A SURPRESA NO CAFÉ PARISIENSE
Essa se passou no começo da década de
70, quando a ditadura brasileira mais apertava suas amarras, e eu como parte
dos “inseridos no contexto”, me sentia sufocado pela repressão que chegava às
raias do absurdo.
Nessa época a maioria do pessoal mais atuante havia jogado a toalha e enfiado o rabo entre as pernas, qualquer tentativa de
resistência ao golpe era reprimida com muita violência. Eu tive alguns colegas, até amigos que desapareceram ...
Ao chegar no último ano de meu
curso na Biologia da USP, eu queria mais é esquecer de tudo, estudar, pegar meu diploma e virar
algo parecido com o Dr. Livingstone, ou o menos conhecido Fritz Muller(¹),
naturalista alemão radicado em Sta. Catarina por volta de 1850... ou um Indiana
Jones... menos arrojado, talvez.
Até consegui ter uma pequena amostra da
atividade de naturalista, ao ajudar a organizar e participar de uma expedição
aos confins do rio Araguaia realizada pelo Dr. Sergio de Almeida Rodrigues, professor do departamento de Zoologia, onde eu era bolsista
da Fapesp. Essa viagem deu origem a uma amizade bastante duradoura, até que mudei para Ubatuba. Infelizmente soube de sua morte através de sua ex-esposa, o que me deixou bastante triste, era um sujeito admirável, excelente professor, bastante culto e muito engraçado...
Foi quando fiquei sabendo que o governo
francês oferecia bolsas de estudo num programa chamado Coopération Téchnique,
que apesar de ser mínima era uma oportunidade para sair do país, e
depois de um ano na fila fui contemplado com essa minguadíssima bolsa, que mal
daria para pagar a comida.
Aqui, o governo militar fazia muita propaganda e a
cidade estava entupida de adesivos verde amarelo onde estava escrito “Brasil, ame-o
ou deixe-o”. Foram espalhados em todos
os vidros traseiros, em todas a portas de banco, lanchonetes, parachoques e
similares.
Ao embarcar para a França, tive a
coragem cortar dois deles e grudar “deixe-o” em minhas maletas de mão. A outra parte (com a bandeira e o resto da frase... Brasil, ame-o) grudei numa janela do mocozinho que consegui alugar, lá na França, perto do
antigo forte da legião estrangeira, onde funcionava o instituto oceanográfico
de Marseille, lugar do meu estágio.
Lá eu era visto mais ou menos como um
ser vindo de outro planeta e a primeira coisa que ouvia ao dizer que era brasileiro, era “Oh, le Brésil,
Pelê”.
...e sempre algum francês engraçadinho perguntava se tinham índios ou
feras andando soltos nas ruas...
Mas a história insólita, com a qual
pretendo deliciar meus simpáticos leitores, e elegantes leitoras, se passou numa visita feita a uns amigos
que moravam em Paris. Na realidade era num subúrbio, no fim de uma linha de
metrô, num bairro super francês, todo cinza.
No segundo dia, resolvemos fazer
um turismo em Paris.
Bem, eu como leitor dos romances de Sartre & Cia não podia
deixar de tomar uma cervejinha no mundialmente famoso “Café des Flores” em cujas
cadeiras todos os intelectuais do planeta haviam colocado seus
sofisticadíssimos bum-buns.
Somente havia lugar na parte da calçada, cercada por toldos que desciam até o chão, devido ao frio do inverno. Conseguimos divisar uma mesinha para
a qual nos dirigimos esbarrando naquele mundaréu de gente espremida, fumando desvairadamente.
E ao chegar
na mesa alvo, deparo-me com nada mais nada menos do que uma onça!
Isso mesmo, uma onça de verdade!
Sentada tranquilamente no chão, presa por uma coleira de cachorro, estava uma
oncinha! Uma onça num café em Paris!!!
Bem, daí pra frente, sempre que algum
engraçadinho falava dos índios e das feras soltas em minha querida Sampa, eu
respodia...
- Olha, Paris é a única cidade que eu conheço onde a gente vê onça viva sentada em restaurante...!!!
(¹) O naturalista Fritz Muller
foi um sujeito bem interessante. Quem quiser se informar sobre ele pode
procurar na wikipedia. o link está no espaço entre parêntesis que fica meiotransparente... passe o mouse ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Fritz_M%C3%BCller)