Apenas para distrair minhas simpáticas e elegantes leitoras e leitores (também simpáticos e elegantes), coloco uma estoria bem curtinha, para vocês matarem saudades de meus edificantes textos. Isso se passou há muitos e muitos anos... eu e meu velho amigo Jorge Bodanzky estávamos....
MOSQUITO
NO OLHO DO OUTRO É COLÍRIO
Estávamos batendo papo junto à janela da sala do
apartamento onde eu morava com meus pais. Tínhamos uma linda vista para toda
zona sul de São Paulo. Nossa diversão era pegar o binóculo e admirar lugares
muito distantes, como a Cidade Universitária e conseguíamos até ver os aviões
pousando na pista do aeroporto de Congonhas. O prédio era um dos primeiros
edifícios de apartamentos construídos nos Jardins... uma verdadeira torre de
observação no décimo quarto andar.
Estávamos lá curtindo aquele visual quando de repente o
Jorge reclamou que um bicho tinha entrado no olho dele.
- Ai meu olho! Ai ai ai! Entrou um bicho!!
- Que bicho?
- Ah, sei lá, deve ser um mosquito! Sei lá que bicho é...
mas está no meu olho. Olha aí!
- Espera aí, vou ver se consigo enxergar.
- Pô, vai logo! Está entrando lá pra dentro...
Eu fui correndo buscar um lenço. É, isso mesmo... todo
mundo usava lenço, o que aliás era uma bela porcaria, a gente assoava o nariz e depois guardava o lenço cheio de meleca no bolso. O Jorginho estava muito
aflito, mas eu não conseguia ver nada. Arregalou o olho, eu tentei virar a
pálpebra, e passar a pontinha do lenço, mas era impossível. Ele não parava, não
deixava eu fazer nada e ficava reclamando. Nessa hora minha mãe, que acabara de
entrar, mandou ele se abaixar, e resolveu tentar achar o tal bicho, mas ela
enxergava mal, apesar da recente operação de catarata. O Jorge foi correndo até banheiro,
lavou o olho, pingamos colírio... mas, segundo ele, o bicho continuava lá.
- Olha, Jorge, às vezes acontece isso, vem um bicho
voando bate no olho da gente e faz um machucadinho. O olho é muito sensível e a
gente fica achando que tem alguma coisa, porque o lugar onde o bicho bate fica irritado.
- Não, gente, eu tenho certeza que tem uma coisa... eu
sinto que se mexe.
- A aflição dele era muito grande. Minha mãe, que adorava
meu amigo, resolveu ligar para um grande oftalmologista, que tinha consultório
no mesmo prédio onde era o do meu pai, falou com a enfermeira, e conseguiu que
o renomadíssimo Dr. Celso, atendesse o meu amigo...
- ...mas vocês tem que que chegar aqui em quinze minutos,
senão o doutor já não vai estar.
Saímos correndo... correndo mesmo... apanhamos um táxi e conseguimos sermos
atendidos pelo melhor oculista do Brasil, que nos recebeu muito simpaticamente,
olá Dario seu pai eu encontro todo dia e como vai sua mãe a operação dela foi
um sucesso... e então jovem, você foi atacado por um poderoso mosquito?...
- Não sei se é mosquito, mas está dentro, lá atrás! eu sinto ele se mexer!
- Calma rapaz, não precisa ficar aflito, vamos dar um
jeitinho nesses seu lindos olhos...
Devo fazer um pequeno parêntesis, para falar dos olhos
super azuis de meu velho amigo, que os usava para derreter os corações
femininos com bastante frequência e eficiência, o que me irritava bastante quando nos aproximávamos de mocinhas afáveis ou paqueráveis.
Bem, voltando à nossa ocular estória, o simpático Dr. Celso colocou o Jorginho sentado na cadeira
das vítimas, ooops!... quer dizer dos clientes, e acendeu tudo quanto foi luz. Fez ele revirar o olho para tudo quanto é lado, usou toda a tecnologia mais
moderna da época e...
- Olha, seu Jorginho, aqui não tem nada!
O Jorge deu uma risadinha, meio desenxabida...
- Mas doutor... eu... por favor olha mais, por favor, eu
tenho certeza, é aqui, nesse lado, parece estar atrás. Sabe?... uma coisa grudada atrás
do meu olho... não é possível que não tenha nada! Aqui ó...!
- Onde?
- Aqui, nesse cantinho...
-Senta aí, vou dar mais uma olhada...
E dá-lhe, luzinhas, lentes de aumento, líquidos
estranhos.
- Realmente, meu jovem...
Posso te garantir que é impressão sua. Olha, pega esse colírio e vai
pingando... Antes de casar passa!
Eu havia ligado para meu pai, cujo consultório era no
mesmo prédio, como já disse, mas estou repetindo para algum leitor um pouco distraído, avisando que iria levar a gente para casa.
Agradecemos muito ao doutor Celso e subimos para
encontrarmos meu pai. Mas o Jorge não parava de reclamar... Reclamou o tempo que ficamos
na sala de espera...
- Pô, Jorge, pára caramba, aí não tem nada! O maior
oftalmologisra de São Paulo te examina, e não vê nada, é porque não tem nada!
Que saco, hein!!
Aí veio a assistente de papai, e deu umas três ou quatro
receitas infalíveis, e contou algum caso escabroso de alguma sobrinha que
acabou ficando cega, e da tia que ficou vesga, e da prima caolha... tudo isso para
acalmar o coitado do meu amigo, que agora estava possuído por um profundo e
aterrador mutismo. Aliás, nosso paciente não abriu a boca até chegar em casa,
num curto percurso absolutamente silencioso, porque meu pai normalmente era
bastante calado. Mas quando chegamos em casa, minha mãe toda ligadona, tinha
ligado para todos envolvidos na pesquisa mosquital. Já sabia o que tinha acontecido
e fez um monte de piadinhas, mas o Jorge só balançava a cabeça.
Finalmente sentamos para jantar, mas o Jorge não queria
saber de comer nada, e o jantar estava meio envolto pelo fantasma de um
suposto mosquito, quando o Jorge gritou.
- Ele esta´saindo!... Vou catar ele!!! e correu para o
banheiro, e eu atrás carregando um guardanapo.
Ele parou na frente do espelho, pegou meu guardanapo e...
- Tá aquiiii ó! Não disse pra vocês?!Eu falei! Ficou todo mundo tirando sarro,
mas olha aqui ó! Eu falei que ele estava dentro do meu olho!
E lá estava, completamente destroçado, o coitado do
mosquito que conseguiu se esconder de mim, e da minha mãe. Mas a grande façanha
desse insignificante díptero foi se esconder do famosíssimo Dr. Celso e
seus ultra ultra sofisticadíssimos equipamentos perscrutadores.
E o jantar terminou alegremente, com papai nos servindo
um bom vinho para comemorarmos a captura do mosquito invisível!