o Bene...
O Sr. Aricleiton Pinto
Benedito, mais conhecido como Bene, Bene sem acento, era um cara um tanto quanto estranho. Grandão
sempre com um ar preocupado, ou melhor, um ar angustiado, com um jeito de falar
meio afeminado. Dizia ser formado em arquitetura, mas nunca havia trabalhado na
área. Aliás ao que parece nunca tinha trabalhado na vida, era de uma
família mineira muito rica, que possuía
o jornal mais importante da região. Aos poucos descobri que na realidade a ex
mulher do pai, que comandava os negócios, dava-lhe uma bela mesada, justamente
para ele não ir lá atrapalhar os negócios. Aparecia em casa de tempos em
tempos, e como gostava de cinema e de artes plásticas às vezes batíamos bons
papos. Na realidade ele se interessava mais pela vida do grandes artistas do
que pelas obras, e muitas vezes eu ficava ouvindo ele contar alguma fofoca
sobre a vida sexual de algum grande pintor ou escultor.
Acontece que o
Bene apesar de sexagenário, era obcecado
por sexo, adorava me contar suas aventuras sexuais, com detalhes que chegavam
às raias da obscenidade. Às vezes repetia a mesma estória, e cada vez
adicionava algum lance mais obsceno ainda. Acho que era uma atitude
provocativa, pelo fato de eu estar vivendo sozinho. Então resolvi aproveitar os
casos mais interessantes que transformei num conjunto de crônicas ou pequenos
contos. Algumas delas eram apenas
grandes porcarias, como a da velha desdentada que fazia um boquete delicioso... Contou
essa estória, num almoço... era a primeira vez que via meu filho, que na época
aparecia bastante em casa. Essa pelo menos é um pouco engraçada, mas às vezes
ele se punha a descrever situações realmente intragáveis, descrevendo detalhadamente as partes
íntimas das companheiras de suas aventuras.
Das estórias que o Bene me contou a mais engraçada é essa. Dei
uma boa arranjada nela e a intitulei de...
O ATROPELAMENTO
As coxas morenas da Sílvia atraiam meu olhar de maneira
irresistível. Minha vontade era de parar o carro no acostamento e enfiar a
cabeça por baixo de sua saia curtíssima. Pernas lindas pele lisinha
lisinha, nem uma celulite, tudo esticadinho, bem desenhadas cobertas por uma
penugenzinha aloirada... que pernas!
Eu havia bebido
um pouco a mais e minha vista confundia os reflexos provocados pela chuva na
estrada mal iluminada. Lá atrás, Claudinha e o Gilberto estavam de mal, um
em cada canto do banco. Chegaram mesmo a trocar palavras um tanto ásperas no
barzinho onde havíamos jantado e dançado. Mas em compensação, a Sílvia... ah! A
Sílvia estava ótima, demais. Passou a noite me alisando e me apertando nas
músicas um pouco mais lentas, seus olhos verdes... transparentes...
Eu tentava
prestar mais atenção na estrada, mas cada vez que o carro passava embaixo de
uma luz, as pernas, os olhos verdes, a boca, a blusa aberta mostrando...
Hoje, quando me lembro, tudo se mistura com as imagens impressionantes que
vieram depois. Quando pus a mão na sua perna, ela afundou na poltrona e puxou
minha mão para baixo de sua calcinha. Apoiou a cabeça no meu ombro, e também
começou a passar a mão na minha barriga, subindo e descendo, e descendo...
- Hei vocês aí
na frente!... Querem parar com essa sacanagem, estão pensando o que?
- Você está com
inveja porque a Claudinha está aborrecida...
- Ôô Cláudia, fica
numa boa! No fundo, bem no fundo o Gilberto é bom sujeito - falei brincando.
- Vamos dar uma
bola?! Vai Gil, acende aquele que está escondido aí atrás! Quem sabe a Cláudia
esquece o que você andou fazendo...
Diminuí bem a
velocidade do carro enquanto o charo ia passando.
- Esse é dos
bons...
- É sim! Mas vê se presta
atenção nessa porra de estrada! - respondeu a Cláudia que estava mal
humorada demais.
- Puxa, hoje
ela está mesmo arrevesada. Agarra ela, Gil, acho que é isso, ela quer ser
violentada!
A chuva, a
bebida, e agora o fumo... guiar estava cada vez mais difícil. O asfalto havia
adquirido um brilho sobrenatural e as unhas de Sílvia roçavam meu pau levemente
por cima da bermuda acompanhando as curvas da estrada. Eu era inteiro
tesão... os ruídos, as luzes, a água... tudo saía de lá, do meu pinto, querendo
explodir e molhar toda a estrada e os dedos espalhavam a chuva na cabeça
dele... mais um pouco...
- O que é
isso? – o Gil gritou, justamente num dos momentos em que eu estava tentando
afastar a Sílvia. Até hoje ouço os dois gritos toda vez que conto essa estória,
porque a Cláudia deu um tremendo
berro.
- Beneee!!!!!!
Foi tudo muito
rápido, não deu para desviar. Eu estava indo devagar, mas era uma curva, o
corpo no chão... apareceu de repente. Parecia uma mulher de cabelos compridos,
uma cabeça estranha, vestida de capa plástica preta, brilhante. Que horror!
Brequei tentando evitar que o carro derrapasse e fosse direto no barranco, mas
não consegui evitar de passar sobre aquela estranha figura jogada na estrada. O
carro deu um solavanco e o corpo foi batendo no fundo fazendo um barulho meio
surdo. Parecia rolar, sendo espatifado pelo assoalho do carro.
Me veio uma
sensação desagradável, de nojo, direto na minha barriga. Parei naquela faixinha
de asfalto mais esburacado que servia de acostamento.
Apoiei a cabeça
na direção, enquanto subia uma tremenda vontade de vomitar e chorar.
- Puta, que
merda! Que merda! É o que dá, porra! – a Cláudia ia começar a reclamar, mas o
Gil deu uns gritos com ela, que se calou...
- Temos que ir
lá! – disse o Gil.
- Mas ela
já estava morta! Tenho certeza, estava meio... sei lá parecia torta.
- Morta! Será
que morreu?! Ah, caralho...
- Peraí, gente!!!
– o Gil falou – temos que ver o que foi que...
A Silvia começou a chorar,
se lamentando. - Ai meu Deus! Foi culpa minha, eu estava muito louca. Ai
meu Deus... aquele barulho... era do corpo no fundo do carro? –
E todos
começamos a falar juntos...
– Vamos embora,
ninguém viu! Vamos! Vamos vai!, a Sílvia insistia.
- O que é isso,
Silvia?! Não se pode deixar um ferido sem socorro. Temos que ir lá, quem sabe
ela ainda esteja viva! Mas era mulher? Não sei, acho que sim, pelo menos me deu
essa impressão por causa dos cabelos compridos... mas era tão esquisita. Ela
estava meio torta. Será que... Vai ver que já tinha sido atropelada e largaram
o corpo aí no meio. Então, vamos embora, vamos embora! A gente vai levar a
culpa e não fizemos nada! Porra! Ah, não fizemos?... Só passamos com o
carro em cima dela, cacête!! Mas alguém atropelou ela antes da gente, se mandou
e nós vamos levar a culpa! Não. Não, ela podia estar bêbada... vai ver que caiu
ou desmaiou. Sei lá, mas devemos ir ver. De repente a gente ainda possa fazer
alguma coisa.
- Vem vindo um
carro, e agora? Talvez eles possam nos ajudar. Desce Dá, vai logo. Manda eles
pararem. Vai, meu!!
Eu estava
paralisado, aterrorizado demais para tomar qualquer atitude mais ou menos
lógica. O carro, uma caminhonete, vinha no sentido contrário, com os faróis
muito altos. Diminuiu um pouco de velocidade ao passar ao lado do corpo da
mulher e se mandou.
- Pô, nem
ligou.! Vocês viram!?
- Nem parou.
Parece que passou em cima dela também!!... que filho da puta...
Passaram mais
dois carros, e nenhum deles parou e tive a impressão de que um deles passou em
cima do que parecia ser a perna da coitada. Eu, vendo aquele espetáculo
horroroso, falei:
- Gil, vamos
lá, temos que fazer alguma coisa, senão a mulher vai virar uma gosma no asfalto
molhado.
- Não! Vamos
embora... vamos embora.. - a Sílvia repetia, chorando. - Vai dar a maior
confusão. Vão te fazer o teste do bafômetro, vão descobrir que a gente deu uma
bola, e aí quero ver!! Para que? Aquela mulher já era. Não fomos nós que
atropelamos ela ... ela já estava morta! Vamos!! Você não acha Claudinha?
A Cláudia
estava com a cabeça apoiada no vidro de trás, resmungando baixinho. Devia estar
me acusando de tudo quanto era coisa, e ela até que tinha razão.
- Olha...
Cláudia... Eu... foi culpa minha. Bem... eu estava namorando enquanto guava... é,
mas eu estava bem devagar, só que me distraí. Mas agora não podemos ficar
discutindo. E... Quer saber? Vou lá! Assumo tudo... seja o que Deus quiser. Vem comigo, Gil?
- Tá bom, tá
bom... Acho que também vou - Sílvia disse baixinho.
Saímos todos e
fomos nos dirigindo lentamente para o corpo que estava a uns trinta metros,
brilhando naquela quase escuridão quebrada pelas luzes fraquíssimas dos postes
de madeira da estradinha. Estávamos em silêncio. Gil ia na frente, muito
depressa. Era o mais frio e ponderado de nós. A Cláudia vinha lá atrás, bem
devagar, andando quase sem sair do lugar.
De repente
quase perdi a respiração.
- Meu Deus! Ela
está partida em dois!!! Que horror. Ah, eu vou ficar por aqui. Olhe só
aquela perna separada do corpo!!... está toda despedaçada por todos esses
carros que passaram por cima.
Paramos todos,
menos o Gil que ao contrário apertou o passo e correu mostrando uma curiosidade
mórbida e uma frieza que nos chocava. Eu até fiquei meio revoltado com ele.
- Nossa! –
falei – o Gil não tem estômago Como ele pode ficar tão ansioso para ver
um corpo nesse estado e sabendo que nós...
Fomos
interrompidos por uma espantosa e absurda gargalhada do Gil.
- Ainda por
cima essa!!... o cara endoidou de vez!!
- É demais!
Venham ver isso!! - gritou o Gil ainda rindo muito.
- Venham até
aqui! Venham ver a mulher que a gente atropelou! - gritava o Gil enquanto ria.
Deixei as moças
mais atrás e me aproximei lentamente do insólito quadro que era meu amigo rindo
diante do... aí percebi que os cabelos da coitada eram realmente muito
estranhos e suas pernas muito brancas. Além disso não tinha sangue e...
- ... e as
pernas são tubos de pvc! – gritava o Gil, morrendo de rir – pernas de pvc de
quatro polegadas!!! Vejam! Sacos de lixo!!!
Quando cheguei
mais perto o Gil ria ria, mas ria até dobrar a barriga. Eram dois ou três sacos
pretos de lixo. De um deles saia o tufo desgrenhado de um espanador sem cabo e
do outro dois pedaços de cano de esgoto. Para completar o quadro dantesco
criado na nossa imaginação descompensada pelo fumo, uns panos enrolados
formavam os braços esmigalhados da defunta, e restos de comida misturados com
pó de café pareciam sangue espalhado no asfalto. Fiquei aparvalhado sem saber o
que dizer, rindo meio sem graça, como um bobo olhando aquele lixo espalhado na
estrada.
Voltamos para o
carro e continuamos em silêncio até chegar na casinha alugada. Mesmo assim,
nessa noite nem consegui transar com minha namorada, a morena Sílvia de olhos
verdes e suaves como um rio cristalino.