focalização gira um pouco mais, além da posição do infinito.
         E o João ainda brincou...
         - É Dario você fotografou mesmo um Ovni... um Ovnikon!!!
       E poucos dias depois, apareceu um navio que ficou parado aqui na frente até escurecer. Só para ver o que acontecia, fiz as fotos girando o anel até o limite, e... Na popa do navio!!!... as luzes mais fortes da popa eram uma coleção de astronaves!!!!
         Liguei pro João para contar...
         - João, o navio que ancorou aqui hoje estava cheio de Ovnikons!!!
        


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

a festa de casamento

                                      O CASAMENTO NA ALEMANHA

         A história que vou contar se passou com meu famoso amigo Edward Lugnerinzky Stillinger, no começo da década de 70.
         O Edward ganhou uma bolsa de estudos e foi para a Alemanha, onde sua vida mudou radicalmente, pois foi lá que descobriu sua verdadeira vocação. Mas, apesar de ser um sujeito aventureiro, boa pinta e extremamente simpático, morria de saudade de sua namorada, a fascinante Betanhia, mineira do vale do Jequitinhonha.
         Conheceram-se no último ano da faculdade de arquitetura e logo se apaixonaram passando fins de semanas românticos na chácara de um amigo, lá para os lados da Cantareira. 
       Edward gostava mesmo é de escrever, mas trabalhava num escritório de design e Betanhia (é... registraram o nome da menininha assim, errado mesmo) era desenhista numa construtora, que cresceu rapidamente, vendeu montes de apartamentos e sumiu. Mas o clima da ditadura os oprimia demais, o que levou Edward, que falava alemão em casa com seus pais, pedir e conseguir uma bolsa de estudos na Alemanha. Foi para uma cidade onde havia uma tradição na área de projetos industriais, não me lembro se era Frankfurt, Hamburg, Wurstsenfburg ou... mas era algo relacionado com sanduíche, uma bela coincidência, já que a família da mãe dele era de Bauru...
         Edward já havia publicado algumas crônicas em jornais estudantís, e estava escrevendo para um semanário do ABC. Betanhia apesar de desempenhar uma função quase burocrática no seu emprego, adorava vigas em balanço e estava sempre a inventar estruturas gigantescas provavelmente impossíveis de serem construídas. Ela era, no mínimo, um tanto despirocadinha, sempre com umas ideias meio estranhas...
         Em princípio iriam juntos, mas antes ela resolveu visitar seus parentes, pessoas extremamente conservadoras, de um ramo decadente de uma família que havia sido bastante importante na região atualmente bastante pobre do Vale do Jequitinhonha. Aí a coisa se complicou, porque ela não tinha coragem de dizer que iria morar com seu namorado, mas também não conseguia inventar uma história, uma mentira qualquer. Achava que mentir para os pais daria azar... que o casamento podeira dar errado... que poderia acontecer uma tragédia. Então lá se foi o Edward, sozinho para sua... sei lá o nome da cidade, talvez Cheeseburg. Ele era um sujeito que tinha, e ainda tem, uma capacidade de adaptação incrível. Nunca esquentava a cabeça, tinha certeza que tudo daria certo e partiu pronto para o que desse e viesse. Mas a Betanhia era um mulherão, e Edward começou a ficar com muitas saudades sua linda mineirinha, e escrevia inúmeras cartas apaixonadas pedindo para ela ir encontrá-lo.
         Passado um ou dois meses Betanhia conseguiu convencer a família que ao chegar lá na Alemanha a primeira coisa que faria seria casar com seu amado Edward, que aceitou a ideia de bom grado, já que seus pais haviam casado inúmeras vezes, e como ele tinha uma bela coleção de padrastos e madrastas o casamento para ele era uma formalidade um tanto quanto passageira.
         Betanhia chegou lá em Wurstsenfburg  (ou Fleishwurstburg) com um monte de papeis para casarem no consulado brasileiro da cidade. Acontece que o cônsul efetivo estava de férias e o vice-cônsul que o substituía viu uma boa oportunidade para dar uma super festa.
         E para surpresa do casalzinho do interior de Minas, assim que acabaram as formalidades burocráticas o local ficou entupido de um montão de gente, a maioria gays, lésbicas e simpatizantes numa belíssima festa para ninguém botar defeito, que ficou falada na região durante um bom tempo.
         Bem, passaram-se vários anos. Edward trabalhou em vários jornais alemães, mandou artigos para publicações alternativas de vários países latino-americanos, e já estava esboçando seu mais famoso livro que escreveu assim que as coisas melhoraram por aqui. Finalmente o casal resolveu voltar para a terrinha natal e como tinham uma boa bagagem vieram de navio, onde travaram conhecimento com um alemão naturalizado brasileiro, que jantava sempre na mesa deles, e conversa vem, conversa vai, lá pelas tantas o Edward contou que morou lá em Bratwurstburger, o outro disse que também passou uns tempos lá, e que havia acontecido uma coisa muito insólita.
         - Lembro que tive que ir ao consulado brasileiro e quando cheguei lá me avisaram que ira rolar uma festa de casamento de uns brasileiros muito importantes.
         - Importante!!?? Importante nada... Era só a gente que estava casando!!! O vice-consul só queria um pretexto pra dar uma festa!!!
         Mas as coincidências desta estorinha não terminam aqui.
         Lá nessa Sandwichburg existe uma das maiores indústrias de artefatos de borracha e similares do mundo, onde o Seu Fritz Stillinger, o pai do Edward, que era um técnico extremamente competente nessa área de borrachas, estava desenvolvendo um importante projeto. 
          Seu Fritz, um homem muito charmoso, bem conservado, saiu para jantar com uma amiga alemã, e foi parar num bairro não muito bem frequentado. Na saída do restaurante, ao entrar no carro foi abordado por dois pouco simpáticos meliantes que pegaram sua maleta de executivo, a bolsa da amiga, e se mandaram com o carro e todos os documentos do Fritz, que foi parar no consulado só com a roupa do corpo.
         O funcionário, meio mal humorado, ao atendê-lo começa a série de perguntas...  se ele tinha algum parente na cidade... o que fazia lá naquele lugar... se sempre andava assim de madrugada... se... Finalmente pede o nome completo do Seu Fritz.. De repente, o escrevinhador um tanto desconfiado parou, ficou pensando e...
         - Olha eu já ouvi esse sobrenome... Espera aí!!! Me lembrei! Foi numa festa de casamento que deram aqui para uns artistas brasileiros, a maior festança, foi incrível!  Justamente... o noivo tinha esse nome!
         - É isso mesmo!! Meu filho casou aqui! O Edward!!! Mas a festa foi assim, tão... ??
         Só que o funcionário ficou mais desconfiado ainda. Pediu o nome dos noivos, mas o Seu Fritz não sabia direito o nome completo de sua ex nora, nem a data exata do casamento.
         - Olha moço... já se passaram uns dez anos, Edward e Betanhia tiveram um casal de gêmeos, já estão separados...
         Finalmente o homenzinho ranzinza acaba concordando em fazer os documentos novos, mas dispara a pergunta...
         - Mas, por que tinha tanto gay naquela festa??? Uma moça tão bonita... casar com um gay???!!!
               - Mas meu filho?! Gay?