terça-feira, 29 de outubro de 2013

O café em Paris

                             A SURPRESA NO CAFÉ PARISIENSE

         Essa se passou no começo da década de 70, quando a ditadura brasileira mais apertava suas amarras, e eu como parte dos “inseridos no contexto”, me sentia sufocado pela repressão que chegava às raias do absurdo.
         Nessa época a maioria do pessoal mais atuante havia jogado a toalha e enfiado o rabo entre as pernas, qualquer tentativa de resistência ao golpe era reprimida com muita violência. Eu tive alguns colegas, até amigos que desapareceram ... 
         Ao chegar no último ano de meu curso na Biologia da USP, eu queria mais é esquecer de tudo, estudar, pegar meu diploma e virar algo parecido com o Dr. Livingstone, ou o menos conhecido Fritz Muller(¹), naturalista alemão radicado em Sta. Catarina por volta de 1850... ou um Indiana Jones... menos arrojado, talvez.
         Até consegui ter uma pequena amostra da atividade de naturalista, ao ajudar a organizar e participar de uma expedição aos confins do rio Araguaia realizada pelo Dr. Sergio de Almeida Rodrigues, professor do departamento de Zoologia, onde eu era bolsista da Fapesp. Essa viagem deu origem a uma amizade bastante duradoura, até que mudei para Ubatuba.  Infelizmente soube de sua morte através de sua ex-esposa, o que me deixou bastante triste, era um sujeito admirável, excelente professor, bastante culto e muito engraçado...
         Foi quando fiquei sabendo que o governo francês oferecia bolsas de estudo num programa chamado Coopération Téchnique, que apesar de ser mínima era uma oportunidade para sair do país, e depois de um ano na fila fui contemplado com essa minguadíssima bolsa, que mal daria para pagar a comida.  
         Aqui, o governo militar fazia muita propaganda e a cidade estava entupida de adesivos verde amarelo onde estava escrito “Brasil, ame-o ou deixe-o”.  Foram espalhados em todos os vidros traseiros, em todas a portas de banco, lanchonetes, parachoques e similares.
         Ao embarcar para a França, tive a coragem cortar dois deles e grudar “deixe-o” em minhas maletas de mão. A outra parte (com a bandeira e o resto da frase... Brasil, ame-o) grudei numa janela do mocozinho que consegui alugar, lá na França, perto do antigo forte da legião estrangeira, onde funcionava o instituto oceanográfico de Marseille, lugar do meu estágio.
         Lá eu era visto mais ou menos como um ser vindo de outro planeta e a primeira coisa que ouvia ao dizer  que era brasileiro, era “Oh, le Brésil, Pelê”. 
          ...e sempre algum francês engraçadinho perguntava se tinham índios ou feras andando soltos nas ruas...
         Mas a história insólita, com a qual pretendo deliciar meus simpáticos leitores, e elegantes leitoras, se passou numa visita feita a uns amigos que moravam em Paris. Na realidade era num subúrbio, no fim de uma linha de metrô, num bairro super francês, todo cinza. 
            No segundo dia, resolvemos fazer um turismo em Paris. 
           Bem, eu como leitor dos romances de Sartre & Cia não podia deixar de tomar uma cervejinha no mundialmente famoso “Café des Flores” em cujas cadeiras todos os intelectuais do planeta haviam colocado seus sofisticadíssimos bum-buns.
        Somente havia lugar na parte da calçada,  cercada por toldos que desciam até o chão, devido ao frio do inverno. Conseguimos divisar uma mesinha para a qual nos dirigimos esbarrando naquele mundaréu de gente espremida, fumando desvairadamente. 
              E ao chegar na mesa alvo, deparo-me com nada mais nada menos do que uma onça!
         Isso mesmo, uma onça de verdade! Sentada tranquilamente no chão, presa por uma coleira de cachorro, estava uma oncinha! Uma onça num café em Paris!!!
         Bem, daí pra frente, sempre que algum engraçadinho falava dos índios e das feras soltas em minha querida Sampa, eu respodia...
         - Olha, Paris é a única cidade que eu conheço onde a gente vê onça  viva sentada em restaurante...!!!
        
  


(¹) O naturalista Fritz Muller foi um sujeito bem interessante. Quem quiser se informar sobre ele pode procurar na wikipedia.  o link está no espaço entre parêntesis que fica meiotransparente... passe o mouse                                                  ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Fritz_M%C3%BCller)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O VIZINHO DO RANZINZA

                     

    Moro num simpático bairro de ruas arborizadas, quase na periferia de S. Paulo. Originalmente era um loteamento muito simples, reservado a funcionários públicos, que escapou incólume das avenidas e da sanha devoradora das imobiliárias. As casas de dois ou três dormitórios projetadas para os modestos funcionários públicos aposentados passarem uma ve­lhice respeitável, hoje parecem palácios, se comparadas com os maravi­lhosos e moderníssimos apartamentos de três dormitórios distribuídos em exíguos setenta metros quadrados e di­vididos por paredes feitas de algo semelhante a papelão. 
    Porém...
    Sempre tem um porém. E o pequeno porém levou a uma situa­ção, digamos... estressante. Imagine o desocupado leitor, que graças à invasão avassaladora do Grande Deus Automóvel, todos os moradores fizeram suas garagens, ou coberturas apertadíssimas, com os portões abrindo para fora, para preservarem seus maravilhosos veículos.
 E acontece que entre os portões para os carros da casa do meu vi­zinho e a minha sobrou um espaço de meio fio onde parece que dá, mas não dá, para estacionar. A rua é muito estreita e a manobra para enfiar o carro pelo portão a dentro fica irrealizável caso algum veículo ocupe o tal espaço.
Mas meu vizinho, Dr. Ataulfo Lagomorfa,  sempre deixava seu carro na frente de meu portão. Ele era um senhor, com finos bigodes perfeitamente aparados, de seus sessenta e poucos, muito gentil e edu­cado, sempre usando ternos impecavelmente limpos e passados, ornados por simpáticas gravatas borboleta. Gostava de usar umas palavras em francês e beijar a mão solenemente, quando encontrava com alguma representante do sexo feminino durante seus passeios.
E eu, após inúmeras tentativas de colocar o recém adquirido motivo de minha felici­dade garagem a dentro, resolvi pedir muito humildemente ao Dr. Lago­morfa que fizesse a gentileza de não deixar seu carro naquele lugar por­que...
Ele me fazia ver muito polidamente que eu devia parar de abor­recê-lo por trivialidades.
E continuava a deixar seu carro lá...
Fiz tudo para convencê-lo, mas ele sempre me provava que eu era um velho ranzinza e chato.
Tentei ser um pouco mais enfático, até quase agressivo, mas  Dr. Ataulfo Lagomorfa demonstrava-me que eu era um louco.
E... continuava obstruindo minha garagem.
Um belo dia, um tanto deprimido após o Dr. Lagomorfa me convencer quão vil eu era por aborrecê-lo com detalhes manobrísticos, num impulso de anti-consumismo, vendi meu carro.
Bem...
A partir desse dia o meu vizinho nunca mais estacionou junto ao meu portão.


terça-feira, 15 de outubro de 2013

recordações muito antigas...

Hoje não vou deliciá-los com minhas fotos maravilhosas.

Como lá no facebook, por causa do dia da criança, todos estavam  colocando suas fotos de criança, eu, só para ser diferente, resolvi contar uma história de minha infância perdida.

                            



                                                 O ENTUSIASMO DA VOVÓ


         Vovó Mama morava num apartamento... escuro, na minha tênue memória. Tudo lá tinha um leve cheiro de naftalina e sabonete de benjoim. Eu era muito pequeno, cinco ou seis aninhos. Depois que vovô Papa morreu, ela saiu do velho sobradão onde moravam perto da aclimação e foi morar nesse apartamento onde sempre havia uma panela com uns bolinhos deliciosos, que ela deixava estrategicamente num banquinho ou no chão para eu me servir na hora que bem entendesse.
         Mamãe falava russo com meus avós, e os chamava de  papa e mama, por isso eles ficaram sendo vovô Papa e vovó Mama. E minha mãe, que ainda tinha um pouco de sotaque, se confundia toda com as vogais abertas e fechadas do português, porque em russo a letra "O" é uó, e a letra "E" é ié, ou iô... Ela confundia avô e avó... E para a alegria dos ouvintes mamãe sempre dizia que não conseguia perceber a diferença entre avuó e avuó...
         Bem, mas como eu ia dizendo... vovó morava sozinha e  provavelmente eu enchia a paciência de meus pais, que de vez em quando me deixavam lá, para passar um ou dois dias com a vovó Mama no apartamento que ficava na frente do Jardim da Luz. De algum ponto especial, acho que era da área de serviço, a gente conseguia ver a sala onde papai trabalhava no prédio da Caixa de pensões de uma ferrovia.
         O jardim da Luz era um parque muito grande mas, que eu me lembre, um tanto malcheiroso. E no fim da tarde vovó Mama me levava para dar uma voltinha lá, para ver uns bichos. 
           Além do cheiro só ficou na minha memória o que aconteceu numa dessas tardes, quando estávamos voltando para casa. Um prédio cinza, como usavam antigamente, acho que chamava Conde Prates. O acabamento era um tipo de cimento com areia grossa de grãos brilhantes. Quando parávamos para ela abrir a porta, numa pequena entrada recuada, eu ficava arrancando os grãozinhos mais brilhantes com a unha.
         Mas nessa tarde, ao chegarmos perto do prédio, que ficava no meio do quarteirão, havia um montão de  gente na frente do bar da esquina.
             - O que será, vovó? Vamos lá?! Vamos lá, quero ver!! Vamos, vai!! 
            Eu insisti com ela, que estava receosa, porque era muita gente... só homens de chapéu.
         Mas diante de minha insistência ela acabou concordando de ir até lá e me disse... - Olha você fica paradinho aqui que eu vou lá ver. Não saia daí, quero ver. Se não for coisa ruim eu venho te buscar.
          Lá fiquei eu metade pra dentro e metade pra fora da entradinha, mas olhando ansiosamente para onde vovó Mama tinha ido.
         E de repente vejo a vovó vindo correndo. É uma das poucas imagens que me sobraram dela...  era gordinha e corria desajeitada balançando quase gritando...
         - Vem ver!! Vem ver!! É a televisão! É a televisão!! e já me pegou pelo braço e foi me puxando...
         Havia uma televisão, grandona, colocada bem alto numa prateleira e todo aquele pessoal estava lá, admiradíssimos, realmente embasbacados, vendo a grande novidade.
         Foi a primeira vez que vi uma televisão em minha vida.