quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

dois lindos filmes

Duas amigas minhas me recomendaram dois filmes.

Interessante é que foi em dias diferentes e acho que as pessoas nem se conhecem.
Mas os dois filmes são sobre a morte (e portanto sobre  vida)


Um é um filme japonês traduzido como "A Partida", mas na legenda do filme aparece Partidas.

Um filme de Yojiro Takita com Tsutomu Yamazaki, Kazuko Yoshiyuki : Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki) é um violoncelista ( toca tchero), mas a orquestra acaba e o moço fica sem emprego. Cata sua linda esposa e vai morar numa pequena cidade e acaba arrumando o emprego de maquiador de defuntos. Pode parecer meio tenebroso, mas não é. Tem até alguns lances cômicos, mas ocorrem momentos bem tristes. Mas o filme é lindo! As personagens são muito humanas. E fica uma reflexão sobre a vida...


acho que o que usei pra baixar foi esse link

http://torrentus.to/9f582670b4baf3ccbe0ff8f57111cedc418e1040-a-partida-dual-audio-dvdrip-xvid-ac3-zoras.html

O outro, "a menina que roubava livros" é " um filme alemão onde o narrador é a morte. E "o" morte está muito ocupado (a voz é masculina), por que a história se passa numa pequena cidade na Alemanha durante a segunda guerra.
A menina é adotada por uma família pobre, que logo em seguida abriga um jovem judeu filho perseguido de um velho amigo do pai. 

Os filmes são bem parecidos. O morte, que conta o filme, analisa as atitudes das personagens. E no fim o morte faz uma profunda reflexão sobre a vida. 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

mais músicos... menos violência

            Caro leitor...
            Estamos nos acostumando ver cenas de violência explícita, tanto em obras de ficção, como na realidade. Uma coisa terrível é a banalização da violência que muitas vezes serve de chamariz para filmes, seriados, novelas, e ultimamente existem programas de televisão, onde uma equipe sai acompanhando a polícia ao vivo em atos de violência, arriscando a pele dos repórteres das grandes redes sensacionalistas. Portanto vou  publicar mais uma vez um texto que escrevi há alguns anos e que andou viajando pela net.
                        É o que segue...


            MAIS MÚSICOS... MENOS VIOLÊNCIA


            De todas as invenções intelectuais da humanidade a matemática e a música ocupam um lugar absolutamente especial entre outros meios de comunicação em termos de criatividade.
            Eu me arrisco ao dizer que a música e a matemática são as principais criações do ser humano!!!
            A literatura, ao gravar (ou grafar) as idéias, reproduz a conversa ou o discurso, e o leitor é remetido a algum tipo de significação
            O teatro, uma das formas mais antigas de arte popular, conta eventos reais ou fantásticos, também cria significados que formam representações na mente dos espectadores.
            As artes plásticas: escultura, pintura, desenho, fotografia, cinema e seus derivados tentam representar o que é visto. Mesmo quando os autores procuram trabalhar com elementos que não representam imagens de objetos reais em ficções fabulosas, essas tentativas de ruptura trabalham com códigos e conceitos preexistentes e acabam quase sempre se reportando a algum tipo de representação da realidade exterior.
            Na matemática, mesmo as quatro operações são conceitos abstratos. A álgebra, trigonometria e geometria, o cálculo numérico...  são criações do ser humano, nada disso existe na natureza. Alguns elementos fundamentais da matemática, como reta, plano, números irracionais, e tantos outros, são conceitos criados pelos matemáticos e só existem dentro da matemática. São usados pelos cientistas ao criar modelos para tentar decifrar e explicar o mundo, mas isso não significa que o mundo seja matemático. A matemática está apenas dentro da cabeça do ser que a utiliza, e é totalmente criação do ser humano.
            Na música ocorre algo semelhante, mas provavelmente o grau de abstração é ainda maior. Todos os princípios, todos os códigos e regras são essencialmente musicais. A música não representa nada. (Quando me refiro à música, estou falando da música instrumental, evidentemente a letra de uma canção conta uma estória.)
            Todos os sentimentos que a música provoca, todas idéias que ela sugere se manifestam em imagens puramente musicais. Mesmo quando alguns compositores tentam imitar a natureza como Vivaldi na sua Tempestade no Mar, ou Beethoven também tentando imitar uma tempestade na sua sexta sinfonia, conseguem apenas nos transmitir uma vaga ideia da sensação de estar numa tempestade. A maioria dos ouvintes só vai identificar a tempestade se já estiver preparado e preocupado para reconhecer o trecho onde ocorre a suposta imitação.
            Mesmo a codificação de que tons menores são tristes e maiores são alegres é essencialmente cultural. No oriente os povos árabes, por exemplo, dançam alegremente aos sons das melodias construídas dentro de escalas menores.
            Então, já que não está ligada totalmente a uma representação do exterior humano, a música é por sua própria natureza algo onde a criatividade é absolutamente essencial. Muitas pessoas poderiam perguntar onde está a criatividade quando o pianista se apresenta numa sala de concerto tocando uma peça que já foi repetida por ele milhares de vezes até ficar "pronta". Eu diria que o próprio processo que ocorre no cérebro do ouvinte de transformar uma seqüência de notas, de formar blocos sonoros,  num todo melódico já é algo de extraordinariamente criativo. Mas, o importante, é que com certeza um intérprete nunca conseguirá tocar a mesma peça sempre rigorosamente da mesma forma. E também, a mente do ouvinte sempre a ouvirá e a reconstruirá diferentemente.
Acontece que inventamos o gramofone, depois a vitrola, o gravador de fita, o CD, e os moderníssimos e poderosíssimos sons portáteis a preço de banana, isso sem falar nos potentíssimos amplificadores e caixas de som produzindo megawatts sonoros capazes de atingir quilômetros de distância, e serem percebido por pessoas surdas, que sentem as vibrações fantásticas em suas entranhas.
   Mas o que é mais interessante, e eu diria assustador e lamentável, é que essas invenções aparentemente tão úteis e inocentes, que na suas origens serviram para divulgar e possibilitar que todos ouvissem música, hoje servem exatamente para acabar com a invenção musical!
São milhões de pessoas ouvindo centenas de vezes a mesma música tosca e rústica das paradas de sucessos! Não há dúvida que a música popular tem que ser simples e de fácil assimilação, caso contrário ela não seria popular. Acontece que a atual industria cultural (ver o filósofo Adorno) produz um tipo de música popular que atinge os mais altos graus de mesmice. E os malditos pum, pum-pum, os raps, os funks, psy, trances e congêneres tocados a volumes ensurdecedores estão em todo lugar. Antes era só no borracheiro, agora é no vizinho, no supermercado, no ônibus, no parque, na praça. E nas festas os coitados dos garotos, que não conhecem outra coisa, dançam todos fazendo o mesmo trejeito, na mesma hora, todos com o mesmo gritinho ... iu ú... uau!... naquela mesma parte da canção.
Imagine um sábado à noite. Quantas centenas de jovens numa cidade como S. Paulo dançando exatamente a mesma música! No mesmo ritmo! Todos iguaizinhos. Fazendo o que o maldito CD manda!
Onde está a criatividade? Onde está a invenção?
Então gostaria de iniciar uma campanha, e peço ao caríssimo e paciente leitor que simplesmente divulgue o seguinte:

Toque um instrumento musical!

           Toque simplesmente!
Não importa se tocar mal, mas toque!
Compre um violão para seu filho ( ou sobrinho ou namorada, ou...). Arrume um professor e peça para o garoto (ou garota) cantar e tocar para os colegas e para você. (Os professores de música na sua maioria, gostam muito de dar aulas e cobram muito barato) Um violão simples custa o preço de alguns poucos CDs.
O violão é um instrumento muito interessante pela sua versatilidade. Quando bem tocado pode chegar a níveis de riqueza e complexidade muito grandes, mas por outro lado, com alguns meses de estudo qualquer pessoa já consegue tocar uma quantidade de acordes e ritmos suficientes para acompanhar meia dúzia de músicas e juntar uma turminha para cantar. A flauta doce também é uma opção muito boa. É um instrumento barato e muito fácil de aprender. Com poucas aulas, já é possível tocar algumas melodias simples.
Seu filho (ou namorada, ou sobrinho, ou...), mesmo errando e desafinando vai estar criando alguma coisa ao invés de ouvir pela bilionésima vez aquele som bestial, ou aquela voz esganiçada impostas pelas grandes empresas da industria cultural internacional.         (Aliás, uma coisa que sempre pergunto aos meus amgos músicos... proibiram o uso de melodia???)
Essas corporações internacionais gigantescas necessitam de músicas extremamente simples, verdadeiramente toscas (musicalmente falando), que possam vender em qualquer canto do planeta. E as vítimas são os jovens, que evidentemente vão querer cantar e dançar ao som do que aparece na TV.
Junte os garotos seus vizinhos, e organize ou convença-os a organizar uma bandinha mesmo que você ache meio chato. Nem que seja para fazer uma boa batucada, com todo mundo cantando desafinado.
Eles vão estar criando!
Se você for professor, leve a ideia para sua escola. Se você trabalha numa empresa grande, ou se você frequenta um clube, ou mesmo na turma do boteco... lance a ideia e batalhe por ela. E procure incentivar a turma para tocar os grandes sucessos da música popular brasileira que dão de 400 a zero no que a Industria Cultural Internacional nos obriga ouvir.
Não importa se no começo eles tocarem mal. Pelo menos eles saem da passividade, escapam dos entorpecentes eletrônicos... (depois... aos poucos vão melhorar, com certeza...)      
E... talvez deixem de sair por aí, bebendo, cheirando pó, ou fumando crack, por que fazer música é muito mais divertido, do que ficar escondido num canto ingerindo drogas.
Veja, caro leitor, como a “mass media” joga continuamente no mercado grupos de hard rock, punk, funk que além se serem musicalmente rudimentares e toscos (só conseguem usar três ou quatro acordes) incentivam à violência e ao desrespeito social, muitas vezes com letras e atitudes obscenas.  
A música, principalmente a música instrumental, inspira muita paz e fraternidade entre as pessoas.
A música "enturma" as pessoas, que participam de um evento musical.
Quem anda onde rola música ao vivo, está acostumado que de repente aparece um músico que não é do conjunto para “dar uma canja”. E depois, fica todo mundo contente por que conseguiram tocar junto... mesmo sem se conhecerem!!!!

E quando o ser humano cria, dentro dele se manifesta "aquela" centelha de divindade. Talvez seja por causa disso que muitos pintores do passado costumavam representar os anjos segurando harpas...

            
****Meu texto original (com pequenas modificações) termina aí... com os anjinhos tocando arpas, mas eu gostaria de completar com um pedido aos pais... e aos adultos em geral...

            Exijam que a escola de seus filhos, sobrinhos, e amigos, levem a sério as aulas de música.
Logo depois da segunda guerra mundial, instituíram aqui no Brasil o “Canto Orfeônico”, com participação do grande Villa Lobos, que chegou a reger corais de milhares de crianças em estádios de futebol.
 Eu lembro que nas aulas de canto, no colégio, nós aprendíamos a ler partitura, solfejar, cantar afinadinho... evidentemente era tudo muito simples.
Mas a garotada saía sabendo os rudimentos. Sabiam que música tem compassos, notas, acordes, escalas e principalmente melodias!
            Bem... pouco mais de uma década depois surgiu a Bossa Nova!!
Um movimento de vanguarda, de grande criatividade e ótimo nível técnico que revolucionou a música popular do mundo inteiro!!!
     Isso porque nosso querido Brasil tem uma música popular absolutamente maravilhosa. Muito fértil e variada.
            Ensinar música para a garotada aqui neste nosso amado país é semear em terreno fértil.

                    MAIS MÚSICOS MENOS VIOLÊNCIA!!!!

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

RUTH E RACHEL

                                                   
         Como fazia todas as segundas-feiras, Ronivelton saltou rapidamente do beliche, quase pisando sobre a irmãzinha que dormia em baixo.  
           Desde que vira as gêmeas, famosas no bairro por terem o nome de personagem de novela,  a segunda feira era o dia em que levantava da cama bem cedinho. Saia logo de casa para ver as duas mocinhas indo para o ponto onde apanhavam o ônibus escolar junto com outros jovens do “lado bom” do bairro.
            A mãe, já estava na cozinha apertada, na qual a geladeira e o fogão disputavam o espaço com uma mesa capenga e com a pia coberta pela pouca louça da família. Toda desarrumada e despenteada expelia seu costumeiro mau-humor matinal, reclamando de tudo, principalmente de seu companheiro, que roncava semi-nu exalando tanto álcool que o cheiro já não cabia mais no quarto.
            Ao perguntar se já tinha café, Ronivelton transformou-se no pára-raios de toda a tempestade que estava contida na mãe.  Depois chegou a irmã mais velha, desafiadora e provocativa, que tornou o ambiente matinal mais insuportável. Mas a perspectiva de ver as garotas o deixava completamente impermeável, ouvindo silenciosamente o discurso de sua mãe e as alfinetadas da irmã, fato esse que as deixava ainda mais agressivas.
               Mas hoje era segunda-feira, finalmente.
            A família era do sertão de Minas, mas já tinham morado uns dez anos numa pequena cidade do interior de São Paulo, de onde saíram depois que a mãe fora abandonada pelo marido. Foi morar num subúrbio da Grande São Paulo, num bairro originalmente de classe média, que estava sendo engolido pelas invasões e favelas de blocos dos loteamentos clandestinos, que iam corroendo toda a área de preservação ambiental. Ronivelton ainda lembrava com saudade da casa de tijolos caiados do sítio onde seu pai trabalhava como caseiro. Tinham até umas galinhas e uma rocinha de milho, feijão e essas coisas. Ele ainda lembrava também o choque que foi a mudança para esse bairro com um monte de casas amontoadas, umas ao lado das outras. Mesmo agora com seus quinze anos ainda estranha todo esse barulho de aparelhos de som ligados no último volume, a gritaria na rua, as brigas e os escândalos na vizinhança, os carros passando praticamente dentro do pequeno cômodo usado com a função de sala sempre coberto de uma poeira preta.
            Mas a perspectiva de rever as duas irmãs gêmeas, loiras, todas arrumadinhas indo para a escola...  
           Teve um dia que ficou esperando atrás do muro da esquina e quando elas se aproximaram, veio andando como se nada houvesse, apenas para passar perto delas. Ah, que aroma delicioso... Ainda por cima perfumadas! Um perfume suavemente delicioso, tão diferente daquele cheiro forte e enjoativo das amigas da irmã e da mãe.
           Agora toda a segunda saía mais cedo para ir cuidar do jardim da dona Márcia, que fica na mesma rua onde as meninas moram, só para cruzar com elas e sentir o doce aroma.  Mesmo depois de mexer na grama e cavoucar a terra aquele cheiro maravilhoso ficava o dia inteiro na sua memória.
             O dia inteiro não. Era a semana inteira. Ele chegou mesmo a pedir para dona Márcia se não podia vir mais um dia, afinal um jardim daqueles na casa do doutor Jorge, médico famoso, com carro e tudo merecia um tratamento especial.
            Ronivelton não conseguia saber qual era a mais bonita, estava apaixonado pelas duas, que por sinal eram muito, mas muito parecidas mesmo. Se encontrasse apenas uma de manhã e outra à tarde não saberia dizer se era a mesma. Ruth ou Rachel. Era assim que os nomes estavam escritos no jornal do bairro, que na mais absoluta falta de assunto, publicou a notícia sobre as meninas com o nome de garotas da novela de televisão que ele nunca tinha visto, mesmo porque na época dessa novela ele nem imaginava o que era televisão.
            Finalmente saiu de casa já se deleitando com a visão maravilhosa... e lá foi nosso Ronivelton, a passos apressados, antegozando o doce e inebriante aroma que delas exalava, preparando-se para ficar atrás do muro como quem nada quer. 
            Mas nesse dia, ele ainda esperava ansiosamente as duas, que já demoravam uma eternidade, quando no final da rua surgiu o ônibus escolar. “Puxa, que droga, hoje elas não vem... Acordei cedo a toa”.
            Mas ao virar-se para ir para o jardim de dona Márcia, quase deu um encontrão numa das garotas, que vinham correndo para não perder a condução. A menina teve que desviar num movimento brusco e esbarrou no braço de Ronivelton, chocou-se com a irmã, que quase caiu, mas conseguiram se recompor e dar um sinal ao motorista, que já ia passando direto.
            Ronivelton ficou parado, sentindo ainda o roçar daquela pele tão suave no seu braço. Imediatamente levou-o ao nariz para sentir o doce aroma, e ao dar o primeiro passo para ir ao trabalho esbarrou com o pé numa bolsinha de couro sintético, cor de rosa, evidentemente. Certificando-se que ninguém o observava, num gesto rápido apanhou a bolsa e enfiou embaixo de sua roupa. Voltou correndo para casa e sem que ninguém percebesse guardou a bolsinha no meio da confusão que era a prateleira onde ficavam suas roupas. Ao sair novamente, deu uma desculpa esfarrapada para sua mãe que aos gritos lhe dizia para ir logo para o trabalho.
            Cortava a grama, arrancava o mato, aparava a cerca viva, varria, pensando na bolsinha, imaginando o que haveria dentro. Como esse dia foi comprido! Ronivelton sonhava acordado...
            Assim que acabou o serviço, foi correndo para casa, e deu um jeito de levar a bolsinha cor de rosa ao banheiro quando foi tomar banho, o único momento de sua vida em que ficava sozinho. Sentado no vaso, abriu seu tesouro. A primeira coisa que pegou foi um lenço rendado com aquele perfume, onde mergulhou o nariz. Uns lápis de cor, uma caneta esferográfica super bacana, um estojo de maquilagem com umas coisas estranhas, um baton!... destampou, cheirou, passou sobre o dorso da mão desenhando uma boca na qual deu um beijo.
            - Vai tomar logo essa porcaria de banho ou vai demorar muito! gritou a irmã do outro lado, enquanto dava um soco na porta.
            Ainda deu uma rápida olhadinha no caderninho de endereços, mas a irmã não parava de chatear. Tomou seu banho rapidamente e saiu xingando com seu tesouro escondido. E essa noite dormiu com o lencinho da menina cobrindo o travesseiro. Imaginava a cena da entrega da bolsa para a dona... Finalmente iria receber um sorriso, uma palavrinha de agradecimento... como vou falar com ela, e se ela me convidar para entrar na casa dela, não fica aí do lado de fora, espera que vou abrir o portão, ela segura minha mão para me agradecer, eu dou um beijinho nela quando for embora, a voz dela... obrigada... e o perfume vai ficar na minha cara. Aí nos outros dias vai dar para conversar...
            E no dia seguinte, mal percebia a ranzinzice da mãe e as provocações da irmã. Estava quase em transe esperando para ir até a casa das garotas numa hora em que tinha certeza que estariam lá.
            Finalmente saiu correndo. Ao chegar diante da casa delas sentia seu coração palpitar. Esperou um pouco tentando se acalmar, finalmente criou coragem e tocou a campainha. Ninguém apareceu. Esperou mais um pouco para tocar novamente, até que através das grades do portão divisou uma senhora, vestido comprido escuro e sapatos de salto alto fechados, alta de óculos, cabelo preso formando um coque, com uma cara de poucos amigos.
            - O que você quer, garoto?, ela gritou lá da porta, com medo de se aproximar.
            Ronivelton, que já estava acostumado a ser discriminado pela sua condição de mestiço e pobre, percebeu a situação. Ela vai achar que estou pedindo dinheiro ou comida... e agora?... Então foi ao assunto direto.
            - Vim entregar a bolsa que uma das suas filhas deixou cair ontem.
            Dona Olga, ainda um pouco desconfiada e um tanto temerosa titubeava em aproximar-se do portão.
            - Bolsa? Que bolsa? Mostra ela!
            ...Que saco, pensou Ronivelton, agora tenho que pagar o mico de ficar agitando essa bolsinha aqui na rua...
            - Está aqui, veja! Posso entrar... ou a senhora pode vir até aqui?
          - E por que você só trouxe ela hoje? A bolsa foi... ela perdeu a bolsa ontem quando ia para a escola, e você só entrega agora? Virou-se para dentro e gritou:
           – Maria!  Vem aqui falar com o garoto que está no portão.
            Daí a pouco a Maria, uma tradicional cozinheira negra e obesa, aproximou-se lentamente balançando todas suas banhas, num rebolar espantoso.
            - Oi, meu filho... você trouxe a bolsinha da Rutchi, foi? Que bom. Elas estavam achando que você tinha se aproveitado da pressa, para roubar. Não leva a mal não, você já sabe como são as coisas, não é mesmo?- Maria fez uma pausa e perguntou olhando bem firme para o Ronivelton - Mas... Está tudo aí, né.
            A decepção de Ronivelton atingira o máximo. Entregou a bolsa para a cozinheira e retrucou:
            - Qual é, dona?! A senhora acha que se eu tivesse tirado alguma coisa ia vir até aqui, pagar esse mico todo e ainda fazer o papel de ladrão?
            - Tudo bem, filho. Você tem mesmo cara de bom menino... Aliás acho que já vi você por aqui. Mas espera aí um pouquinho que vou levar para dona Olga.
            Ronivelton, um garoto cheio de esperanças,  imaginou que a Ruth ainda viria lhe agradecer pessoalmente, oferecer um copo de água, alguma coisa assim. Esperou, sem conseguir tirar os olhos daquela imensa bunda rebolante, que se afastava lentamente. Mas, daí a pouco quem se aproximou foi dona Olga.
            - Parabéns, meu jovem, tome, pegue essa recompensa.
            Ao ver a nota de dez, Ronivelton sentiu um desabar de mundo, que chegou até lhe provocar um certo embrulho no estômago. Olhou para o dinheiro e depois para a mulher.
            - Enfia! - disse e saiu correndo.
            Acontece que a TV resolveu reprisar a famosíssima novela da Ruth e da Rachel, e para ganhar audiência resolveram entrevistar as meninas Ruth e Raquel da vida real  na própria casa, com a mãe, e essas baboseiras todas.  
              E, para finalizar nossa estória, num desses programas dominicais que todo mundo assiste, inclusive nosso Ronivelton, aparece dona Olga dizendo:
             - ... hoje as duas são tão conhecidas que se tornaram imunes até a assalto. Imagine que esses dias, Ruth perdeu a bolsa e um trombadinha veio lá em casa devolver. Ele disse que sabia que era de uma das gêmeas. Até um trombadinha, não é lindo?!

              Trombadinha...  trombadinha...