As coisas por não deram muito certo em Ubatuba e fui forçado a mudar para uma casa que comprei para reformar e vender. Apesar de ser uma casa bastante razoável para um velho solitário morar, uma mudança não era o tipo de atividade com a qual eu gostaria de estar gastando minhas energias. Mas não vou aborrecer meus e minhas elegantes leitores(as), com lamúrias.
Ao invés disso, vou contar a mudança insólita de meus pais, que naquela época tinham mais ou menos a idade que tenho agora, mas meu pai, estava com a saúde bastante debilitada devido a invasão do mal de Parkinson, que o deixava muito lento e um tanto quanto confuso.
Eles estavam saindo de uma linda e espaçosa casa no bairro do Pacaembu em Sampa, para ocupar um apartamento num lugar muito bom, mas bem menor, e me pediram para ajudar no processo.
Eu curtia muito meus pais, e lá fui dar uma força, com minha segunda mulher, a Helô, que se dava muito bem com a sogra.
E acabou sobrando para nós dois praticamente toda a responsabilidade de fazer a coisa funcionar.
Meus pais, que estavam muito bem financeiramente, contrataram uma grande empresa de mudança, dessas que fazem tudo... tiram, embalam, encaixotam, colocam... Mas minha mãe era uma grande colecionadora de discos, livros e montes de estranhos badulaques de tudo quanto é tipo. Desde estatuetas de cerâmica artesanal até pinturas e esculturas de artistas bastante conceituados.
Assim que chegou a equipe super forçuda, minha mãe, se mandou para o novo apartamento e simplesmente desapareceu do mapa. E naquela época nem sonhávamos com a possibilidade de algo parecido com um celular.
Então ficamos eu, meu pai, e Heloisa, com seus vinte e poucos aninhos, tentando controlar a sanha empacotadora dos delicados carregadores.
E... lentamente caixas e mais caixas se amontoavam no meio da sala, tão chique, num processo que estava demorando muito mais do que o previsto. Lá pelas tantas, depois de uma pausa para o almoço da equipe, aparece um meu sobrinho, todo esbaforido, dizendo que a vovó estava muito impaciente porque a mudança já deveria ter chegado. Quando ele viu o tamanho da encrenca só conseguiu dizer um “nooossa... será que isso termina hoje?”
Ao ouvir o questionamento do moço, as feições dos nobres funcionários carregadores assumiram um ar nada amistoso, deixando o ambiente um tanto quanto desconfortável.
Meu pai, que além do Parkinsons estava com algum processo de perturbação mental, que talvez fosse o, então pouco conhecido, mal de Alzheimer, instalou-se numa poltrona que estava bem no meio da sala e de lá não saiu mais, até que toda sua vida estivesse empacotada dentro do gigantesco caminhão estacionado lá na frente.
Bem, finalmente, ao entardecer paulistano, o monstruoso veículo colocou-se em movimento e nos deixou no vazio total.
Ao sairmos, papai parecia um tanto quanto fora do ar, e sentou-se no banco traseiro do carro, coisa que raramente fazia, e lá fomos nós para o apartamento, situado numa ruazinha a um quarteirão da av. Paulista, pertinho da Pamplona. Ou seja num dos lugares mais movimentados de nossa querida pauliceia desvairada, no princípio do horário de maior movimento.
Quando chegamos no apartamento levamos a maior bronca de minha mãe, mal humoradíssima, porque era muito tarde e tinha ficado horas sentada num caixote, e queria saber se não tinha nada quebrado... e nada do caminhão chegar... e...
Como telefone ainda não estava instalado lá fui eu para a casa velha ligar para a empresa.
Como telefone ainda não estava instalado lá fui eu para a casa velha ligar para a empresa.
Então a notícia terrível:
- O caminhão quebrou!
- Quebrou?
-
- Mas o que quebrou? Onde ele está? Vai demorar para consertar?
- Quebrou uma cruzeta... – e falou onde o monumental veículo estava parado com todo aquele mundaréu de coisas...
- A cruzeta!!?? E agora.. vai demorar muito pra trocar essa cruzeta?
- Olha meu senhor, nosso mecânico já foi embora e agora só amanhã!
- Amanhã????!!! Impossível! Naquela subidona enorme? E como meus pais vão fazer? Onde eles vão dormir?
A cruzeta, para quem não sabe, é aquela coisa que fica lá embaixo da “barriga” dos caminhões, onde tem uma espécie de cano que gira levando a força do motor às rodas traseiras. Cruzeta (na realidade são duas, uma em cada ponta do eixo) é a peça que liga o motor a esse eixo que faz o mastodôntico caminhão se movimentar.
Para os leitores que conhecem a coolossal metrópole paulistana, o local é uma subida muito íngreme, ao lado do cemitério do Araçá, que termina num farol, onde todos os carros queimam a embreagem, quando o sinal fica verde. Naquela época era um lugar muito complicado, porque o sinal abria um tempo curto demais e a subida era um martírio para qualquer carro, com qualquer motorista. Imagine então, meu desocupado leitor, para um caminhão de mudança king size... dos grandes, carregado com todas as preciosidades do casal Chiaverini.
E... começou minha discussão com o suposto gerente da empresa, tentando inventar uma desculpa e eu dizendo que com certeza a cruzeta era velha e que o caminhão provavelmente estava sem manutenção e o fulano lá pelas tantas me disse que até avião cai. Aí eu gostei do argumento e disse para ele, que quando cai um avião o mundo inteiro fica sabendo e que então eu ia chamar a televisão os jornais os rádios e a notícia ia se espalhar e a empresa ia levar o maior prejuízo, e...
O cara se apavorou e resolveu mandar um guincho.
- Mas que guincho vai carregar um caminhão com um monte de toneladas?
- Não se preocupe, temos um guincho que já levantou uma locomotiva.
- Não se preocupe, temos um guincho que já levantou uma locomotiva.
Bem... eu pensei... com certeza uma locomotiva pesa mais que toda a sabedoria e cultura de meus pais...
Eu não assisti a operação do guinchamento, mas deve ter sido absolutamente fantástica. Meu sobrinho levou os avós para passear nas proximidades, e fiquei ansiosíssimo juntamente com Helô no apartamento imaginando a confusão que a operação ia causar no trânsito.
Finalmente depois de umas duas horas ouvimos uma fantástica buzinação lá embaixo, e vimos o gigantesco caminhão atrelado a um não menos gigantíssimo guincho obstruindo completamente a passagem, o que desencadeou uma verdadeira orquestra de buzinas, que só acalmou porque os donos dos carros parados aos poucos foram abrindo espaço para o inusitado comboio conseguir encostar num dos lados da ruazinha.
E assim, quando me lembro dessa mudança, fico mais resignado com minha atual tarefa de transferir o monte de tralha (algumas delas estiveram presentes naquela rocambolesca peripécia) que acumulei nesta rápida passagem por este mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário