terça-feira, 30 de setembro de 2014

mais Rothko project

...em 1981 participei de uma exposição no Museu de Arte Contemporânea, intitulada FOTO IDÉIA...
...  e, agora passados mais de trinta anos tento tirar a "ideia" de minhas fotos!
















terça-feira, 10 de junho de 2014

A AULA DE ILUMINAÇÃO

                            A AULA DE ILUMINAÇÃO

      Eu já havia dado umas aulas no curso livre de cinema da escola que era considerada uma das melhores do Brasil na área das artes. Acabara de voltar de uma frustrante viagem de estudos na França, onde percebi que o universo científico acadêmico não era muito a minha vocação. Gostava do trabalho de campo, da coleta de dados, daquela coisa meio aventureira dos antigos naturalistas, que se embrenhavam no meio da natureza à procura de algo inusitado. Mas as estatísticas e as computações já estavam tomando conta. Qualquer trabalho tinha que estar recheado de estatísticas e fórmulas, matemáticas, bioquímicas ou biofísicas, o que significava horas e horas sentado numa sala.
      Uma outra atividade me fascinava. Era o mundo da fotografia e do cinema... a captação de imagem para contar estórias de um jeito que apenas eu  poderia fazer. Essa coisa sedutora que é a criação artística... única e eterna.
      Montei um pequeno laboratório fotográfico, juntei todas economias, comprei uma câmara de primeiríssima qualidade e comecei a fazer meus trabalhinhos, com uma certa dificuldade de encontrar um mercado que não fosse ligado à publicidade, da qual eu fugia por questões ideológicas.
      E foi assim, por causa de um conhecido de minha irmã, fotógrafo profissional, que me passou umas aulas de uma turma que achava muito chata, que comecei a dar aulas de fotografia num curso livre de cinema.
      Depois de uns dois anos como professor, acho que finalmente aprendi a dar aulas, coisa que parece fácil, mas na hora agá quando a gente tem que falar para um monte de pessoas desconhecidas... e dar um jeito de fazê-las entenderem, mesmo as que não querem, aí a porca torce o rabo, como dizia meu tio...
Bem, acontece que a empresa em seu processo de crescimento acabara de criar uma faculdade de Artes plásticas. Foi quando me convidaram para dar aula na faculdade, porque precisavam de professor com pós-graduação e eu já tinha mestrado. E aí a coisa ficou mais séria. Era curso registrado no ministério da educação, numa escola estruturada com departamentos, diretorias, diplomas concorridos e eu lá... professor titular.
Nos primeiros anos foi interessante, tive até que estudar, preparar aulas, bolar trabalhos atraentes, interligados com outros cursos... Além disso entre os colegas professores havia artistas plásticos muito bons, com os quais comecei a fazer amizade. Aos poucos passaram a frequentar minha casa, e me ensinaram muito sobre  artes. 
A escola continuava a se expandir. Abriram uma faculdade de comunicações e lá fui eu dar aula de fotografia em mais um curso.
O setor de fotografia e cinema ficava num estranho prédio projetado para ser  museu, estilo neo clássico, com dois andares de pé direito altíssimo. As aulas eram dadas no andar de cima que basicamente era um corredor com salas de aula, dos dois lados, e no fundo ficavam os laboratórios. Uma das salas perto dos laboratórios havia sido transformada em estúdio, com luzes e fundo infinito, que dava diretamente para o enorme corredor.
Um belo dia, entrei no estúdio para dar aula de iluminação para uma turma de que só tinha alunas, e sempre algumas moças eram bem bonitas. 
Eu nessa época era recém casado, e acabara de ter meu primeiro filhinho, mas apesar de não estar interessado em aventuras extra conjugais, não poderia deixar de reparar nas beldades que giravam ao meu redor. Nessa turma havia uma garota muito interessante, de uma beleza realmente rara. Era muito discreta, vestia sempre um jean e uma camisa social branca bem solta sem nada que pudesse chamar atenção. Usava constantemente óculos de aro grosso, falava pouco, e principalmente nunca praticou aquilo que eu apelidei de galinhagem esportiva, esporte predileto de algumas alunas (em geral as mais medíocres), que consistia basicamente em deixar o professor alvo a fim delas. 
A Bionda estava sempre acompanhada de uma outra colega, um pouco mais velha, que parecia uma espécie de tutora. Mas apesar de seu comportamento recatado e desse disfarce todo, eu, possuidor do olho fotográfico, percebia a beleza impar que se escondia por traz daqueles óculos e dos trajes um tanto quanto desleixados.
            Nesse dia, era a primeira aula de iluminação no estúdio. Para começar, falei um pouquinho da importância das luzes nos retratos... aquela coisa toda... E chamei aquela formosura para sentar num banquinho, enquanto mostrava os efeitos que cada tipo de refletor produzia,  sobre o rosto dela que pacientemente aceitou seu papel.
         Acende um, acende outro, estão vendo aqui o que acontece... olhem só a luz no cabelo.. o formato do rosto, a sombra. Às vezes eu me colocava no lugar dela para ela ver o que a luz fazia... e assim a coisa estava rolando. 
         Mas havia um certo zum zum na sala... alguns risinhos, comentários. Eu achei que, provavelmente já ia começar rolar fofocas. Naquela época, eu era uma cara até bonito e... o professor... aquela coisa toda...
         - Bom gente!...agora chega de explicação e vamos fotografar!... A gente começa fotografando a Bionda que já está aqui e depois outra toma o lugar dela pra ela também poder fotografar. E virei para a formosura dando minhas instruções:
           - Olha. Agora você vai tirar esses óculos, e... não vai ficar aí desabada no banquinho. Tem que dar uma levantada... uma empinada no corpo. E... olha para a câmara. Lá está alguém que você vai seduzir, jogando charme... é o cara que você quer conquistar. É para ele que você vai olhar. Dá uma caprichada...
         E aí o zum zum aumentou. Algumas riram. Mas a moça tirou os óculos, passou a lingua sobre os lábios e...
             - Tcham!
- Tcham!!!... Tcham, mesmo!!!   Uau! Uau!... 
Parecia que tocaram nela com uma varinha mágica.. 
E eu só pensando... Uau! Caramba!! O que é isso!!! Essa menina realmente é muito bonita!
Mas... me concentrei no papel de professor e comecei orientar a turma que fotografava, abertura, tempo... tripé.. faça assim, segure, vire... Mas confesso que fiquei um tanto quanto fascinado por aquela aluna que, sentada no banquinho, ia se divertindo muito enquanto fazia suas lindas poses para suas colegas, que também estavam bem risonhas. Era realmente de uma beleza, um charme... e eu ia dando minhas instruções, mostrando o efeito de cada luz...
Nessa época eu tinha um amigo músico, super paquerador, que sempre aparecia fim de minhas aulas, que tinham essa característica de sempre serem teóricas no começo e práticas na segunda parte. 
Era mais ou menos comum ele passar nas últimas aulas para irmos almoçar juntos. Dava uma olhada na sala, fazia um sinal e ia se enfiar no laboratório onde tinha um outro amigo que trabalhava lá.
             
            Nesse dia o camarada passa, diz oi e me chama para a porta.           
              - Caramba! Como está ficando chique esta escola.
- O que foi? Perguntei.
- Olha aí, meu!!!... aula de iluminação com a modelo mais bem paga do Brasil!!!
- O que!?? Que história é essa?? Essa menina é aluna!!!
         Aí o pessoal que ouviu começou a dar muitas risadas, e a moça olhava pra mim e só a balançava a cabeça... também rindo de minha cara de espanto.
          - Meu... ela é não se chama Bionda? perguntou meu amigo.
- É, isso mesmo... como você sabe?
            Então, cara ... se liga! É a Bionda Fiorentino. É o que dá... Casou, teve filho e foi morar no meio do mato.  
             - E o pior é que nem tenho televisão...


          A turma ria muito. Meu amigo foi dar uma voltinha e eu um tanto quanto desenxabido, ainda perguntei se era verdade. E era mesmo.
        Então pedi desculpa para a famosíssima Bionda Fiorentino, que estava aparecendo em tudo quanto é capa de revista, porque havia sido contratada para um papel importante na televisão
         Imaginem, minhas queridas e meus caros leitores... eu explicando para a super top model, como fazer para ficar bonita na foto!!!!

    *** Tal fato realmente se passou. 
           Muitos anos também se passaram. 
          Fiquei na dúvida se colocava o nome verdadeiro da linda aluna, que realmente se transformou numa atriz muito renomada. Atualmente não aparece muito, mas quando aparece, sua beleza ainda é notável. Acho que, pelo menos por razões éticas, teria que pedir licença para ela, o que seria bastante complicado.
        Achei melhor juntar o nome de duas atrizes italianas e inventei a Bionda Fiorentino... belo nome. Acho...
      Agora ao terminar de escrever, fiquei pensando... Alguns leitores deste meu blog são artistas, outros são ligados ao mundo das artes. Quem sabe...? Talvez.... 
          E se ela por acaso ler minha estória???... Será que vai se lembrar??? Vai gostar do texto??? 
           Eu realmente gostaria muito que tal fato ocorresse...





        




sexta-feira, 16 de maio de 2014

EÇA DE QUEIROZ

           Echos de Pariz

       No meio de minha última mudança de casa, achei umas velhas edições de uns livros do maravilhoso Eça de Queiroz. Alguns estavam em estado lastimável e foram pro lixo, mesmo porque tenho em edições mais modernas. Mas resolvi reler os que estavam em melhores condições, e ler Eça em ortographia antiga fica ainda mais saboroso.
         Vou brindar meus sábios leitores e leitoras com alguns trechos de um volume de chronicas, intitulado “Echos de Pariz,” onde ele fala do Sião que hoje corresponde mais ou menos ao atuais Laos e Tailandia.
 As marcas no texto foram feitas por meu pai... os livros eram dele. Na primeira página tem a assinatura e a data...  era um moço de 23 anos













terça-feira, 8 de abril de 2014

MUDANÇA

a mudança                                        


         As coisas por não deram muito certo em Ubatuba e fui forçado a mudar para uma casa que comprei para reformar e vender. Apesar de ser uma casa bastante razoável para um velho solitário morar, uma mudança não era o tipo de atividade com a qual eu gostaria de estar gastando minhas energias. Mas não vou aborrecer meus e minhas elegantes leitores(as), com lamúrias. 
           Ao invés disso, vou contar a mudança insólita de meus pais, que naquela época tinham mais ou menos a idade que tenho agora, mas meu pai, estava com a saúde bastante debilitada devido a invasão do mal de Parkinson, que o deixava muito lento e um tanto quanto confuso. 
          Eles estavam saindo de uma linda e espaçosa casa no bairro do Pacaembu em Sampa, para ocupar um apartamento num lugar muito bom, mas bem menor, e me pediram para ajudar no processo. 
           Eu curtia muito meus pais, e lá fui dar uma força, com minha segunda mulher, a Helô, que se dava muito bem com a sogra. 
      E acabou sobrando para nós dois praticamente toda a responsabilidade de fazer a coisa funcionar. 
           Meus pais, que estavam muito bem financeiramente, contrataram uma grande empresa de mudança, dessas que fazem tudo... tiram, embalam, encaixotam, colocam... Mas minha mãe era uma grande colecionadora de discos, livros e montes de estranhos badulaques de tudo quanto é tipo. Desde estatuetas de cerâmica artesanal até pinturas e esculturas de artistas bastante conceituados. 
          Assim que chegou a equipe super forçuda, minha mãe, se mandou para o novo apartamento e simplesmente desapareceu do mapa. E naquela época nem sonhávamos com a possibilidade de algo parecido com um celular. Então ficamos eu, meu pai, e Heloisa, com seus vinte e poucos aninhos, tentando controlar a sanha empacotadora dos delicados carregadores. 
           E... lentamente caixas e mais caixas se amontoavam no meio da sala, tão chique, num processo que estava demorando muito mais do que o previsto. Lá pelas tantas, depois de uma pausa para o almoço da equipe, aparece um meu sobrinho, todo esbaforido, dizendo que a vovó estava muito impaciente porque a mudança já deveria ter chegado. Quando ele viu o tamanho da encrenca só conseguiu dizer um “nooossa... será que isso termina hoje?” 
           Ao ouvir o questionamento do moço, as feições dos nobres funcionários carregadores assumiram um ar nada amistoso, deixando o ambiente um tanto quanto desconfortável. 
         Meu pai, que além do Parkinsons estava com algum processo de perturbação mental, que talvez fosse o, então pouco conhecido, mal de Alzheimer, instalou-se numa poltrona que estava bem no meio da sala e de lá não saiu mais, até que toda sua vida estivesse empacotada dentro do gigantesco caminhão estacionado lá na frente. 
          Bem, finalmente, ao entardecer paulistano, o monstruoso veículo colocou-se em movimento e nos deixou no vazio total. 
        Ao sairmos, papai parecia um tanto quanto fora do ar, e sentou-se no banco traseiro do carro, coisa que raramente fazia, e lá fomos nós para o apartamento, situado numa ruazinha a um quarteirão da av. Paulista, pertinho da Pamplona. Ou seja num dos lugares mais movimentados de nossa querida pauliceia desvairada, no princípio do horário de maior movimento. 
       Quando chegamos no apartamento levamos a maior bronca de minha mãe, mal humoradíssima, porque era muito tarde e tinha ficado horas sentada num caixote, e queria saber se não tinha nada quebrado... e nada do caminhão chegar...  e...
           Como  telefone ainda não estava instalado lá fui eu para a casa velha ligar para a empresa. 
        Então a notícia terrível: 
       - O caminhão quebrou! 
       - Quebrou? - 
       -  Mas o que quebrou? Onde ele está? Vai demorar para consertar? 
        - Quebrou uma cruzeta... – e falou onde o monumental veículo estava parado com todo aquele mundaréu de coisas... 
       - A cruzeta!!?? E agora.. vai demorar muito pra trocar essa cruzeta? 
      - Olha meu senhor, nosso mecânico já foi embora e agora só amanhã! 
     - Amanhã????!!! Impossível! Naquela subidona enorme? E como meus pais vão fazer? Onde eles vão dormir? 
       A cruzeta, para quem não sabe, é aquela coisa que fica lá embaixo da “barriga” dos caminhões, onde tem uma espécie de cano que gira levando a força do motor às rodas traseiras. Cruzeta (na realidade são duas, uma em cada ponta do eixo) é a peça que liga o motor a esse eixo que faz o mastodôntico caminhão se movimentar. 
         Para os leitores que conhecem a coolossal metrópole paulistana, o local é uma subida muito íngreme, ao lado do cemitério do Araçá, que termina num farol, onde todos os carros queimam a embreagem, quando o sinal fica verde. Naquela época era um lugar muito complicado, porque o sinal abria um tempo curto demais e a subida era um martírio para qualquer carro, com qualquer motorista. Imagine então, meu desocupado leitor, para um caminhão de mudança king size... dos grandes, carregado com todas as preciosidades do casal Chiaverini. 
          E... começou minha discussão com o suposto gerente da empresa, tentando inventar uma desculpa e eu dizendo que com certeza a cruzeta era velha e que o caminhão provavelmente estava sem manutenção e o fulano lá pelas tantas me disse que até avião cai. Aí eu gostei do argumento e disse para ele, que quando cai um avião o mundo inteiro fica sabendo e que então eu ia chamar a televisão os jornais os rádios e a notícia ia se espalhar e a empresa ia levar o maior prejuízo, e... 
          O cara se apavorou e resolveu mandar um guincho. 
            - Mas que guincho vai carregar um caminhão com um monte de toneladas?         
      - Não se preocupe, temos um guincho que já levantou uma locomotiva. 
       Bem... eu pensei... com certeza uma locomotiva pesa mais que toda a sabedoria e cultura de meus pais...  
         Eu não assisti a operação do guinchamento, mas deve ter sido absolutamente fantástica. Meu sobrinho levou os avós para passear nas proximidades, e fiquei ansiosíssimo juntamente com Helô no apartamento imaginando a confusão que a operação ia causar no trânsito. 
       Finalmente depois de umas duas horas ouvimos uma fantástica buzinação lá embaixo, e vimos o gigantesco caminhão atrelado a um não menos gigantíssimo guincho obstruindo completamente a passagem, o que desencadeou uma verdadeira orquestra de buzinas, que só acalmou porque os donos dos carros parados aos poucos foram abrindo espaço para o inusitado comboio conseguir encostar num dos lados da ruazinha. 
        E assim, quando me lembro dessa mudança, fico mais resignado com minha atual tarefa de transferir o monte de tralha (algumas delas estiveram presentes naquela rocambolesca peripécia) que acumulei nesta rápida passagem por este mundo.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

dois lindos filmes

Duas amigas minhas me recomendaram dois filmes.

Interessante é que foi em dias diferentes e acho que as pessoas nem se conhecem.
Mas os dois filmes são sobre a morte (e portanto sobre  vida)


Um é um filme japonês traduzido como "A Partida", mas na legenda do filme aparece Partidas.

Um filme de Yojiro Takita com Tsutomu Yamazaki, Kazuko Yoshiyuki : Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki) é um violoncelista ( toca tchero), mas a orquestra acaba e o moço fica sem emprego. Cata sua linda esposa e vai morar numa pequena cidade e acaba arrumando o emprego de maquiador de defuntos. Pode parecer meio tenebroso, mas não é. Tem até alguns lances cômicos, mas ocorrem momentos bem tristes. Mas o filme é lindo! As personagens são muito humanas. E fica uma reflexão sobre a vida...


acho que o que usei pra baixar foi esse link

http://torrentus.to/9f582670b4baf3ccbe0ff8f57111cedc418e1040-a-partida-dual-audio-dvdrip-xvid-ac3-zoras.html

O outro, "a menina que roubava livros" é " um filme alemão onde o narrador é a morte. E "o" morte está muito ocupado (a voz é masculina), por que a história se passa numa pequena cidade na Alemanha durante a segunda guerra.
A menina é adotada por uma família pobre, que logo em seguida abriga um jovem judeu filho perseguido de um velho amigo do pai. 

Os filmes são bem parecidos. O morte, que conta o filme, analisa as atitudes das personagens. E no fim o morte faz uma profunda reflexão sobre a vida. 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

mais músicos... menos violência

            Caro leitor...
            Estamos nos acostumando ver cenas de violência explícita, tanto em obras de ficção, como na realidade. Uma coisa terrível é a banalização da violência que muitas vezes serve de chamariz para filmes, seriados, novelas, e ultimamente existem programas de televisão, onde uma equipe sai acompanhando a polícia ao vivo em atos de violência, arriscando a pele dos repórteres das grandes redes sensacionalistas. Portanto vou  publicar mais uma vez um texto que escrevi há alguns anos e que andou viajando pela net.
                        É o que segue...


            MAIS MÚSICOS... MENOS VIOLÊNCIA


            De todas as invenções intelectuais da humanidade a matemática e a música ocupam um lugar absolutamente especial entre outros meios de comunicação em termos de criatividade.
            Eu me arrisco ao dizer que a música e a matemática são as principais criações do ser humano!!!
            A literatura, ao gravar (ou grafar) as idéias, reproduz a conversa ou o discurso, e o leitor é remetido a algum tipo de significação
            O teatro, uma das formas mais antigas de arte popular, conta eventos reais ou fantásticos, também cria significados que formam representações na mente dos espectadores.
            As artes plásticas: escultura, pintura, desenho, fotografia, cinema e seus derivados tentam representar o que é visto. Mesmo quando os autores procuram trabalhar com elementos que não representam imagens de objetos reais em ficções fabulosas, essas tentativas de ruptura trabalham com códigos e conceitos preexistentes e acabam quase sempre se reportando a algum tipo de representação da realidade exterior.
            Na matemática, mesmo as quatro operações são conceitos abstratos. A álgebra, trigonometria e geometria, o cálculo numérico...  são criações do ser humano, nada disso existe na natureza. Alguns elementos fundamentais da matemática, como reta, plano, números irracionais, e tantos outros, são conceitos criados pelos matemáticos e só existem dentro da matemática. São usados pelos cientistas ao criar modelos para tentar decifrar e explicar o mundo, mas isso não significa que o mundo seja matemático. A matemática está apenas dentro da cabeça do ser que a utiliza, e é totalmente criação do ser humano.
            Na música ocorre algo semelhante, mas provavelmente o grau de abstração é ainda maior. Todos os princípios, todos os códigos e regras são essencialmente musicais. A música não representa nada. (Quando me refiro à música, estou falando da música instrumental, evidentemente a letra de uma canção conta uma estória.)
            Todos os sentimentos que a música provoca, todas idéias que ela sugere se manifestam em imagens puramente musicais. Mesmo quando alguns compositores tentam imitar a natureza como Vivaldi na sua Tempestade no Mar, ou Beethoven também tentando imitar uma tempestade na sua sexta sinfonia, conseguem apenas nos transmitir uma vaga ideia da sensação de estar numa tempestade. A maioria dos ouvintes só vai identificar a tempestade se já estiver preparado e preocupado para reconhecer o trecho onde ocorre a suposta imitação.
            Mesmo a codificação de que tons menores são tristes e maiores são alegres é essencialmente cultural. No oriente os povos árabes, por exemplo, dançam alegremente aos sons das melodias construídas dentro de escalas menores.
            Então, já que não está ligada totalmente a uma representação do exterior humano, a música é por sua própria natureza algo onde a criatividade é absolutamente essencial. Muitas pessoas poderiam perguntar onde está a criatividade quando o pianista se apresenta numa sala de concerto tocando uma peça que já foi repetida por ele milhares de vezes até ficar "pronta". Eu diria que o próprio processo que ocorre no cérebro do ouvinte de transformar uma seqüência de notas, de formar blocos sonoros,  num todo melódico já é algo de extraordinariamente criativo. Mas, o importante, é que com certeza um intérprete nunca conseguirá tocar a mesma peça sempre rigorosamente da mesma forma. E também, a mente do ouvinte sempre a ouvirá e a reconstruirá diferentemente.
Acontece que inventamos o gramofone, depois a vitrola, o gravador de fita, o CD, e os moderníssimos e poderosíssimos sons portáteis a preço de banana, isso sem falar nos potentíssimos amplificadores e caixas de som produzindo megawatts sonoros capazes de atingir quilômetros de distância, e serem percebido por pessoas surdas, que sentem as vibrações fantásticas em suas entranhas.
   Mas o que é mais interessante, e eu diria assustador e lamentável, é que essas invenções aparentemente tão úteis e inocentes, que na suas origens serviram para divulgar e possibilitar que todos ouvissem música, hoje servem exatamente para acabar com a invenção musical!
São milhões de pessoas ouvindo centenas de vezes a mesma música tosca e rústica das paradas de sucessos! Não há dúvida que a música popular tem que ser simples e de fácil assimilação, caso contrário ela não seria popular. Acontece que a atual industria cultural (ver o filósofo Adorno) produz um tipo de música popular que atinge os mais altos graus de mesmice. E os malditos pum, pum-pum, os raps, os funks, psy, trances e congêneres tocados a volumes ensurdecedores estão em todo lugar. Antes era só no borracheiro, agora é no vizinho, no supermercado, no ônibus, no parque, na praça. E nas festas os coitados dos garotos, que não conhecem outra coisa, dançam todos fazendo o mesmo trejeito, na mesma hora, todos com o mesmo gritinho ... iu ú... uau!... naquela mesma parte da canção.
Imagine um sábado à noite. Quantas centenas de jovens numa cidade como S. Paulo dançando exatamente a mesma música! No mesmo ritmo! Todos iguaizinhos. Fazendo o que o maldito CD manda!
Onde está a criatividade? Onde está a invenção?
Então gostaria de iniciar uma campanha, e peço ao caríssimo e paciente leitor que simplesmente divulgue o seguinte:

Toque um instrumento musical!

           Toque simplesmente!
Não importa se tocar mal, mas toque!
Compre um violão para seu filho ( ou sobrinho ou namorada, ou...). Arrume um professor e peça para o garoto (ou garota) cantar e tocar para os colegas e para você. (Os professores de música na sua maioria, gostam muito de dar aulas e cobram muito barato) Um violão simples custa o preço de alguns poucos CDs.
O violão é um instrumento muito interessante pela sua versatilidade. Quando bem tocado pode chegar a níveis de riqueza e complexidade muito grandes, mas por outro lado, com alguns meses de estudo qualquer pessoa já consegue tocar uma quantidade de acordes e ritmos suficientes para acompanhar meia dúzia de músicas e juntar uma turminha para cantar. A flauta doce também é uma opção muito boa. É um instrumento barato e muito fácil de aprender. Com poucas aulas, já é possível tocar algumas melodias simples.
Seu filho (ou namorada, ou sobrinho, ou...), mesmo errando e desafinando vai estar criando alguma coisa ao invés de ouvir pela bilionésima vez aquele som bestial, ou aquela voz esganiçada impostas pelas grandes empresas da industria cultural internacional.         (Aliás, uma coisa que sempre pergunto aos meus amgos músicos... proibiram o uso de melodia???)
Essas corporações internacionais gigantescas necessitam de músicas extremamente simples, verdadeiramente toscas (musicalmente falando), que possam vender em qualquer canto do planeta. E as vítimas são os jovens, que evidentemente vão querer cantar e dançar ao som do que aparece na TV.
Junte os garotos seus vizinhos, e organize ou convença-os a organizar uma bandinha mesmo que você ache meio chato. Nem que seja para fazer uma boa batucada, com todo mundo cantando desafinado.
Eles vão estar criando!
Se você for professor, leve a ideia para sua escola. Se você trabalha numa empresa grande, ou se você frequenta um clube, ou mesmo na turma do boteco... lance a ideia e batalhe por ela. E procure incentivar a turma para tocar os grandes sucessos da música popular brasileira que dão de 400 a zero no que a Industria Cultural Internacional nos obriga ouvir.
Não importa se no começo eles tocarem mal. Pelo menos eles saem da passividade, escapam dos entorpecentes eletrônicos... (depois... aos poucos vão melhorar, com certeza...)      
E... talvez deixem de sair por aí, bebendo, cheirando pó, ou fumando crack, por que fazer música é muito mais divertido, do que ficar escondido num canto ingerindo drogas.
Veja, caro leitor, como a “mass media” joga continuamente no mercado grupos de hard rock, punk, funk que além se serem musicalmente rudimentares e toscos (só conseguem usar três ou quatro acordes) incentivam à violência e ao desrespeito social, muitas vezes com letras e atitudes obscenas.  
A música, principalmente a música instrumental, inspira muita paz e fraternidade entre as pessoas.
A música "enturma" as pessoas, que participam de um evento musical.
Quem anda onde rola música ao vivo, está acostumado que de repente aparece um músico que não é do conjunto para “dar uma canja”. E depois, fica todo mundo contente por que conseguiram tocar junto... mesmo sem se conhecerem!!!!

E quando o ser humano cria, dentro dele se manifesta "aquela" centelha de divindade. Talvez seja por causa disso que muitos pintores do passado costumavam representar os anjos segurando harpas...

            
****Meu texto original (com pequenas modificações) termina aí... com os anjinhos tocando arpas, mas eu gostaria de completar com um pedido aos pais... e aos adultos em geral...

            Exijam que a escola de seus filhos, sobrinhos, e amigos, levem a sério as aulas de música.
Logo depois da segunda guerra mundial, instituíram aqui no Brasil o “Canto Orfeônico”, com participação do grande Villa Lobos, que chegou a reger corais de milhares de crianças em estádios de futebol.
 Eu lembro que nas aulas de canto, no colégio, nós aprendíamos a ler partitura, solfejar, cantar afinadinho... evidentemente era tudo muito simples.
Mas a garotada saía sabendo os rudimentos. Sabiam que música tem compassos, notas, acordes, escalas e principalmente melodias!
            Bem... pouco mais de uma década depois surgiu a Bossa Nova!!
Um movimento de vanguarda, de grande criatividade e ótimo nível técnico que revolucionou a música popular do mundo inteiro!!!
     Isso porque nosso querido Brasil tem uma música popular absolutamente maravilhosa. Muito fértil e variada.
            Ensinar música para a garotada aqui neste nosso amado país é semear em terreno fértil.

                    MAIS MÚSICOS MENOS VIOLÊNCIA!!!!

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

RUTH E RACHEL

                                                   
         Como fazia todas as segundas-feiras, Ronivelton saltou rapidamente do beliche, quase pisando sobre a irmãzinha que dormia em baixo.  
           Desde que vira as gêmeas, famosas no bairro por terem o nome de personagem de novela,  a segunda feira era o dia em que levantava da cama bem cedinho. Saia logo de casa para ver as duas mocinhas indo para o ponto onde apanhavam o ônibus escolar junto com outros jovens do “lado bom” do bairro.
            A mãe, já estava na cozinha apertada, na qual a geladeira e o fogão disputavam o espaço com uma mesa capenga e com a pia coberta pela pouca louça da família. Toda desarrumada e despenteada expelia seu costumeiro mau-humor matinal, reclamando de tudo, principalmente de seu companheiro, que roncava semi-nu exalando tanto álcool que o cheiro já não cabia mais no quarto.
            Ao perguntar se já tinha café, Ronivelton transformou-se no pára-raios de toda a tempestade que estava contida na mãe.  Depois chegou a irmã mais velha, desafiadora e provocativa, que tornou o ambiente matinal mais insuportável. Mas a perspectiva de ver as garotas o deixava completamente impermeável, ouvindo silenciosamente o discurso de sua mãe e as alfinetadas da irmã, fato esse que as deixava ainda mais agressivas.
               Mas hoje era segunda-feira, finalmente.
            A família era do sertão de Minas, mas já tinham morado uns dez anos numa pequena cidade do interior de São Paulo, de onde saíram depois que a mãe fora abandonada pelo marido. Foi morar num subúrbio da Grande São Paulo, num bairro originalmente de classe média, que estava sendo engolido pelas invasões e favelas de blocos dos loteamentos clandestinos, que iam corroendo toda a área de preservação ambiental. Ronivelton ainda lembrava com saudade da casa de tijolos caiados do sítio onde seu pai trabalhava como caseiro. Tinham até umas galinhas e uma rocinha de milho, feijão e essas coisas. Ele ainda lembrava também o choque que foi a mudança para esse bairro com um monte de casas amontoadas, umas ao lado das outras. Mesmo agora com seus quinze anos ainda estranha todo esse barulho de aparelhos de som ligados no último volume, a gritaria na rua, as brigas e os escândalos na vizinhança, os carros passando praticamente dentro do pequeno cômodo usado com a função de sala sempre coberto de uma poeira preta.
            Mas a perspectiva de rever as duas irmãs gêmeas, loiras, todas arrumadinhas indo para a escola...  
           Teve um dia que ficou esperando atrás do muro da esquina e quando elas se aproximaram, veio andando como se nada houvesse, apenas para passar perto delas. Ah, que aroma delicioso... Ainda por cima perfumadas! Um perfume suavemente delicioso, tão diferente daquele cheiro forte e enjoativo das amigas da irmã e da mãe.
           Agora toda a segunda saía mais cedo para ir cuidar do jardim da dona Márcia, que fica na mesma rua onde as meninas moram, só para cruzar com elas e sentir o doce aroma.  Mesmo depois de mexer na grama e cavoucar a terra aquele cheiro maravilhoso ficava o dia inteiro na sua memória.
             O dia inteiro não. Era a semana inteira. Ele chegou mesmo a pedir para dona Márcia se não podia vir mais um dia, afinal um jardim daqueles na casa do doutor Jorge, médico famoso, com carro e tudo merecia um tratamento especial.
            Ronivelton não conseguia saber qual era a mais bonita, estava apaixonado pelas duas, que por sinal eram muito, mas muito parecidas mesmo. Se encontrasse apenas uma de manhã e outra à tarde não saberia dizer se era a mesma. Ruth ou Rachel. Era assim que os nomes estavam escritos no jornal do bairro, que na mais absoluta falta de assunto, publicou a notícia sobre as meninas com o nome de garotas da novela de televisão que ele nunca tinha visto, mesmo porque na época dessa novela ele nem imaginava o que era televisão.
            Finalmente saiu de casa já se deleitando com a visão maravilhosa... e lá foi nosso Ronivelton, a passos apressados, antegozando o doce e inebriante aroma que delas exalava, preparando-se para ficar atrás do muro como quem nada quer. 
            Mas nesse dia, ele ainda esperava ansiosamente as duas, que já demoravam uma eternidade, quando no final da rua surgiu o ônibus escolar. “Puxa, que droga, hoje elas não vem... Acordei cedo a toa”.
            Mas ao virar-se para ir para o jardim de dona Márcia, quase deu um encontrão numa das garotas, que vinham correndo para não perder a condução. A menina teve que desviar num movimento brusco e esbarrou no braço de Ronivelton, chocou-se com a irmã, que quase caiu, mas conseguiram se recompor e dar um sinal ao motorista, que já ia passando direto.
            Ronivelton ficou parado, sentindo ainda o roçar daquela pele tão suave no seu braço. Imediatamente levou-o ao nariz para sentir o doce aroma, e ao dar o primeiro passo para ir ao trabalho esbarrou com o pé numa bolsinha de couro sintético, cor de rosa, evidentemente. Certificando-se que ninguém o observava, num gesto rápido apanhou a bolsa e enfiou embaixo de sua roupa. Voltou correndo para casa e sem que ninguém percebesse guardou a bolsinha no meio da confusão que era a prateleira onde ficavam suas roupas. Ao sair novamente, deu uma desculpa esfarrapada para sua mãe que aos gritos lhe dizia para ir logo para o trabalho.
            Cortava a grama, arrancava o mato, aparava a cerca viva, varria, pensando na bolsinha, imaginando o que haveria dentro. Como esse dia foi comprido! Ronivelton sonhava acordado...
            Assim que acabou o serviço, foi correndo para casa, e deu um jeito de levar a bolsinha cor de rosa ao banheiro quando foi tomar banho, o único momento de sua vida em que ficava sozinho. Sentado no vaso, abriu seu tesouro. A primeira coisa que pegou foi um lenço rendado com aquele perfume, onde mergulhou o nariz. Uns lápis de cor, uma caneta esferográfica super bacana, um estojo de maquilagem com umas coisas estranhas, um baton!... destampou, cheirou, passou sobre o dorso da mão desenhando uma boca na qual deu um beijo.
            - Vai tomar logo essa porcaria de banho ou vai demorar muito! gritou a irmã do outro lado, enquanto dava um soco na porta.
            Ainda deu uma rápida olhadinha no caderninho de endereços, mas a irmã não parava de chatear. Tomou seu banho rapidamente e saiu xingando com seu tesouro escondido. E essa noite dormiu com o lencinho da menina cobrindo o travesseiro. Imaginava a cena da entrega da bolsa para a dona... Finalmente iria receber um sorriso, uma palavrinha de agradecimento... como vou falar com ela, e se ela me convidar para entrar na casa dela, não fica aí do lado de fora, espera que vou abrir o portão, ela segura minha mão para me agradecer, eu dou um beijinho nela quando for embora, a voz dela... obrigada... e o perfume vai ficar na minha cara. Aí nos outros dias vai dar para conversar...
            E no dia seguinte, mal percebia a ranzinzice da mãe e as provocações da irmã. Estava quase em transe esperando para ir até a casa das garotas numa hora em que tinha certeza que estariam lá.
            Finalmente saiu correndo. Ao chegar diante da casa delas sentia seu coração palpitar. Esperou um pouco tentando se acalmar, finalmente criou coragem e tocou a campainha. Ninguém apareceu. Esperou mais um pouco para tocar novamente, até que através das grades do portão divisou uma senhora, vestido comprido escuro e sapatos de salto alto fechados, alta de óculos, cabelo preso formando um coque, com uma cara de poucos amigos.
            - O que você quer, garoto?, ela gritou lá da porta, com medo de se aproximar.
            Ronivelton, que já estava acostumado a ser discriminado pela sua condição de mestiço e pobre, percebeu a situação. Ela vai achar que estou pedindo dinheiro ou comida... e agora?... Então foi ao assunto direto.
            - Vim entregar a bolsa que uma das suas filhas deixou cair ontem.
            Dona Olga, ainda um pouco desconfiada e um tanto temerosa titubeava em aproximar-se do portão.
            - Bolsa? Que bolsa? Mostra ela!
            ...Que saco, pensou Ronivelton, agora tenho que pagar o mico de ficar agitando essa bolsinha aqui na rua...
            - Está aqui, veja! Posso entrar... ou a senhora pode vir até aqui?
          - E por que você só trouxe ela hoje? A bolsa foi... ela perdeu a bolsa ontem quando ia para a escola, e você só entrega agora? Virou-se para dentro e gritou:
           – Maria!  Vem aqui falar com o garoto que está no portão.
            Daí a pouco a Maria, uma tradicional cozinheira negra e obesa, aproximou-se lentamente balançando todas suas banhas, num rebolar espantoso.
            - Oi, meu filho... você trouxe a bolsinha da Rutchi, foi? Que bom. Elas estavam achando que você tinha se aproveitado da pressa, para roubar. Não leva a mal não, você já sabe como são as coisas, não é mesmo?- Maria fez uma pausa e perguntou olhando bem firme para o Ronivelton - Mas... Está tudo aí, né.
            A decepção de Ronivelton atingira o máximo. Entregou a bolsa para a cozinheira e retrucou:
            - Qual é, dona?! A senhora acha que se eu tivesse tirado alguma coisa ia vir até aqui, pagar esse mico todo e ainda fazer o papel de ladrão?
            - Tudo bem, filho. Você tem mesmo cara de bom menino... Aliás acho que já vi você por aqui. Mas espera aí um pouquinho que vou levar para dona Olga.
            Ronivelton, um garoto cheio de esperanças,  imaginou que a Ruth ainda viria lhe agradecer pessoalmente, oferecer um copo de água, alguma coisa assim. Esperou, sem conseguir tirar os olhos daquela imensa bunda rebolante, que se afastava lentamente. Mas, daí a pouco quem se aproximou foi dona Olga.
            - Parabéns, meu jovem, tome, pegue essa recompensa.
            Ao ver a nota de dez, Ronivelton sentiu um desabar de mundo, que chegou até lhe provocar um certo embrulho no estômago. Olhou para o dinheiro e depois para a mulher.
            - Enfia! - disse e saiu correndo.
            Acontece que a TV resolveu reprisar a famosíssima novela da Ruth e da Rachel, e para ganhar audiência resolveram entrevistar as meninas Ruth e Raquel da vida real  na própria casa, com a mãe, e essas baboseiras todas.  
              E, para finalizar nossa estória, num desses programas dominicais que todo mundo assiste, inclusive nosso Ronivelton, aparece dona Olga dizendo:
             - ... hoje as duas são tão conhecidas que se tornaram imunes até a assalto. Imagine que esses dias, Ruth perdeu a bolsa e um trombadinha veio lá em casa devolver. Ele disse que sabia que era de uma das gêmeas. Até um trombadinha, não é lindo?!

              Trombadinha...  trombadinha... 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

UMA HISTÓRIA ANIMALESCA!


                                      UMA CUSPIDA MILIONÁRIA

         Eu tenho um primo, que é um sujeito bem interessante. Apesar de seu aspecto muito tranquilo,  andou perambulando pela Antártida, onde teve umas experiências bastante trepidantes. Trabalha com satélites artificiais, num centro de pesquisas espaciais, e é ligadissimo em novidades tecnológicas importantes. Outro dia me mandou um incrível vídeo de um raio que sobe, filmado em câmara lenta, nas proximidades do pico do Jaraguá, em Sampa. Somente relembrando meu querido leitor...  para se obter o efeito chamado “câmara lenta”, na relidade filma-se com um sistema que captura velozmente as imagens. Antigamente, quando se usava filme, o filme na máquina filmadora rodava muito depressa, e quando era projetado em velocidade normal, as coisas apareciam com movimentos mais lentos. Esse vídeo foi feito com uma velocidade correspondente a vinte mil quadros por segundo. Um sistema normal de TV usa vinte e cinco. Portanto o movimento aparece cerca de mil vezes mais lento... aí tem o link que mostra o raio subindo lentamente, com uma luzinha na ponta...

      Então, quando respondi ao meu primo, lembrei de um fato que ocorreu quando eu, recém formado, trabalhava como bolsista da Fapesp no departamento de zoologia da USP.
         Eu fazia muitas fotos de bichos. Uma vez eu e meu saudoso amigo, professor Sergio Rodrigues, resolvemos montar um aquário para um animal estranho, uma enorme minhoca com pernas e outros acessórios que vivia enterrado nas areias de nosso litoral. O Sergio fez um aquário quase bidimensional com duas placas de vidro separadas por poucos centímetros, praticamente a largura do bicho. Enchemos com areia e água do mar, mas tinha que ficar no escuro, porque a luz interferia no metabolismo do estranho animal. Para vê-lo era uma dificuldade, acendíamos uma luzinha mínima e tínhamos que esperar a vista se adaptar, para conseguir ver aquele ser gelatinoso abanando uns leques que possui na barriga. Bastava acender a luz para filmar, que ele parava. Filmamos com uma velha câmara 16 milímetros Bolex, bem difícil de ajustar, mas conseguimos alguns segundos, o suficiente pra mostrar os movimentos do... lembrei o nome!!! Chaetopterus sp. !!!
         Mas a história que eu lembrei ao receber a mensagem com o vídeo do raio, foi quando apareceu, lá na Zoologia, um francês para filmar um bicho estudado por um professor com quem eu tinha um ótimo relacionamento, também francês.
         O bicho é um Peripatus sp. Um ser parecido com centopeia, que é muito importante, pois é considerado a transição entre os vermes e os artrópodos..!  Além disso esse bichinho de alguns centímetros de comprimento, um dos mais antigos que existe em nosso fantástico Planeta Terra, é considerado um fóssil vivo. 
         Ele vive em matas úmidas de Minas Gerais, já era bem raro na época em que o "causo" se passou, e se alimenta de uma forma tão estranha, que interessou a uma das melhores equipes produtoras de filmes científicos daqueles tempos não tão remotos...
           O peripatus, para comer, faz uma coisa parecida com o que o sapo faz para pegar a coitada da mariposa (...que fica dando vorta em vorta da lâmpida pra sisquentá). O feioso batráquio desenrola uma língua enorme, cheia de baba que gruda na coitada da mariposa e glopt. Aliás, outro dia eu li um artigo falando que as pererecas só conseguem ver os insetos que se movem...
        Cada coisa que descobrem. Aliás, cada coisa que estudam!!!... Imaginem só... estudar o que as pererecas enxergam???!!!
         Voltando ao tal peripatus... Ele captura suas vítimas de forma parecida, só que em vez de desenrolar uma língua, ele dá uma cuspida gosmenta, que sai de perto de suas antenas, vai grudar no alvo e volta com uma velocidade impressionante. A gosma seca depressa e imobiliza a pobre mosquinha. Depois que captura sua vítima, o simpático perípatus faz um furo nela, despeja o suco digestivo, espera um pouco e toma com seu canudinho bucal... 
       E a turma dos franceses veio filmar esse estranho banquete animalesco.
        Tentei falar com o cinegrafista, mas o cara ficou pouquíssimo entusiasmado em ter um nativo de la bas bisbilhotando seu trabalho. Precisei de muita conversa para ele me deixar dar uma olhadinha durante uma seção de filmagem.
        Os franceses vieram super equipados... trouxeram uma filmadora super ultra high speed, acho que era Hitachi, que filmava a 1000 quadros por segundo. Era a maior maravilha em termos de câmara lenta. Mas na época estavam começando aparecer as primeiras gravações em vídeo tape, e a máquina usava filme fotográfico. Era uma verdadeira astronave plantada no meio de uma sala transformada em estúdio cinematográfico, com montanhas de caixas de equipamentos, luzes, fios, tripés, lentes e uma quantidade infinita de aparelhinhos e dispositivos, tão modernos quanto misteriosos. E assim que foi possível, lá fui eu curiosíssimo, por que já trabalhava com fotografia e estava começando a filmar.
          O problema dessas filmagens em altíssima velocidade é iluminar o que vai ser filmado, por que a duração de cada fotograma fica muito pequena, da ordem de frações de milésimos de segundo. E nosso bichinho vive meio enterrado no solo das matas, portanto lugares escuros, tem hábitos noturnos e são refratários a qualquer tipo de luz. Poucos segundos de luz eram suficentes para deixar o animal paradinho, talvez numa reação de proteção.
         Aí pegavam um peripatus com fome e alguém jogava uma mosca morta e todo mundo rezava para o bichinho dar sua super cuspida extra speed...
         O fotógrafo cinegrafista era super caprichoso, um cara muito bom, que já tinha ganhado toneladas de prêmios. Colocava um perípatus numa placa de vidro e a câmara filmava meio em contra-luz através da placa, contra um fundo escuro, para a cuspida ser retratada com todos seus charmosos detalhes. A coisa era realmente bastante complicada...  A cada tentativa,  era necessário limpar os restos da gosma da tentativa anterior e os detritos deixados pelas patinhas sujas de terra úmida...
           Aí !!! Tudo pronto?! luz, câmara, ação e...
         Acendiam aquelas montanhas de watts de luz, ligavam a câmara que emitia um zumbido furioso como se fosse um ônibus elétrico e engolia uma lata de 400 metros de filme em poucos segundos. Enquanto o especialista francês em arremesso de moscas, escolhia um ângulo para o bichinho ver direito, arremessava a mosca e...
         - Ah. Non... Merde!!! Pas possible!!!
         No dia em que fui lá assistir, eles passaram algumas horas e não conseguiram nada. Gastaram alguns quilômetros de filme!!! 
      Depois de ter assistido umas três tentativas, resolvi sair porque os caras estavam bastante irritados e aparentemente no limite da paciência... os  bichos não estavam colaborando e faziam as coisas na hora e no lugar errado!!! Qualquer comentário que eu fizesse ia sobrar pra mim... Saí sorrateiramente depois de uma das tentativas fracassadas.
         Mas fiquei sabendo que no dia seguinte conseguiram uma tomada que valeu todo o esforço. Assim que terminaram, juntaram todas suas valiosíssimas tralhas e se mandaram, caramba... nem vieram falar comigo!!!!
      Ao que parece, ficou tão espetacular que deu mais um premio para a equipe...
         Milhares, talvez dezenas de milhares de dólares por uma cuspidinha!!!

* Para a turma que não se lembra das aulas de biologia... os artrópodos são os seres mais abundantes do planeta. É o grupo dos insetos, aranhas, crustáceos, centopeias... cuja principal característica são essas patinhas parecidas com as dos camarões e das coitadas das baratas...
O grupo ao qual os Peripatus sp. pertencem se chama Onicophora. Para quem gosta de coisas interessantes esses animais são um prato cheio. Lá na wikipedia tem uma boa matéria...
O filme com o Chetopterus infelizmente se perdeu. Talvez eu tenha doado ao departamento de Zoologia, não me lembro. Aliás a ocorrência desse bicho em nossas costas foi um acontecimento importante na época. Provavelmente não existe mais por aqui...