terça-feira, 7 de abril de 2015

MOSQUITO NO OLHO

                         Apenas para distrair minhas simpáticas e elegantes leitoras e leitores (também simpáticos e elegantes), coloco uma estoria bem curtinha, para vocês matarem saudades de meus edificantes textos. Isso se passou há muitos e muitos anos... eu e meu velho amigo Jorge Bodanzky estávamos....



MOSQUITO NO OLHO DO OUTRO É COLÍRIO


            Estávamos batendo papo junto à janela da sala do apartamento onde eu morava com meus pais. Tínhamos uma linda vista para toda zona sul de São Paulo. Nossa diversão era pegar o binóculo e admirar lugares muito distantes, como a Cidade Universitária e conseguíamos até ver os aviões pousando na pista do aeroporto de Congonhas. O prédio era um dos primeiros edifícios de apartamentos construídos nos Jardins... uma verdadeira torre de observação no décimo quarto andar.
            Estávamos lá curtindo aquele visual quando de repente o Jorge reclamou que um bicho tinha entrado no olho dele.
            - Ai meu olho! Ai ai ai! Entrou um bicho!!
            - Que bicho?
            - Ah, sei lá, deve ser um mosquito! Sei lá que bicho é... mas está no meu olho. Olha aí!
            - Espera aí, vou ver se consigo enxergar.
            - Pô, vai logo! Está entrando lá pra dentro...
            Eu fui correndo buscar um lenço. É, isso mesmo... todo mundo usava lenço, o que aliás era uma bela porcaria, a gente assoava o nariz e depois guardava o lenço cheio de meleca no bolso. O Jorginho estava muito aflito, mas eu não conseguia ver nada. Arregalou o olho, eu tentei virar a pálpebra, e passar a pontinha do lenço, mas era impossível. Ele não parava, não deixava eu fazer nada e ficava reclamando. Nessa hora minha mãe, que acabara de entrar, mandou ele se abaixar, e resolveu tentar achar o tal bicho, mas ela enxergava mal, apesar da recente operação de catarata. O Jorge foi correndo até banheiro, lavou o olho, pingamos colírio... mas, segundo ele, o bicho continuava lá.
            - Olha, Jorge, às vezes acontece isso, vem um bicho voando bate no olho da gente e faz um machucadinho. O olho é muito sensível e a gente fica achando que tem alguma coisa, porque o lugar onde o bicho bate fica irritado.
            - Não, gente, eu tenho certeza que tem uma coisa... eu sinto que se mexe.
            - A aflição dele era muito grande. Minha mãe, que adorava meu amigo, resolveu ligar para um grande oftalmologista, que tinha consultório no mesmo prédio onde era o do meu pai, falou com a enfermeira, e conseguiu que o renomadíssimo Dr. Celso, atendesse o meu amigo...
            - ...mas vocês tem que que chegar aqui em quinze minutos, senão o doutor já não vai estar.
   Saímos correndo... correndo mesmo... apanhamos um táxi e conseguimos sermos atendidos pelo melhor oculista do Brasil, que nos recebeu muito simpaticamente, olá Dario seu pai eu encontro todo dia e como vai sua mãe a operação dela foi um sucesso... e então jovem, você foi atacado por um poderoso mosquito?... 
                  - Não sei se é mosquito, mas está dentro, lá atrás! eu sinto ele se mexer!
            - Calma rapaz, não precisa ficar aflito, vamos dar um jeitinho nesses seu lindos olhos...
            Devo fazer um pequeno parêntesis, para falar dos olhos super azuis de meu velho amigo, que os usava para derreter os corações femininos com bastante frequência e eficiência, o que me irritava bastante quando nos aproximávamos de mocinhas afáveis ou paqueráveis.
            Bem, voltando à nossa ocular estória, o simpático Dr. Celso colocou o Jorginho sentado na cadeira das vítimas, ooops!... quer dizer dos clientes, e acendeu tudo quanto foi luz.  Fez ele revirar o olho para tudo quanto é lado, usou toda a tecnologia mais moderna da época e...
            - Olha, seu Jorginho, aqui não tem nada!
           O Jorge deu uma risadinha, meio desenxabida...
            - Mas doutor... eu... por favor olha mais, por favor, eu tenho certeza, é aqui, nesse lado, parece estar atrás. Sabe?...  uma coisa grudada atrás do meu olho... não é possível que não tenha nada! Aqui ó...!
            - Onde?
            - Aqui, nesse cantinho...
            -Senta aí, vou dar mais uma olhada...
            E dá-lhe, luzinhas, lentes de aumento, líquidos estranhos.
            - Realmente, meu jovem...  Posso te garantir que é impressão sua. Olha, pega esse colírio e vai pingando... Antes de casar passa!
          Eu havia ligado para meu pai, cujo consultório era no mesmo prédio, como já disse, mas estou repetindo para algum leitor um pouco distraído, avisando que iria levar a gente para casa.
            Agradecemos muito ao doutor Celso e subimos para encontrarmos meu pai. Mas o Jorge não parava de reclamar... Reclamou o tempo que ficamos na sala de espera...
            - Pô, Jorge, pára caramba, aí não tem nada! O maior oftalmologisra de São Paulo te examina, e não vê nada, é porque não tem nada! Que saco, hein!!
            Aí veio a assistente de papai, e deu umas três ou quatro receitas infalíveis, e contou algum caso escabroso de alguma sobrinha que acabou ficando cega, e da tia que ficou vesga, e da prima caolha... tudo isso para acalmar o coitado do meu amigo, que agora estava possuído por um profundo e aterrador mutismo. Aliás, nosso paciente não abriu a boca até chegar em casa, num curto percurso absolutamente silencioso, porque meu pai normalmente era bastante calado. Mas quando chegamos em casa, minha mãe toda ligadona, tinha ligado para todos envolvidos na pesquisa mosquital. Já sabia o que tinha acontecido e fez um monte de piadinhas, mas o Jorge só balançava a cabeça.
            Finalmente sentamos para jantar, mas o Jorge não queria saber de comer nada, e o jantar estava meio envolto pelo fantasma de um suposto mosquito, quando o Jorge gritou.
            - Ele esta´saindo!... Vou catar ele!!! e correu para o banheiro, e eu atrás carregando um guardanapo.
            Ele parou na frente do espelho, pegou meu guardanapo e...
            - Tá aquiiii ó! Não disse pra vocês?!Eu falei! Ficou todo mundo tirando sarro, mas olha aqui ó! Eu falei que ele estava dentro do meu olho!
            E lá estava, completamente destroçado, o coitado do mosquito que conseguiu se esconder de mim,  e da minha mãe. Mas a grande façanha desse insignificante díptero foi se esconder do famosíssimo Dr. Celso e seus ultra ultra sofisticadíssimos equipamentos perscrutadores.

            E o jantar terminou alegremente, com papai nos servindo um bom vinho para comemorarmos a captura do mosquito invisível!