sábado, 4 de junho de 2016

HISTÓRIAS DO BENE

         o Bene...


           O Sr. Aricleiton Pinto Benedito, mais conhecido como Bene, Bene sem acento,  era um cara um tanto quanto estranho. Grandão sempre com um ar preocupado, ou melhor, um ar angustiado, com um jeito de falar meio afeminado. Dizia ser formado em arquitetura, mas nunca havia trabalhado na área. Aliás ao que parece nunca tinha trabalhado na vida, era de uma família  mineira muito rica, que possuía o jornal mais importante da região. Aos poucos descobri que na realidade a ex mulher do pai, que comandava os negócios, dava-lhe uma bela mesada, justamente para ele não ir lá atrapalhar os negócios. Aparecia em casa de tempos em tempos, e como gostava de cinema e de artes plásticas às vezes batíamos bons papos. Na realidade ele se interessava mais pela vida do grandes artistas do que pelas obras, e muitas vezes eu ficava ouvindo ele contar alguma fofoca sobre a vida sexual de algum grande pintor ou escultor.


         Acontece que o Bene  apesar de sexagenário, era obcecado por sexo, adorava me contar suas aventuras sexuais, com detalhes que chegavam às raias da obscenidade. Às vezes repetia a mesma estória, e cada vez adicionava algum lance mais obsceno ainda. Acho que era uma atitude provocativa, pelo fato de eu estar vivendo sozinho. Então resolvi aproveitar os casos mais interessantes que transformei num conjunto de crônicas ou pequenos contos. Algumas delas  eram apenas grandes porcarias, como a da velha desdentada que fazia um boquete delicioso...  Contou essa estória, num almoço... era a primeira vez que via meu filho, que na época aparecia bastante em casa. Essa pelo menos é um pouco engraçada, mas às vezes ele se punha a descrever situações realmente intragáveis, descrevendo detalhadamente as partes íntimas das companheiras de suas aventuras.

              Das estórias que o Bene me contou a mais engraçada é essa. Dei uma boa arranjada nela e a intitulei de...
                       
                                      


                                     O ATROPELAMENTO

         As coxas morenas da Sílvia atraiam meu olhar de ma­neira irresistível. Minha vontade era de parar o carro no acos­tamento e enfiar a cabeça por baixo de sua saia curtíssima. Pernas lindas pele lisinha lisinha, nem uma celulite, tudo esticadinho, bem desenhadas cobertas por uma penugenzinha aloirada... que pernas!
         Eu havia bebido um pouco a mais e minha vista confundia os re­flexos provocados pela chuva na estrada mal iluminada. Lá atrás, Claudinha e o Gilberto estavam de mal, um em cada canto do banco. Chegaram mesmo a trocar palavras um tanto ásperas no barzinho onde havíamos jantado e dançado. Mas em compensação, a Sílvia... ah! A Sílvia estava ótima, demais. Passou a noite me alisando e me apertando nas músicas um pouco mais lentas, seus olhos verdes... transparentes...
         Eu tentava prestar mais atenção na estrada, mas cada vez que o carro passava embaixo de uma luz, as pernas, os olhos verdes, a boca, a blusa aberta  mostrando... Hoje, quando me lembro, tudo se mistura com as imagens impressionantes que vieram depois. Quando pus a mão na sua perna, ela afundou na poltrona e puxou minha mão para baixo de sua calcinha. Apoiou a cabeça no meu om­bro, e também começou a passar a mão na minha barriga, su­bindo e descendo, e descendo...
         - Hei vocês aí na frente!... Querem parar com essa sacana­gem, estão pensando o que?
         - Você está com inveja porque a Claudinha está  aborrecida...
         - Ôô Cláudia, fica numa boa! No fundo, bem no fundo o Gilberto é bom sujeito - falei brincando.
         - Vamos dar uma bola?! Vai Gil, acende aquele que está escondido aí atrás! Quem sabe a Cláudia esquece o que você andou fazendo... 
         Diminuí bem a velocidade do carro enquanto o charo ia passando.
         - Esse é dos bons...
        - É sim! Mas vê se presta atenção nessa porra de estrada! - respondeu a Cláudia que estava mal humorada demais.
         - Puxa, hoje ela está mesmo arrevesada. Agarra ela, Gil, acho que é isso, ela quer ser violentada!
         A chuva, a bebida, e agora o fumo... guiar estava cada vez mais difícil. O asfalto havia adquirido um brilho sobrenatural e as unhas de Sílvia roçavam meu pau levemente por cima da bermuda acompanhando as curvas da estrada.  Eu era inteiro tesão... os ruídos, as luzes, a água... tudo saía de lá, do meu pinto, querendo explodir e molhar toda a estrada e os dedos espalhavam a chuva na cabeça dele... mais um pouco...
          - O que é isso? – o Gil gritou, justamente num dos mo­mentos em que eu estava tentando afastar a Sílvia. Até hoje ouço os dois gritos toda vez que conto essa estória, porque  a Cláudia deu um tremendo berro.         
         - Beneee!!!!!!
         Foi tudo muito rápido, não deu para desviar. Eu estava indo devagar, mas era uma curva, o corpo no chão... apareceu de repente. Parecia uma mulher de cabe­los compridos, uma cabeça estranha, vestida de capa plástica preta, brilhante. Que horror! Brequei ten­tando evitar que o carro derrapasse e fosse direto no barranco, mas não consegui evitar de passar sobre aquela estranha figura jogada na estrada. O carro deu um solavanco e o corpo foi batendo no fundo fazendo um barulho meio surdo. Parecia rolar, sendo espatifado pelo assoalho do carro.
         Me veio uma sensação desagradável, de nojo, direto na minha barriga. Parei naquela faixinha de asfalto mais esbura­cado que servia de acostamento.
         Apoiei a cabeça na direção, enquanto subia uma tremenda vontade de vomitar e chorar.
         - Puta, que merda! Que merda! É o que dá, porra! – a Cláu­dia ia começar a reclamar, mas o Gil deu uns gritos com ela, que se calou...
         - Temos que ir lá! – disse o Gil.
          - Mas ela já estava morta! Tenho certeza, estava meio... sei lá parecia torta.
         - Morta! Será que morreu?! Ah, caralho...
         - Peraí, gente!!! – o Gil falou – temos que ver o que foi que...
       A Silvia começou a chorar, se lamentando. -  Ai meu Deus! Foi culpa minha, eu estava muito louca. Ai meu Deus... aquele barulho... era do corpo no fundo do carro? –
         E todos começamos a falar juntos...
         – Vamos em­bora, ninguém viu! Vamos! Vamos vai!, a Sílvia insistia.
         - O que é isso, Silvia?! Não se pode deixar um ferido sem socorro. Temos que ir lá, quem sabe ela ainda esteja viva! Mas era mulher? Não sei, acho que sim, pelo menos me deu essa im­pressão por causa dos cabelos compridos... mas era tão esqui­sita. Ela estava meio torta. Será que... Vai ver que já tinha sido atropelada e largaram o corpo aí no meio. Então, vamos embora, vamos embora! A gente vai levar a culpa e não fizemos nada! Porra! Ah, não fizemos?...  Só passamos com o carro em cima dela, cacête!! Mas alguém atropelou ela antes da gente, se mandou e nós vamos levar a culpa! Não. Não, ela podia estar bêbada... vai ver que caiu ou desmaiou. Sei lá, mas devemos ir ver. De repente a gente ainda possa fazer alguma coisa. 
         - Vem vindo um carro, e agora? Talvez eles possam nos ajudar. Desce Dá, vai logo. Manda eles pararem. Vai, meu!!
         Eu estava paralisado, aterrorizado demais para tomar qualquer atitude mais ou menos lógica. O carro, uma caminhonete, vinha no sen­tido contrário, com os faróis muito altos. Diminuiu um pouco de velocidade ao passar ao lado do corpo da mulher e se mandou.
         - Pô, nem ligou.! Vocês viram!?
         - Nem parou. Parece que passou em cima dela também!!... que filho da puta...
         Passaram mais dois carros, e nenhum deles parou e tive a impressão de que um deles passou em cima do que parecia ser a perna da coitada. Eu, vendo aquele espetáculo horroroso, falei:
         - Gil, vamos lá, temos que fazer alguma coisa, senão a mulher vai virar uma gosma no asfalto molhado.
         - Não! Vamos embora... vamos embora.. - a Sílvia repetia, chorando. - Vai dar a maior confusão. Vão te fazer o teste do bafômetro, vão descobrir que a gente deu uma bola, e aí quero ver!! Para que? Aquela mulher já era. Não fomos nós que atropelamos ela ... ela já estava morta! Vamos!! Você não acha Claudinha?
         A Cláudia estava com a cabeça apoiada no vidro de trás, resmungando baixinho. Devia estar me acusando de tudo quanto era coisa, e ela até que tinha razão.
         - Olha... Cláudia... Eu... foi culpa minha. Bem... eu estava namorando enquanto guava... é, mas eu estava bem devagar, só que me distraí. Mas agora não podemos ficar discutindo. E... Quer saber? Vou lá! Assumo tudo...  seja o que Deus quiser. Vem comigo, Gil?
         - Tá bom, tá bom... Acho que também vou - Sílvia disse baixinho.
         Saímos todos e fomos nos dirigindo len­tamente para o corpo que estava a uns trinta metros, brilhando naquela quase escuridão quebrada pelas luzes fra­quíssimas dos postes de madeira da estradinha. Estávamos em silêncio. Gil ia na frente, muito depressa. Era o mais frio e ponderado de nós. A Cláudia vinha lá atrás, bem devagar, andando quase sem sair do lugar.
         De repente quase perdi a respiração.
         - Meu Deus! Ela está partida em dois!!! Que horror. Ah, eu vou ficar por aqui. Olhe só aquela perna separada do corpo!!... está toda despedaçada por todos esses carros que passaram por cima.
         Paramos todos, menos o Gil que ao contrário apertou o passo e correu mostrando uma curiosidade mórbida e uma frieza que nos chocava. Eu até fiquei meio revoltado com ele.
         - Nossa! – falei – o Gil não tem estômago Como ele pode ficar tão  ansioso para ver um corpo nesse es­tado e sabendo que nós...
         Fomos interrompidos por uma espantosa e absurda gar­galhada do Gil.
         - Ainda por cima essa!!... o cara endoidou de vez!!
         - É demais! Venham ver isso!! - gritou o Gil ainda rindo muito.
         - Venham até aqui! Venham ver a mulher que a gente atropelou! - gritava o Gil enquanto ria.
         Deixei as moças mais atrás e me aproximei lentamente do insólito quadro que era meu amigo rindo diante do... aí percebi que os cabelos da coitada eram realmente muito estranhos e suas pernas muito brancas. Além disso não tinha sangue e...
         - ... e as pernas são tubos de pvc! – gritava o Gil, morrendo de rir – pernas de pvc de quatro polegadas!!! Vejam! Sacos de lixo!!!
         Quando cheguei mais perto o Gil ria ria, mas ria até dobrar a barriga. Eram dois ou três sacos pretos de lixo. De um deles saia o tufo desgrenhado de um espanador sem cabo e do outro dois pedaços de cano de esgoto. Para completar o quadro dantesco criado na nossa imagina­ção descompensada pelo fumo, uns panos enrolados formavam os braços esmigalhados da defunta, e restos de comida misturados com pó de café pareciam sangue espalhado no asfalto. Fiquei aparvalhado sem saber o que dizer, rindo meio sem graça, como um bobo olhando aquele lixo espalhado na estrada.
         Voltamos para o carro e continuamos em silêncio até chegar na casinha alugada. Mesmo assim, nessa noite nem consegui transar com minha namorada, a morena Sílvia de olhos verdes e suaves como um rio cristalino.